Como se organiza a educação na Ucrânia em tempos de guerra com a Rússia? Neste documentário, a diretora Kateryna Gornostai enxerga as escolas e universidades enquanto meios para pensar o futuro do país. Ao olhar para escolas de ensino primário, fundamental, médio e universidades, ela analisa de que maneira a nova geração reage aos acontecimentos, e quais perspectivas pessoais podem ter para os anos a seguir. Enxergam-se empregados, com família, filhos, vivendo na cidade? Projetam-se num momento pós-guerra? Que impactos o conflito, que dura desde 2014 (tendo se intensificado em 2022) exerce sobre os jovens ucranianos?
Timestamp demonstra grande preocupação com a representatividade plural deste recorte. Isso implica em filmar instituições educacionais em todas as partes do país (próximas ou distantes dos conflitos), tanto públicas quanto privadas, envolvendo meninas e meninos de todas as idades. Pensa desde os primeiros dias do semestre até a formatura, passando por aulas de matemática, artes e dança. Letreiros informativos detalham em que bairro ou cidade nos encontramos, e quantos quilômetros os separam da guerra — condicionando nosso olhar a este fator em especial.
A recorrência dos letreiros incomoda bastante. Em alguns momentos, explicam aquilo que a imagem não consegue evidenciar por conta própria (caso do rio que secou, após uma bomba russa explodir a barragem), em outros, sentem-se na necessidade de traduzir piadas locais (como o meme dos alunos ucranianos, parodiando a propaganda oficial russa). De qualquer modo, através deste apoio frequente, o longa-metragem transparece a descrença nas próprias imagens e sons para abordarem os inúmeros tópicos visados. A captação da diretora, aos seus olhos, não é suficiente.
O olhar da direção se concentra neste movimento conciliatório, ou talvez contraditório, de mostrar que tudo está caminhando, e nada está caminhando, simultaneamente, na Ucrânia atual.
Por um lado, o projeto se foca em tudo aquilo que segue normalmente na vida dos jovens. As aulas de educação física, o material sobre como lidar com colegas autistas, o ensino de equações via Zoom. Existe a vontade de ressaltar que nem todo o país está envolvido na destruição e, para muitas pessoas, o semestre letivo segue normalmente. Inclusive, diversos adolescentes pensam no conflito enquanto algo crônico, naturalizado. É sintomática a cena em que, ao escutarem o aviso de possíveis ataques aéreos, os estudantes se deslocam aos abrigos subterrâneos com a tranquilidade de quem já escutou isso centenas de vezes.
Por outro lado, o olhar atento da direção se concentra na maneira como o aprendizado para a guerra se torna parte indissociável do currículo escolar. As crianças pequenas são ensinadas a diferenciar um bicho de pelúcia comum de um brinquedo amarrado a uma bomba. Alunos de engenharia e arquitetura projetam casas que incluem um abrigo subterrâneo para a guerra. Para isso, estudam materiais resistentes a diversas formas de ataques. Pré-adolescentes fazem aulas de tiro, descobrindo como montar e desmontar rifles. Alunos do ensino primário têm aulas diante da foto dos pais, em uniformes de soldados, emoldurados no fundo da sala. Algumas crianças integram as escolas-metrôs, organizadas provisoriamente nos espaços subterrâneos.
Assim, o olhar da direção se concentra neste movimento conciliatório, ou talvez contraditório, de mostrar que tudo está caminhando, e nada está caminhando, simultaneamente, na Ucrânia atual. Muitos alunos seguem estudando, apesar de diversas escolas não terem sido reconstruídas após os ataques. O número de alunos diminuiu sensivelmente — não por mortes, nem por exílio em outros países, mas devido à drástica redução na natalidade desde 2014. Mesmo assim, as formaturas são organizadas normalmente, assim como o equivalente do vestibular nacional.
Para uma obra relativamente avessa ao sensacionalismo, Timestamp permite instantes emotivos na conclusão, quando as crianças cantam: “Eu te odeio, guerra! Eu não quero atirar nas pessoas. Eu não quero ver covas”. A Rússia será descrita, de maneira mais direta, por seu “totalitarismo”, enquanto Putin é comparado a Stalin e Hitler. A metáfora do passarinho preso na escola, incapaz de encontrar a saída pelas janelas fechadas, serve como poesia excessivamente simples da situação de confinamento da juventude ucraniana. Gornostai freia, durante a maioria do projeto, o recurso às emoções, porém, cede à tentação de sublinhar que seu povo sofre — algo que já estava suficientemente claro antes das lágrimas.
A narrativa ainda surpreende por tratar a guerra enquanto conceito moral, nada específico a um tempo ou espaço. O filme jamais investiga os motivos da guerra, os posicionamentos de Zelensky (nunca citado), as evoluções ao longo de uma década de confronto, a ajuda internacional, etc. A diretora deixa questões de política internacional fora do filme, para se concentrar apenas no humanismo da geração que tenta se construir apesar da guerra. Uma estratégia semelhante poderia ser aplicadas aos conflitos de inúmeros países. Utiliza-se o embate Ucrânia-Rússia enquanto ponto de partida, ao invés de ponto de chegada.
Por este motivo, o resultado soa ao mesmo tempo generoso e vago, aberto demais a tantos temas, recortes e geografias. Soa excessivamente longo, pelo número de casos e anedotas que pretende inserir num único panorama. A cineasta sabe muito bem quais temas pretende abordar, mas não ao certo o que pretende transmitir a partir destes temas, nem onde gostaria de chegar com esta demonstração. Trata-se de um pensamento dialético incompleto, onde existe a tese (a guerra está destruindo a país), a antítese (as escolas estão reconstruindo as novas gerações), entretanto, nenhuma síntese capaz de condensar estes movimentos antagônicos. A obra funciona enquanto pontapé para uma discussão que Gornostai não deseja desenvolver sozinha.