Uma imagem de baixíssima qualidade. Na grande tela do cinema, os pixels de What Does that Nature Say to You tornam-se uma atração à parte — difícil não ter a sensação de assistir a um filme pirateado, em resolução 360p. De qualquer modo, trata-se de uma textura da captação que não costuma se encontrar no cinema profissional, muito menos, nos filmes que circulam pelos maiores festivais internacionais. Entretanto, o sul-coreano Hong Sang-soo investe, de maneira assumida, nos suportes mais leves, caseiros e simples para concretizar seus novos projetos.
Esse seria um dos privilégios da política dos autores, em pleno século XXI. Qualquer cineasta iniciante que apresentasse um projeto com qualidade semelhante de imagem e som jamais integraria a mostra competitiva da prestigiosa Berlinale. O reconhecimento das qualidades do criador lhe permitem, hoje, dispensar o nível mínimo do que se consideraria uma aparência profissional, e ainda ser recebido com os mesmos louros de longas-metragens realizados com esmero esperado deste tipo de produção.
Felizmente, o autor possui plena consciência do efeito que a textura amadora desperta, e o utiliza a seu favor. Em outras palavras, ao invés de disfarçar o aspecto precário, ostenta-o. Nos últimos longas-metragens, explorou a captação fora de foco, o preto e branco contrastado pelo digital, os movimentos de câmera bruscos, favorecidos pelos suportes leves. Casou-os com narrativas a respeito de indivíduos deprimidos — geralmente, artistas de pouco sucesso, ou maridos e esposas infelizes nos matrimônios. Encontrou, assim, uma espécie de estética voluntária do fracasso.
Hong Sang-soo atinge este ponto entre o conforto e a não-invenção: ele sabe muito bem realizar este tipo de cinema, que começa a apresentar cada vez menos riscos, menos inventividade ou inovação.
A conjunção destes elementos provoca um interessante efeito cômico, utilizado por Sang-soo enquanto crônica de costumes. Em What Does that Nature Say to You, a jovem Kim Junhee (Kang Soyi) leva o namorado Ha Donghwa (Ha Seongguk) para conhecer os pais e a irmã. O encontro se faz de maneira um tanto espontânea, improvisada. Logo, este poeta em início de carreira encontra a mãe da namorada — ela mesma, uma poetisa amadora. A irmã de Junhee está aprendendo a tocar um novo instrumento, e o pai pratica a jardinagem. Trata-se de um núcleo de classe-média sem grandes luxos, nem dificuldades particulares.
Seguindo o princípio da gradação, o mesmo conflito (o encontro com os pais) se intensifica, até a explosão no clímax. O mínimo desconforto inicial vai se atenuando, cedendo espaço a certa intimidade. Cada personagem comenta com Donghwa tópicos semelhantes: a beleza de sua barba, o carro velho demais, e o renome de seu pai, um famoso procurador do Estado. Eles bebem vinho, Makgeolli e, até o fim do dia, estarão bêbados, falando alto, perdendo a compostura de algumas horas atrás. Passa-se do acolhimento cordial e bastante educado à impressão de que o garoto falastrão não seria um parceiro ideal para a querida filha.
Em termos de trabalho com diálogos e atores, o diretor mostra-se confortável, como de costume. Sabe construir falas de aparência espontânea, improvisada, e mostra-se um perito nas pequenas conversas que se estabelece apenas por educação, para quebrar o gelo e driblar o silêncio. A comicidade decorre da repetição destas falas, e também de sua intensificação: após críticas ao carro velho, Kim Oryeong (Kwon Haehyo) decide dar uma volta no veículo do rapaz que acaba de conhecer. Após dizer que não tem muita fome, o namorado vai a um restaurante e come sem parar. E assim por diante.
Em contrapartida, surpreende aqui a falta das experimentações de linguagem que cativavam nos filmes anteriores do cineasta. Conhecidos pelos zooms in e out bruscos, Sang-soo utiliza uma única vez o recurso, em momento de pouca expressividade. Não explora nem as cores estouradas pelo digital ruim, nem a baixa nitidez, nem os movimentos de câmera, nem a oscilação do foco. Segue sua cartilha tradicional de “uma cena, um plano”, com a câmera fixa enquadrando os personagens que conversam em algum cômodo ou pátio. A montagem alternada do início (focando ora no pai com o namorado, ora nas duas irmãs) será abandonada a seguir.
What Does that Nature Say to You traz uma curiosa divisão em capítulos, simplesmente numerados sobre a tela preta, ainda que tal organização não ajude particularmente a estruturar a narrativa. Caso tivessem sido cortados pela montagem, não fariam falta ao resultado. Em termos estéticos, o filme é comportado, clássico-narrativo — provavelmente, as últimas qualidades que se esperariam de uma comédia filmada num digital caseiro e manual. A linguagem, neste caso, deixa de ser personagem, e não contrasta mais com os humanos em cena. Acomoda-se.
Para um autor cujas obras são aguardadas com tamanha empolgação — assistir a um “novo Hong Sang-soo” tem quase o valor de uma traquinagem, uma brincadeira compartilhada entre cinéfilos — o resultado se faz discreto. Os cineastas muito conhecidos por traços bastante pessoais (Wes Anderson, Pedro Almodóvar, irmãos Dardenne, a gosto) sempre serão acusados, em algum momento, de se repetirem, ou de não terem nada de novo a oferecer — logo quando exigimos que continuem idênticos a si mesmos, preservando os traços que tanto apreciamos em seu trabalho.
Sang-soo atinge este ponto entre o conforto e a não-invenção: ele sabe muito bem realizar este tipo de cinema, que começa a apresentar cada vez menos riscos, menos inventividade ou inovação. Ainda fornece obras de qualidade, porém de interesse decrescente quando comparadas aos longas-metragens anteriores. Ora, uma das armadilhas do pensamento autoral reside precisamente em comparar o autor consigo mesmo, tornando-o medida de sua própria qualidade.
Talvez o autor de 2025 não se mostre tão interessante quanto aquele dos anos anteriores (e sim, neste contexto, gostar dos filmes equivale a gostar do autor, e vice-versa). Alguns diretores, sobretudo os melhores e mais idiossincráticos, nos ajudam a pensar na necessidade de abandonar determinados critérios de percepção de gosto que vínhamos adotando até então. Conseguiremos assistir a um novo trabalho do autor, sem compará-lo aos anteriores? Como se fosse a primeira obra de um cineasta desconhecido? Seria legítimo, e mesmo desejável, proceder por este caminho? O maior interesse nos grandes autores, hoje, reside na possibilidade de contestar o império da autoria.