Stéphane Belcourt (Guillaume de Tonquédec na fase adulta) é um homem triste. Este escritor teve um único grande amor na sua vida, durante a adolescência e, desde então, se vê condenado a escrever inúmeras vezes a história deste relacionamento interrompido décadas atrás. Thomas Andrieu (Julien de Saint Jean), o garoto que partiu, também levou uma vida ressentida, até morrer, ainda jovem, em circunstâncias graves.
Décadas mais tarde, o autor reconhece, por acaso, o filho do sujeito que amou. Lucas Andrieu (Victor Belmondo) não se parece em nada com o pai; e Stéphane nem sequer sabia da existência do rapaz. No entanto, devido ao poder (sobrenatural?) dos sentimentos, e às coincidências do destino típicas dos romances fantasistas, ambos se cruzam e se identificam. Esta será a oportunidade para fazerem as pazes com o pai/amante falecido, e seguirem em frente a partir do trauma.
Pare com Suas Mentiras abraça, em plena década de 2020, uma tradição em desuso no cinema queer. Trata-se da intenção de homenagear homens gays ao sublinhar seu sofrimento durante a vida inteira. O diretor e co-roteirista Olivier Peyon visa denunciar o peso da homofobia e do preconceito internalizado pela própria comunidade LGBTQIA+, que se sente indesejada, errada, proibida. Assim, o longa-metragem critica o conservadorismo das cidades do interior e dos pensamentos religiosos.
Pare com Suas Mentiras abraça uma tradição em desuso no cinema queer. Trata-se da intenção de homenagear homens gays ao sublinhar seu sofrimento durante a vida inteira.
Os criadores possuem as melhores intenções. O tema se mostra importante, de fato, e merece ser discutido a exemplo de qualquer outra questão social. Os problemas começam na maneira como a homofobia é retratada, e no ponto de vista em relação aos adolescentes e adultos LGBTQIA+. Isso porque Stéphane e Thomas serão definidos única e exclusivamente enquanto indivíduos gays e sofredores. Esta característica é sublinhada cena após cena, tornando-se ponto de partida, e também de chegada do discurso.
Desconhecemos os outros amores na vida de Stéphane. Não acessamos as amizades, os gostos, a relação com a família, com a França, com as viagens. Ignoramos as características que fazem dele um grande escritor, e desconhecemos aquilo que o espera de volta na cidade onde vive. Thomas se limita a um nome repetido pelos diálogos, descrito como marido à revelia, pai sem o desejar, e sujeito em constante fuga de si mesmo. O que viveu durante décadas de exílio na Espanha? O que havia destes personagens para além de sua sexualidade sofrida? Mistério.
É óbvio que homens gays sofrem e sempre sofreram, devido à pressão social. No entanto, reduzi-los ao olhar de piedade, de compaixão, acaba por objetificá-los ao invés de lhes conferir protagonismo e voz autônoma. O sujeito homossexual, por esta perspectiva, ainda constitui o outro, o diferente. A comunicação se volta essencialmente ao público hétero, a quem se pede mais tolerância, menos agressão — não porque mereçam tratamento igualitário e sejam iguais em direitos e dignidade, mas porque a vida gay já seria um calvário interminável, então não seria de bom tom zombar dos desafortunados.
Peyon investe numa narrativa clássica, explicativa, onde cada cena possui uma função bastante específica. Nenhum personagem apenas passeia, come, reflete. Stéphane e Thomas se cruzam uma dezena de vezes por acaso, porque convém ao roteiro que se vejam e conversem. O rapaz dispara frases tais quais “Puxa, adoraria saber mais sobre meu pai”, e leva o escritor ao local exato onde ambos se viam em segredo. O prefeito encontra o visitante e menciona precisamente sua orientação sexual. Adiante, no banheiro (mais um encontro fortuito), pede, a respeito do discurso que deve pronunciar: “Faça minha esposa chorar, como você sabe tão bem fazer”. O herói se converte num palhaço triste.
Ao se separarem, durante os flashbacks que acompanham a trama contemporânea em paralelo, Thomas dispara ao jovem Stéphane (Jérémy Gillet): “Você vai embora, e eu vou ficar para trás. Você vai se tornar escritor”. Dito e feito. Estes homens representam a materialização de um destino implacável, do qual não podem fugir. Ilustram, em última medida, uma versão contemporânea das tragédias gregas, com seus heróis punidos pela sina traçada, por mais que tentassem evitá-la. Ser gay seria uma destas condenações sem direito a apelação.
Os atores se veem restritos a uma única caracterização durante a integralidade da narrativa. O experiente Guillaume de Tonquédec reproduz o olhar absorto e a postura de desconforto em toda e qualquer imagem. Ele capricha nos trejeitos taciturnos e na postura contida, embora o texto lhe forneça pouco a desenvolver a partir disso. Fica evidente ao espectador quando o intérprete recebeu material escasso para trabalhar uma vida pregressa, uma configuração específica para além da situação genérica à la Morte em Veneza.
Já Victor Belmondo, ainda pouco experiente, demonstra limitação nos embates dramáticos, e dificuldade de saber o que fazer com as mãos e o corpo durante as inúmeras conversas a dois, de pé. A possibilidade de algum fervor surge de Guilaine Londez, a quem se impõe permanecer 80% das cenas correndo, sem fôlego, de um lado para o outro, e aparecendo em instantes convenientes ao roteiro. Julien De Saint Jean também transmite uma raiva represada, benéfica para contrapor à passividade reinante dos personagens centrais.
O arsenal estético usa e abusa de todos os lugares-comuns da sensibilidade e o sentimentalismo. A dupla de jovens apaixonados se banha nus numa lagoa deserta, frente a um cenário paradisíaco, enquanto um piano delicado acompanha a tarde de amores. A briga ocorrerá diante de uma fogueira, com a luz avermelhada refletida no rosto dos atores. Uma carta nunca aberta brota no instante preciso para fornecer explicações. Um discurso motivacional encerra a narrativa, quando o homem abre mão das falas protocolares para dizer o que realmente sente — assim como a vasta maioria dos dramas hollywoodianos “inspiradores”.
As pessoas que se detestavam fazem as pazes, o dia está salvo, e podem seguir adiante. A narrativa demonstra tanta benevolência quanto uma vontade mágica de reparar traumas de maneira forçada, extraindo felicidade a fórceps. Stéphane e Lucas serão recompensados por terem sofrido muito, tal qual os mártires cristãos — aí reside, aliás, a ambiguidade essencial de uma igreja que “tolera o homossexual, mas não aceita a homossexualidade”. Percebe-se valor no sacrifício, visto enquanto purificação.
Se gays sofrerem muito (e apenas nesta condição), poderão ser tolerados. Não há nada muito acolhedor nesta provação paternalista e castradora. Em Pare com Suas Mentiras, os criadores relembram que a homofobia mata. É verdade, sem dúvida. No entanto, gays não são hoje (e nem eram antes) apenas pobres coitados, frágeis, delicados, incapazes de existir socialmente. Não existe opressão sem caracterizar a figura do opressor, além do sistema no qual o preconceito pode existir e se reproduzir.
Constatar a existência de um preconceito sem investigar suas circunstâncias socioculturais constitui um gesto apolítico. Não é possível lamentar, durante 100 minutos, a dor destes indivíduos oprimidos, enquanto se recusa a investigar a opressão que os levou a tal estágio de fragilidade mental. Não há racismo sem racistas, não há homofobia sem homofóbicos. A tragédia de Thomas, Stéphane e Lucas somente se compreenderia de fato em um contexto social mais amplo, que o filme se recusa a explorar.