Todas as ideias, propostas visuais e narrativas de Reflection in a Dead Diamond soam extraídas de outros filmes. No entanto, isso não constitui uma crítica depreciativa, e sim uma escolha deliberada dos autores: Hélène Cattet e Bruno Forzani desejam trabalhar com o imaginário de espiões, detetives, ninjas e supervilões, tanto no audiovisual quanto nos quadrinhos e na literatura B de banca de jornal. A dupla faz deste universo de citações um meio e uma finalidade.
Para isso, passam por referências claras como James Bond (a sequência de animação, a música-tema), as séries norte-americanas de caçadores de recompensas, e os escritores à la John le Carré. Imaginam um mundo onde estes elementos possam conviver: os adversários mascarados, os ninjas com suas lâminas afiadas, os milionários de moral ambígua, as mulheres sedutoras e possivelmente perigosas. Há diamantes em jogo, mas também a identidade de um assassino, um magnata e um investigador irresistível às companhias femininas.
Em tese, existe uma trama um tanto absurda a respeito de uma garota encontrada morta na praia, com um diamante preso ao mamilo. Um milionário estaria interessado nela, por motivos nebulosos. Assim, um dos mais famosos investigadores entraria no caso, apenas para descobrir uma rede de vilões mascarados, chegando a Serpentik, a mais fatal de todos, conhecida por suas máscaras de pele humana, que dificultam a descoberta de sua identidade. É possível que todos estes acontecimentos não passem de um romance policial de baixa qualidade, ou da adaptação desta narrativa literária num filme (duas ideias explicitamente sugeridas na trama).
Reflection in a Dead Diamond estabelece um caleidoscópio que abraça, com tanto respeito quanto senso de ironia, as regras do gênero policialesco. Apesar do belo exercício em cinefilia, o longa-metragem se aproxima da proposta retórica.
Ao final, nem sequer sabemos quem está procurando quem, e por qual motivo. Mas quem se importa? Certamente, não os diretores. Cattet e Forzani prosseguem numa investigação muito pessoal, próxima do cinema experimental, que utiliza a linguagem do cinema de gênero enquanto conceito a ser desconstruído, esmiuçado e recombinado. Algo muito semelhante já acontecia em Amer (2009) e A Estranha Cor das Lágrimas do seu Corpo (2013). A maior surpresa provém do escopo desta empreitada: trata-se de um longa-metragem de orçamento considerável, capaz de construir inúmeros cenários, figurinos e gadgets, além de rebuscadas luzes em estúdio. Um verdadeiro luxo para uma obra cujo destino natural seriam os museus e espaços de videoarte, ao invés das salas de cinema.
Reflection in a Dead Diamond cumpre muito bem a tarefa singular a que se propõe: estabelece um caleidoscópio que abraça, com tanto respeito quanto senso de ironia, as regras do gênero policialesco. Os autores demonstram conhecimento profundo não apenas dos temas, mas da ambientação, do estilo, da maneira como estas obras eram escritas, montadas e finalizadas (no caso do cinema), ou desenhadas (no caso dos quadrinhos). Assim, dedicam esforço considerável em reproduzir a fotografia antiquada, que hoje transmite a impressão de um projeto entre a homenagem ao cinema B e a atualização do exploitation.
A experiência se mostra riquíssima enquanto estudo visual e mergulho metalinguístico — uma iniciativa mais potente enquanto projeto de pesquisa do que obra de arte autônoma. Em menos de 90 minutos, conseguimos acessar um imaginário específico da masculinidade e da feminilidade; da justiça e da vingança; da infração e da lei. Descobrimos como se constroem e como evoluem os vilões e os mocinhos, e quais recursos de estética cinematográfica se prestam a deixá-los realmente assustadores, ou sedutores aos nossos olhos (a luz, o enquadramento, o tipo de atuação, a duração dos planos?).
Apesar do belo exercício em cinefilia, o longa-metragem se aproxima da proposta retórica, encerrando-se em si mesma. Ele nunca se propõe a dialogar com outras formas de universo de gênero, apenas reproduzi-los nesta sequência delirante, quase aleatória, de cenas de impacto. Por mais belas que sejam — e, de fato, agradam bastante aos olhos e ouvidos — soam repetitivas após algumas guinadas e reincidências. Sim, este universo conceitual existe, e pode ser explorado e reproduzido à exaustão. Entretanto, o que os cineastas pretendem dizer a partir deste resgate?
Alguns espectadores podem apontar questões políticas e sociais no conjunto — a presença de uma temida inimiga que condensa as etnias e corpos de todas as mulheres; a exploração da nudez masculina em registro semelhante àquela das personagens femininas. Entretanto, estes caminhos soam tímidos demais para se estabelecer qualquer tratado ideológico a respeito das referências abraçadas. Reflet dans un Diamant Mort (no original) busca existir fora do espaço e do tempo, na esfera do imaginário coletivo, ultrapassando especificidades de gênero, raça, geografia e classe social.
Trata-se de uma ideia de mulher, uma ideia de bandido, uma ideia de herói, e assim por diante. Muitos personagens nem sequer têm nomes — alguns deles, apenas codinomes ou sobrenomes. Pouco importa a subjetividade, a psicologia, a transformação deles no tempo. Cattet e Forzani investigam justamente aquilo que resta entre essas mudanças todas. Se algumas construções nos soam absurdas e improváveis, isso significa que nossa representação destes grupos se transformou no século XXI.
Mas a elaboração intelectual a respeito das mudanças caberá ao espectador, caso deseje analisar por conta própria. O filme está preocupado demais em se divertir com seu labirinto de imagens, seu mosaico de tipos e arquétipos. Brilham os diamantes, saltam os ninjas, tiram-se as máscaras, e pronto. O fato de o projeto terminar como começou, sem evolução real de personagens e conflitos, transparece o prazer de se manter na circularidade das referências. Explorar o universo das investigações fatais constitui o ponto de partida e o ponto de chegada para os diretores.