O ponto de partida desta comédia é extremamente promissor. No futuro, a tecnologia permite clonar o corpo de seres humanos, bastando fazer um upload das emoções e memórias para que o novo corpo desempenhe as funções do antecessor. Por isso, Mickey Barnes (Robert Pattinson), um jovem endividado e sem perspectivas, aceita se tornar um Dispensável, ou seja, um homem cujo trabalho em missões espaciais consiste em morrer (de gazes tóxicos, de doenças, de ataque de criaturas extraterrestres, etc.) para os humanos descobrirem maneiras de reagir. Em outras palavras, um rato de laboratório em versão humana.
As implicações morais da trama seriam bastante densas. Por este motivo, surpreende que o diretor e roteirista Bong Joon-ho abandone quase todas as discussões evidentes a partir da temática escolhida. Ele cita dilemas éticos na Terra; menciona vagamente os problemas no processo de duplicação (nada semelhante à catástrofe de A Substância, por exemplo). Todas as reproduções de Mickey serão rápidas e bem-sucedidas; e ninguém jamais tenta subverter os princípios da máquina. Aparentemente, o rapaz pouco inteligente é o primeiro e único ocupante deste trabalho ingrato. Nenhum interesse do governo surge para forçar outros pobres a morrerem em nome da coletividade (nos moldes de Round 6, para seguir nos exemplos mais perversos do audiovisual recente).
Na tentativa de realizar uma crítica ao nosso mundo, a obra propõe apenas um pastiche da crítica — ou seja, sua versão esvaziada, pasteurizada, reciclada.
O cineasta prefere extrair humor de caminhos simples, surpreendentemente infantis. Primeiro, na escatologia: devemos rir de um cano introduzido no ânus do herói, para “coletarem informações”, de uma espinha na bunda, ou quando vomita durante um jantar luxuoso. Segundo, no pressuposto da idiotia generalizada: todos os cientistas são imbecis e atrapalhados, tropeçando nos fios do aparelho de clonagem e esquecendo a maca onde Mickey deveria repousar após a reprodução. O líder do governo é um paspalhão, assim como sua esposa, o melhor amigo de Mickey (Timo, interpretado por Steve Yeun) e as pessoas que o cercam.
O principal elemento de fantasia consiste não exatamente na clonagem humana, nas viagens espaciais e na presença de grandes criaturas que penetram rochas, e sim na ideia que esta caquistocracia (governo dos piores, dos menos aptos) possa obter tanto sucesso. Joon-ho deseja tratar esta comunidade como um espelho distorcido da sociedade atual, liderada por um tirano de pouca inteligência (Mark Ruffalo, copiando vários trejeitos de Donald Trump, e especializando-se nos machistas deploráveis após Pobres Criaturas). Ele propõe menções ao fascismo, ao projeto de raça pura, e ao colonialismo, ao tratar as criaturas extraterrestres enquanto povos originários.
O problema se encontra na simplicidade e obviedade destas metáforas. O filme nunca acredita na capacidade do espectador em perceber referências óbvias, como a versão apenas levemente deturpada da suástica e do Sieg Heil. As ficções científicas sempre representaram o tempo presente, mesmo quando não faziam referências evidentes, paródicas, dos líderes atuais. Aqui, elas se limitam a uma chacota generalizada do estado das coisas, apontando à ganância dos maus e à ingenuidade dos bons. Nada novo sob o sol — algo triste para um filme com tantos recursos e relativa liberdade de criação.
Assim, nem mesmo as potencialidades do duplo se desenvolvem a contento. Quando Mickey 17 e Mickey 18 se veem lado a lado, as possibilidades de se substituírem, passaram um pelo outro, ou cooperarem para sabotar o sistema, são rapidamente descartadas. O roteiro prefere se focar em inúmeras tramas paralelas, umas mais fracas que as outras, pois introduzidas sem origem, e dispensadas antes de provocarem uma consequência determinante na aventura. A paixão de Timo por um líder tirânico; o romance abrupto do herói com Kai (Anamaria Vartolomei) e a máquina fantástica de tradução de língua alienígena por Dorothy (Patsy Ferran) surgem e desaparecem quando o roteiro bem entende. A trama deixa a impressão incômoda de uma comédia que nem explora sua lógica farsesco, nem sabe o que fazer com tantos personagens coadjuvantes.
Neste percurso, desperdiça grandes atores, capazes de interpretações muito mais complexas do que estas pálidas caricaturas (sim, mesmo dentro da chave da paródia). Toni Collette restringe-se a uma maníaca por molhos derivados de sangue humano; Naomi Ackie se mostra ora forte, ora drogada por uma substância entorpecente (mais uma subtrama mal desenvolvida), e o próprio Steve Yeun será mencionado em legendas posteriores, posto que a aventura praticamente se esquece de seu personagem. Robert Pattinson propõe uma diferenciação bastante competente entre a versão passiva e a versão agressiva dos Dispensáveis, ainda que seus personagens desenvolvam-se pouco, apesar de passarem por provações tão grandes.
É incrível que nem mesmo as cenas de ação, rumo ao clímax, sejam particularmente bem dirigidas e ritmadas. A luta contra a multidão de Creepers (nome das criaturas alienígenas) e a negociação com o chefe do grupo resultam tão abruptas quanto arrastadas. A montagem está completamente perdida entre tons e objetivos, dando a impressão de um projeto conflituoso, incapaz de conciliar visões artísticas muito diferentes. Embora a edição caiba a Jinmo Yang, responsável pela quase totalidade das obras de Bong Joon-ho, aqui ele aparenta se esforçar para salvar um vagão desgovernado.
A propósito de vagões desgovernados, os fãs do cineasta reconhecerão rapidamente seus itens, objetos e motivos de predileção. Os Creepers remetem ao animal de Okja; Toni Collette faz uma versão de Tilda Swinton neste último filme, e também da líder obsessiva de Expresso do Amanhã; e deste mesmo filme se extraem as barras de proteína, a segregação em classes, etc. Mas quem esperava que as dificuldades para o cineasta fossem de ordem linguística, percebe-se uma dificuldade de assimilação de ordem ideológica e industrial (seu outro projeto mais fraco, Okja, também partia de um conglomerado norte-americano, no caso, a Netflix). Na tentativa de realizar uma crítica ao nosso mundo, a obra propõe apenas um pastiche da crítica — ou seja, sua versão esvaziada, pasteurizada, reciclada. Um filme com muito mais a dizer sobre o fracasso de processos de criação do que sobre relações de poder, clonagem e governos autoritários.