Em um vilarejo isolado nas montanhas, os homens vivem essencialmente do trabalho em minas. As mães, irmãs, esposas e filhas se encarregam dos afazeres domésticos e cuidados com as crianças. Cada vez que algum acidente afeta os trabalhadores, no entanto, elas serão as culpadas — afinal, é a presença feminina que faz a terra desabar. Se chegarem perto das grutas, provocam a morte de seus familiares. Curiosamente, elas possuem imenso poder, mas também uma culpa irreparável pelos membros decepados e falecimentos decorrentes do ofício.
Sariri parte do princípio que toda mulher carregaria a semente de um pecado original. Sua simples condição de gênero a tornaria uma espécie de bruxa, ou fera a ser domada. Visto que representa um perigo em lugares públicos, deve permanecer dentro de casa, para o bem de todos. Em paralelo, quando as meninas têm sua primeira menstruação, são enviadas sozinhas ao deserto, pagando penitência por sua impureza. Voltam apenas quando o sangue acaba — e algumas delas nunca voltam. As mães encorajam esta prática, por medo da revolta da natureza sobre seus homens. Para não sacrificar os maridos, pais e irmãos, é preciso arriscar a própria vida, e aquela das filhas.
Afinal, quem detém mais poder: esta mina, identificada com uma força masculina, ou a Diaba, como a chamam, associada à feminilidade? A cineasta Laura Donoso explora os limites desta fábula a respeito do patriarcado por meio de duas irmãs que confrontam o sistema: a pequena Sariri menstrua pela primeira vez, mas não deseja ir ao deserto; enquanto Dina, já casada, descobre-se grávida, e imagina maneiras de interromper a gestação. Ambas são obrigadas a seguir rituais e códigos de feminilidade, que lhes retiram o direito de escolha, e procuram formas de negais tais imposições.
Sariri caminha sobre esta linha tênue entre a poesia e o naturalismo. Seu devaneio ainda precisa manter os dois pés do chão, e a magia nunca desemboca numa loucura, numa radicalidade de qualquer forma.
O projeto busca associá-las a uma pureza bruta, associada à natureza selvagem. A irmã mais velha se diverte em imitar sons de animais, até ser ridicularizada pelo marido; enquanto a mais nova se depara com os olhos vermelhos da Diaba sem manifestar medo pela fera. De certo modo, ela se identifica com o animal, conforme atestam os fatos seguintes. O discurso não tarda a explicitar a associação entre as mulheres e a fera das minas, revelando as artimanhas da ideologia local, capazes de controlar o corpo das mulheres através do medo.
Neste processo, é curioso que o drama fantástico escolha a menina pré-adolescente para o título do filme, posto que a irmã Dina possui a mesma importância à história, e talvez ocupe mais tempo de tela. Seguindo as duas histórias em paralelo, de maneira praticamente desconexa, a montagem demonstra dificuldade em interromper estes processos simultâneos. Durante a deambulação pelo solo árido e perigoso, a trama abandona Sariri para se voltar aos planos de aborto e fuga da outra. Quando cada linha narrativa ameaça atingir uma espécie de clímax, a tensão se interrompe pela necessidade de retornar ao segmento adjacente.
O resultado se engrandece quando recorre a metáforas lúdicas — o encontro com mulheres que permanecem no deserto, a desmistificação da Diaba, as luzes vermelhas, o sonho com a mina ocupada por mulheres. Donoso também toma a precaução de evitar um maniqueísmo flagrante: os homens, apesar de brutos e ignorantes, nunca se mostram particularmente perversos com as familiares — eles apenas reproduzem uma ordem que estimam ser natural. Todos os habitantes (homens e mulheres) são fruto do meio onde cresceram. A cidade é batizada, sem muita sutileza, de La Lágrima.
Em contrapartida, o roteiro explora pouco as associações entre mulheres, e as diferentes maneiras de driblar as imposições sociais. Dina e Sariri convertem-se em pioneiras de uma rebeldia, enquanto as demais respeitam cegamente as ordens — o que inclui o pressuposto do casamento infantil, assim que as meninas chegam à primeira menstruação. Existem um caráter de denúncia, óbvia até demais, a respeito do machismo e da misoginia, evitando que estes fenômenos se representem de formas mais criativas.
Em se tratando de um vilarejo tão afastado dos conglomerados maiores (ninguém ali realizou o sonho de visitar à cidade), qualquer norma absurda e inesperada seria possível. No entanto, Donoso prefere aquelas realmente encontradas em diversas culturas ao redor do globo: o casamento precoce, a proibição do aborto, a percepção do sangue menstrual enquanto impureza. Sua fantasia possui certa limitação, afastando-se um pouco do real apenas para reproduzi-lo de maneira bastante fiel. A Diaba e as demais “magias” destas mulheres-bruxas jamais contaminam o restante da obra, que permanece linear e comportada em sua abordagem.
É certo que, no desfecho, o longa-metragem permite uma solução inesperada às duas heroínas, evitando a recompensa emocional prometida durante toda a projeção. Escolhe-se uma saída aberta, menos heroica e redentora. Deste modo, sugere que a sororidade possui seus limites, e múltiplas gerações de mulheres castradas de sua liberdade não se libertariam por completo pelo gesto irrefletido de duas representantes. Há limites para aquilo que o trabalho individual pode alcançar.
Esta pode ser uma conclusão frustrante para alguns espectadores, porém, novamente, restringe a fantasia ao limite de certa plausibilidade. Sariri caminha o tempo inteiro sobre esta linha tênue entre a poesia e o naturalismo. Seu devaneio ainda precisa manter os dois pés do chão, e a magia nunca desemboca numa loucura, numa radicalidade de qualquer forma — estética, narrativa, de discurso. A diretora ainda pretende ser elegante, palatável ao gosto médio, e bastante clássica em seus gestos.