Paterno (2022)

Na companhia de homens

título original (ano)
Paterno (2022)
país
Brasil
gênero
Drama
duração
110 minutos
direção
Marcelo Lordello
elenco
Marco Ricca, Gustavo Patriota, Thomas Aquino, Rejane Faria, Nelson Baskerville, Selma Egrei, Fabiana Pirro
visto em
11º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba

Paterno é um filme com cara de Brasil, para o bem e para o mal. Criado em 2013, filmado em 2017 e finalizado em pleno governo Bolsonaro, durante a pandemia de Covid-19, ele constitui uma excelente representação do instante em que vivemos, tanto pelas violências do sistema quanto pelo cansaço de um povo incapaz de reagir. Trata-se de uma obra sobre instituições exaustivas e exaustas que, no entanto, se reproduzem automaticamente assim como todos os frutos do capitalismo contemporâneo.

O roteiro aborda o núcleo de famílias ricas gozando de seus privilégios; empresários poderosos que traem a esposa com uma jovem de 25 anos; a amante escondida que muitos parecem conhecer, mas da qual ninguém fala; pequenas corrupções envolvendo lideranças locais, com o Supremo, com tudo; obras superfaturadas; favorecimento de amigos e familiares em licitações; proliferação de pastores evangélicos na política pretensamente laica. Existem juventudes de esquerda sendo podadas por famílias de direita, e burocratas que um dia já gostaram de Tropicália, até se renderem às conveniências do capital.

No centro da trama se encontra um sujeito em crise. Talvez a palavra crise seja um exagero, visto que o conceito implica numa guinada, uma mudança súbita capaz de abrir o caminho à transformação. Seria mais apropriado dizer que Sérgio (Marco Ricca) se encontra num processo crescente de desgaste crônico. Este irmão caçula conduz negócios importantes na empreiteira familiar, porém na hora das decisões importantes, se vê refém dos caprichos do irmão, um sujeito bruto e desprovido de poesia (este, certamente, nunca escutou Gal e Caetano na juventude).

Neste tabuleiro, os homens devoram uns aos outros. Eles se adoram, e desejam corresponder ao ideal de virilidade, mas cada aproximação sustenta um caráter misto de ternura e competição. Os personagens deste filme se encontram para uma reunião gentil que termina em briga e tapa, ou se veem no hospital, onde o patriarca está à beira da morte, e iniciam a conversa repletos de rancor, até terminarem de mãos dadas, numa troca de afagos. Protege o segredo da minha amante que te valorizo na próxima licitação. Há uma linha tênue entre a chantagem e a amizade.

Extremamente ambicioso em termos sociológicos e políticos. Felizmente, Marcelo Lordello e seus co-roteiristas elaboram um roteiro à altura de tais pretensões.

Paterno aposta numa triangulação de gerações e de classes sociais. Sérgio sofre com a perda iminente do pai, e também com o distanciamento do filho adolescente. Ao que tudo indica, o garoto pode romper com o privilégio herdado, renunciando ao posto de próximo burocrata do setor imobiliário no Recife. Já as classes sociais se articulam entre os senhores da elite, o segmento intelectual representado por uma professora universitária (Rejane Faria) e as classes empobrecidas, ilustradas pelos moradores enfrentando o despejo, devido à expansão predatória dos arranha-céus na cidade.

Como se percebe, o drama é extremamente ambicioso em termos sociológicos e políticos. Felizmente, Marcelo Lordello e seus co-roteiristas elaboram um roteiro à altura de tais pretensões. Impressiona a qualidade do texto e a maturidade deste trabalho: nenhum personagem se aproxima do estereótipo nem do maniqueísmo. Não há cenas soltas, exageradas ou didáticas demais. Cada figura em cena apresenta nuances de diálogo e construção, incluindo os coadjuvantes com poucos minutos em tela. 

O ritmo nunca se acelera excessivamente, nem se perde numa contemplação estéril. Para uma jornada clássico-narrativa, em ritmo linear, impressiona o refinamento da montagem e o escopo da produção (há muitas dezenas de cenários, personagens, cenas). Projetos que demoram quase dez anos para chegarem aos olhos do público despertam o receio de serem problemáticos, confusos, incompletos. Em contrapartida, este drama tira proveito do longo percurso, como se tivesse maturado até chegar à estreia com tamanho grau de profissionalismo (no melhor sentido do termo).

Esteticamente, Lordello decide colar a câmera no rosto e na nuca de Marco Ricca. Praticamente todas as cenas acompanham o homem dividido entre ética e conveniência, entre família como obrigação e família como refúgio. O excelente ator imprime mínimas inflexões do olhar e dos lábios, refletindo um descontentamento controlado, um desejo reprimido. Existe uma infinidade de não-ditos na vida deste (anti-)herói, manejados com uma sutileza exemplar pelo intérprete. Ele constrói um leve sotaque pernambucano, além de uma embriaguez discreta, e da ira contida durante a reunião. O ator tem em mãos um personagem à beira da explosão, embora nunca possa explodir de fato.

Os companheiros de elenco também oferecem composições coesas, capazes de sugerir mais do que concretizar. Isso implica na abertura a ambiguidades, aos gestos não sublinhados ao público. Thomás Aquino já demonstrava, antes dos filmes que o consagraram, esta rara capacidade de funcionar como passador entre diferentes núcleos e grupos sociais, espécie de elo de proteção ou agressão — às vezes, as duas coisas em simultâneo. Já Selma Egrei atenua os gestos de uma matriarca próxima do mafioso.

Resta a impressão de que o autor se prende a uma dupla constatação, parte otimista, parte pessimista. Por um lado, acena à chegada de uma juventude progressista, engajada, que lê livros e questiona as ordens sociais. Por outro lado, acredita que, uma vez envelhecidos, acabam cedendo às pressões e conveniências do mundo de explorações, amargando os ideais abandonados em prol de uma vida de confortos. Por isso, a personagem de Suzana se torna indispensável: ela sustenta a crença discreta de que a resistência da classe média é possível.

Paterno se encerra numa cena fortíssima. Lordello evita aparar arestas para oferecer uma boa recompensa emocional ao espectador. Ele troca a habitual reconciliação via afeto pela sugestão de que algumas divergências nunca se consertarão. Vence o sistema, ao invés dos indivíduos que o compõem. O desfecho bruto respeita a inteligência do espectador e demonstra a crença num cinema espelho, ao invés do cinema sonho. O longa-metragem busca representar o mundo como ele é, ao invés de como poderia ser.

Paterno (2022)
9
Nota 9/10

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