O novo filme dirigido por Olivier Assayas é narrado igualmente pelo cineasta. Em off, ele apresenta ao espectador a cidade da sua infância; exibe a casa onde cresceu. Cita a propriedade dos vizinhos, explica quais árvores se modificaram, quando foi construída a quadra de tênis. Neste local amplo e muito confortável, ele passou a epidemia de Covid-19, período que o título original chama de “fora do tempo”, e que o título internacional considera um “tempo suspenso”.
Com a ajuda de atores profissionais, sobretudo Vincent Macaigne, efetuando o papel de alter-ego, o diretor evoca lembranças tanto da juventude quanto do passado recente, tendo como elo de ligação o casarão no interior da França. Assayas revela a inspiração para seus filmes, recorda a ruptura com a namorada (apresentando ensaios fotográficos da nudez dela), cita a época em que desenvolveu Irma Vep. Para a cinefilia mais preocupada em consumir autores do que filmes, trata-se de um prato cheio — o diretor oferece ao espectador um banquete com seu processo de pensamento.
Deparamo-nos com duas subcategorias populares no cinema dos últimos anos, sobretudo desde a pandemia: em primeiro lugar, as obras autobiográficas, familiares, de tom confessional; e em segundo lugar, as narrativas a respeito do confinamento em anos pandêmicos. O texto cita a dificuldade de nos separar das pessoas queridas, de manter o distanciamento social, de evitar aglomerações, de higienizar embalagens, de retirar as roupas usadas na rua antes de entrar em casa, etc.
Esta abordagem leve e burguesa soa como uma afronta, um white people problems — Covid edition. O filme ostenta de maneira caricatural os clichês associados à Nouvelle Vague.
Ora, Suspended Time encontra limitações evidentes nas duas vertentes. No que diz respeito à representação do coronavírus, resulta antiquado e anacrônico: o que vêm fazer, em 2024, as obras nos relembrando da existência deste período em que nos fechamos e tememos pela morte dos parentes? O problema não se encontra na abordagem do tema, que merece discussão cinematográfica tanto quanto qualquer outro, e sim na evocação nostálgica, por combinar “os bons tempos da minha juventude” com “os bons tempos em que fiquei fechado com meu irmão, descansando no campo”.
Isso porque o longa-metragem tem pouco a oferecer a respeito desta experiência recente para além da rememoração de sua existência. É difícil pensar que alguém tenha se esquecido dos fatos ocorridos, de modo que esta abordagem resulta simultaneamente velha e recente demais. Ela nos avisa acerca de algo que acaba de ocorrer, como se também não tivéssemos atravessado este tormento; e se vê incapaz de oferecer qualquer reflexão pertinente pós-pandemia, num período em que começamos a discutir a melhor maneira de superar o trauma e analisar o ocorrido.
Assayas se assemelha à pessoa inconveniente que se volta ao sujeito em luto recente pela morte da mãe e lhe pergunta: “Lembra de quando sua mãe morreu?”. É claro que ele se lembra. A pergunta soa até ofensiva. Ele também provoca incômodo em sua representação alienada da crise sanitária, lamentando-se, por meio de personagens narcisistas, de ter permanecido num casarão imenso, cercado por florestas, com quadra de tênis e vinho à vontade, sem a necessidade de trabalhar porque nunca enfrentou problemas de dinheiro.
Depois de tudo o que passou, envolvendo milhões de mortes, e tendo a gestão do coronavírus escancarado abismos sociais, esta abordagem leve e burguesa soa como uma afronta, um white people problems — Covid edition. Em voz off, Assayas se lamenta pelo fato que o pai teve a possibilidade de comprar um quadro de Modigliani, porém recusou a oferta. Na trama, Paul (Vincent Macaigne) reclama que sua panela de 90 euros queimou rápido demais, e decide que precisa de um novo iPad, porque o anterior está lento demais. Etienne (Micha Lescot) fica viciado em fazer crepes e, de vez em quanto, se descontrola: “Estou sufocando! Quero me sentir livre”.
Enquanto isso, o quarteto formado pelos dois irmãos e suas namoradas cita uma infinidade de poemas, romances, livros e filmes. Escutam rock, lembram de Era uma Vez em Hollywood, de Quentin Tarantino, decidem se vão dormir mais cedo ou assistir a um filme mudo. Escutam podcasts a respeito de Jean Renoir, citam versos de Racine de cor. Namorado e namorada debatem uma peça literária bem conhecida por ambos: “A autora só escreveu duas cartas”, ele diz, e ela: “Faz partes dos tesouros da literatura francesa”. Explicam como um professor dedicado, ao espectador que se considera menos aculturado. Senão, a quem mais se transmitiria tal lição?
O longa-metragem ostenta de maneira caricatural os clichês associados ao cinema francês “clássico”, herdeiro da Nouvelle Vague: a verborragia intelectual e amorosa; a câmera simples flanando pelos dias, em luz natural; as duplas de personagens que pensam apenas nos próprios prazeres. A sociedade lá fora inexiste. Os problemas de Paul residem no fato de não poder pegar o café pela manhã, porque o piso ainda está molhado, enquanto Etienne reclama que sua emissão de rádio (jamais ameaçada pela pandemia) não aceita canções tristes.
Quando os “jovens turcos” migraram do pensamento crítico à produção de filmes, expressavam-se de maneira raivosa contra o dito “cinema de papai”. Tratava-se das produções “de qualidade” dos anos 1940, muito convencionais e formulaicas, desprovidas de qualquer inventividade narrativa ou estética. Ora, hoje o cinema francês convive com esta herança opressora do movimento que foi fundamental em sua época e produziu obras-primas incontestáveis. No entanto, esta maneira de filmar e pensar se adequa mal aos tempos contemporâneos.
Olivier Assayas já trouxe filmes magníficos, a exemplo de Clean (2004) e Horas de Verão (2008). No entanto, recentemente, mostra-se a filmes fracos, umbiguistas, incapazes de compreender as novas demandas sociais, políticas e estéticas. Algo semelhante pode ser dito das obras profundamente machistas de Philippe Garrel ou burocrátricas de Arnaud Desplechin. Estes dois últimos também possuem pérolas em suas carreiras, e continuam selecionados a qualquer festival em virtude da marca que construíram para si.
Entretanto, talvez seja o caso de acertar as contas com este novo “cinema de papai”, muito elitista, masculino e branco, capaz de pensar apenas em seus amores e suas posses (elementos quase intercambiáveis nestas obras), fechando os olhos ao mundo ao redor. Cada vez que algum(a) cineasta com o vigor de Alice Diop, Katell Quillévéré, Julie Ducournau ou Ladj Ly aparece nas telas, esta abordagem pomposa e pseudo-existencialista dos cineastas veteranos resulta empoeirada, e particularmente deslocada num festival de cinema dedicado a refletir o presente e apontar rumos para o futuro.