É evidente que esta comédia pretende constituir uma homenagem às famílias trabalhadoras, numerosas, lutando contra as adversidades. Fala-se bastante na “quebrada” de São Paulo, onde residem o pai que, tenta vender terrenos de qualidade duvidosa, e a mãe que sustenta os filhos graças ao trabalho como manicure. O diretor Maurício Eça busca oferecer um elogio aos núcleos que passam por obstáculos juntos, e apesar das brigas, permanecem unidos no final.
No entanto, Barraco de Família une-se a projetos como Um Suburbano Sortudo, Tô Ryca, Os Suburbanos, A Sogra Perfeita e Os Farofeiros numa forma muito curiosa de reverenciar as periferias. Trata-se de obras que extraem humor da visão de moradores do subúrbio como barulhentos, extravagantes, inconvenientes, atrapalhados. Eles seriam intimamente ligados aos trambiques, à informalidade próxima da imoralidade; errando termos e palavras na hora de se expressarem — neste filme aqui, não sabem escrever a letra W.
Por isso, paira a impressão constante de que tais narrativas não riem com os moradores do subúrbio, mas deles. Estas figuras são convertidas em caricaturas, ridicularizadas, simplificadas em sua subjetividade, diversidade, objetivos e potencial. A única forma de crescimento pessoal, nestes casos, ocorre pelos golpes do destino e pelo enriquecimento espetacular — a fortuna inesperada na forma de uma herança, por exemplo. Em geral, terminam as histórias exatamente onde começaram, pobres, porém felizes. Sugere-se, portanto, que o dinheiro não traz felicidade, razão pela qual se termina a jornada numa casa modesta, mas rindo e brindando com os seus. “À família!”, gritam todos, em uníssono.
Paira a impressão constante de o filme não ri com os moradores do subúrbio, mas deles. Estas figuras são convertidas em caricaturas, ridicularizadas, simplificadas em sua subjetividade, diversidade, objetivos e potencial.
O humor decorre unicamente dos diálogos. Escrevem-se piadas, insultos, provocações, e uma série de interjeições-clichês da comédia brasileira, caso do obrigatório “Eu, hein?”, herdeiro de Paulo Gustavo, a quem o filme é dedicado. As frases são ditas em tom alto, gritado, até porque todos falam em mesmo volume, e tentam entender uns aos outros por sobre os gritos. Algum pesquisador precisaria estudar porque a histeria se converteu, no humor popular brasileiro, como única forma possível de fazer rir, em detrimento de tantas outras (a apatia de um Buster Keaton, o sarcasmo profundo da comédia britânica, etc.). Nossos maiores humoristas do cinema, com raras exceções, acreditam que provocarão mais risos caso falem mais alto, berrando, em catarses constantes, terminadas com “Eu, hein?”.
Enquanto os atores trabalham os diálogos, a câmera se limita a filmá-los diante de um fundo-cenário, com o qual os personagens interagem pouco. A aparência teatral decorre menos da overdose de texto do que desta incapacidade de fornecer aos personagens algo a fazer para além de conversar. A mãe manicure não trabalha, as canções pop da filha surgem por geração espontânea, o filho rapper e escritor nunca é visto criando. Este cinema demonstra baixas ambições de estética e linguagem, contentando-se em filmar a fala. Talvez funcionasse igualmente bem nos palcos, no rádio e nos podcasts.
Uma cena representa bem esta abordagem extrema do humor depreciativo. O churrasco em família tenta reproduzir a empolgação, a vivacidade e as músicas de uma animada reunião familiar. No entanto, os personagens agem de maneira incivilizada, quase animalesca, abrindo mão de qualquer racionalidade em prol de um prazer instantâneo (a embriaguez imediata da personagem de Nany People, junto à mãe encarnada por Cacau Protásio). O cinema brasileiro havia acabado de filmar um belo churrasco, barulhento e familiar, de uma família negra em Marte Um. Nesta ocasião, ria-se com eles, jamais deles. Mesmo que o filme de Gabriel Martins estivesse distante da ambição cômica, ele demonstrava a capacidade de captar o dinamismo e a alegria sem recorrer ao estereótipo nocivo de arruaceiras incontroláveis.
Os longas-metragens deste subgrupo específico contam também com tokens, gadgets, na forma de aparições especiais de estrelas não-relacionadas ao universo cinematográfico a priori. Aqui, o cantor Péricles e o influenciador Hugo Gloss constituem as presenças inesperadas, brincando de atores e incorporando “valor de produção” ao resultado, na forma de curiosidade e prestígio. No desfecho, quando todos os conflitos magicamente se resolvem pela força do amor, ambos surgem porta adentro, abruptamente, para atar os fios soltos.
O elenco soa tristemente subaproveitado. Cacau Protásio possui forte potencial para um humor de nuances, de diferentes volumes de texto e intenções. No entanto, costuma-se pedir à talentosa atriz que faça variações similares da mãe barraqueira, sem nem sequer trabalhar o sotaque desta periferia paulistana onde se conversa em nítido carioquês. Lellê e Robson Nunes também fornecem um deslumbre dos ótimos intérpretes que poderiam ser caso recebessem personagens dotados de mínima complexidade, ou caso não fossem condicionados aos mesmos tiques do humor de simplificação.
Se o resultado decepciona, a culpa certamente não recai no elenco — até Sandra de Sá demonstra desenvoltura notável num papel coadjuvante. Trata-se de uma questão de ponto de vista, ao se determinar quem está olhando para este universo, e a quem ele se destina. Resta a sensação incômoda de que as classes privilegiadas olham para esta “quebrada” de papelão com desdém, oferecendo o deboche a um público de classe média, que se supõe maior frequentador das salas de cinema, em virtude dos preços dos ingressos. Há uma questão de lugar de fala e de olhar para o outro que precisa ser urgentemente questionada neste humor paternalista.