Yunan (2025)

Todo homem é uma ilha

título original (ano)
Yunan (2025)
país
Alemanha, Canadá, Itália, Palestina, Catar, Jordânia, Arábia Saudita
gênero
Drama
duração
124 minutos
direção
Ameer Fakher Eldin
elenco
Georges Khabbaz, Hanna Schygulla, Ali Suliman, Sibel Kekilli, Tom Wlaschiha
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

Era uma vez uma pastora, vivendo num terreno isolado com o marido. Os dois se amavam muito, apesar de o esposo sem nome não ter nariz, nem orelhas, nem boca. Assim, mal se comunicava para além do olhar, e não sentia o que lhe acontecia ao redor. Esta pequena fábula é contada pelo menos três vezes ao longo da narrativa, enquanto metáfora misteriosa da condição do protagonista, Yunan Munir (Georges Khabbaz). O sujeito vive com dores no peito e dificuldades para respirar, embora os médicos não encontrem justificativas para tal. Acreditam que se trate de estresse, e aconselham uma viagem para repousar.

O homem segue à risca o conselho. Desloca-se até Hallig, uma formação insular na Alemanha, conhecida por alagar e imergir totalmente durante as tempestades — por isso, não pode ser considerada uma ilha comum, conforme explica Valeska (Hanna Schygulla). Ali, ele não conhece ninguém, não pode se comunicar de fato, e tampouco encontra qualquer atividade a desempenhar, enquanto ocupa o único quarto de uma pousada em eterno processo de restauração. É evidente que as pessoas não costumam praticar turismo no lugar frio, úmido, inóspito. Mas para o personagem, este isolamento se torna tentador.

O jovem diretor ucraniano Ameer Fakher Eldin constrói esta locação como um não-lugar, segregado no tempo e apartado da porção continental nas proximidades. Sempre que possível, filma Munir em grandes planos abertos, quando constatamos se tratar do único ser humano num raio de quilômetros. Diversos planos aéreos (entre drones e tomadas de aviões, ou talvez helicópteros) ajudam a dimensionar Hallig, e sua geografia particular. O local cinzento, com ventos fortíssimos, converte-se em destino para quem deseja se perder, ao invés de se encontrar. Não por acaso, o homem carrega consigo uma arma, cogitando o suicídio.

O principal mérito de Yunan consiste na decisão de não explicar este homem ao espectador. A natureza se encarrega de representar o estado de espírito do sujeito suicida.

Por isso, a natureza se encarrega de representar o estado de espírito do homem cabisbaixo. Embora o estrangeiro compreenda perfeitamente o alemão, ele se expressa raramente, em monossílabos, somente quando se sente mais íntimo — caso da interação com Valeska, a personagem mais próxima do que se poderia chamar de “amiga” nesse contexto. Em oposição a colocar o viajante para chorar, detalhando suas dores e os motivos que o levaram a tal desespero, o cineasta prefere que a paisagem inóspita descreva seu estado de espírito. Evita psicologismos e explicações rasas, apostando numa evocação poética da depressão.

Neste sentido, o principal mérito de Yunan consiste na decisão de não explicar este homem ao espectador. Nós o acompanhamos durante mais de duas horas, sem conhecê-lo exatamente. A câmera e o roteiro preservam certo respeito e recuo em relação ao protagonista, deixando que execute suas ações longe de um interesse fetichista na miséria alheia. Sabemos que o homem teme pela saúde mental da mãe, uma idosa com distúrbios cognitivos, e que se sente solitário em Hamburgo. Conhecemos, em especial, a fascinação pela fábula descrita acima. O resto ficará a cargo do espectador para adivinhar ou projetar, a partir de pequenos indícios fornecidos pela trama.

Aos poucos, sem pressa, o longa-metragem estabelece relações de carinho com a dona da hospedagem, e mesmo com o filho pouco acolhedor dela. Ambos compreendem um pouco da língua árabe, por razões que também precisamos deduzir. As cenas do homem molhado e seminu ao lado da fogueira, ou reencontrando a mãe num devaneio, representam estes instantes de bela poesia que o cinema dramático raramente alcança. É verdade que, para cada cena bem executada, outras que aparentemente visavam grande força, ficam aquém do resultado previsto em termos de fotografia e montagem (caso da dança ao som da canção árabe). O próprio alagamento ao vivo do Hallig, elevado ao caráter de clímax dramático para o estrangeiro, torna-se um parêntese discreto, mal aproveitado imageticamente.

Pelo menos, Yunan encanta por investir num existencialismo das formas. Talvez o gesto seja considerado semelhante demais àquele do turco Nuri Bilge Ceylan, embora distante do rigor estético deste último. Apesar da incômoda textura digital pixelizada das captações aéreas, resta uma atmosfera de desolação e abandono que traduzem a subjetividade daquela figura melhor do que qualquer diálogo o faria. Através deste gesto, Ameer Fakher Eldin demonstra a crença no poder das imagens, evitando as narrações explicativas que dominaram os filmes em competição na 75ª Berlinale.

A experiência soa desigual, heterogênea, com instantes ultra preciosistas (o sexo fracassado com o trem passando ao fundo) intercalados com outros de menor elaboração e sucesso formal (novamente, o enquadramento e a luz na cena de dança). Mesmo assim, deve ecoar junto ao espectador após a sessão, por utilizar metáforas nunca óbvias, nem didáticas. O drama dedica-se a sentimentos e sensações que não deseja desvendar, nem concretizar para o prazer do espectador. Acredita na nossa capacidade e disposição em fazer um esforço em direção ao filme, ativamente. Este parece um movimento justo e compreensível para um personagem hermético, que carece precisamente de tal empatia.

Yunan (2025)
8
Nota 8/10

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