O que podem desejar aqueles que têm tudo? Quais são os sonhos de consumo e de conquista de uma mulher capaz de comprar um champanhe caríssimo na festa, ou pagar por todos os custos do amigo com o cartão de crédito da família? Neste drama, os jovens privilegiados se revelam bastante tristes. Possuem poucos amigos, cultura esparsa, nenhum afeto. Cortaram os laços com os familiares, e buscam algum prazer concreto nas festas, onde fazem sexo com garotos de programa escolhidos num tablet, tal qual o prato selecionado num cardápio.
O cineasta Jumpei Matsumoto possui carinho pelos personagens, porém passa longe de qualquer condescendência. Jamais os desculpa, nem justifica de maneira determinista suas ações. Pelo contrário, faz prova de uma observação severa, distanciada, avessa a romantizações. O olhar da câmera, neste projeto, se assemelha àquele do pai certamente bondoso, porém rígido, capaz de deixar os filhos se machucarem no percurso para aprenderem uma valiosa lição com os percalços. Assim, qualquer sentimentalismo passa longe da proposta.
A cidade de Tóquio é apresentada no formato de um labirinto a céu aberto. A câmera adora efetuar longos passeios dentro de um táxi (o plano-sequência inicial é impressionante), atravessando diversas avenidas até cruzar com os protagonistas, “por acaso”, ao final dos letreiros. Nunca se sabe ao certo de onde saem os três jovens, nem para onde vão. Eles perambulam a esmo, sem origem nem destino. Dias e noites se confundem, de modo que o espectador perde a noção real de processo ou evolução.
Rodas e Eixos surpreende ao abordar questões viscerais (amar e ser amado, abusar e ser abusado, dominar e ser dominado) por um viés etéreo, lânguido, num torpor permanente.
Esteticamente, Rodas e Eixos reproduz a impressão de uma ressaca, ou fim de festa, quando os participantes, meio embriagados, meio sonolentos, buscam encontrar o caminho de casa. Por isso, a direção de fotografia se esforça para imprimir detalhes nas baixas luzes, mergulhando os corpos na penumbra sempre que possível. A música se faz constante, porém em baixo volume, e o silêncio impera sobre os diálogos. O trabalho de ambientação constitui um dos pontos altos da obra: estas figuras perdidas são ilustradas com mais eficiência pelas luzes e sons do que pelas reviravoltas do roteiro.
A respeito do texto, ele oferece um inesperado triângulo amoroso entre indivíduos que amam pouco a si mesmos, e abusam física e psicologicamente uns dos outros, pelo prazer de fazê-lo, ou talvez porque sejam capazes de fazê-lo. Existe um caráter tóxico neste triângulo, algo que desperta um desafio considerável a Matsumoto: o cineasta deseja que o espectador se identifique com algum dos personagens centrais, ou apenas os observe de longe, tal qual a câmera prefere fazer? Devemos torcer por eles, temer por eles, ou somente contemplar a pequena ruína sentimental dos burgueses?
No caso, Manami (Uri Suzuki) escolhe como acompanhante para a noite precisamente o garoto por quem Jun (Masato Yano), o amigo gay, está apaixonado. Após escutar deste que jamais sairia com uma mulher, propõe o sexo a três com Seiya (Atomu Mizuishi). Sabendo que a relação pode ferir Jun, continua vendo o escort a dois. O amigo, rejeitado, se presta ao jogo, se humilha, exige afeto de Seiya, que corresponde de maneira automática às demandas de um e outro (e dos demais clientes da boate). Frequentam-se, não se largam mais. Estabelecem uma codependência nociva em termos sentimentais, porém frutífera no que diz respeito aos conflitos cinematográficos.
Rodas e Eixos surpreende ao abordar questões viscerais (amar e ser amado, abusar e ser abusado, dominar e ser dominado) por um viés etéreo, lânguido, num torpor permanente. Fala-se de sexo de maneira frontal, sem pudores, ainda que as cenas de intimidade sejam frias, dotadas de pouco prazer ou expressividade. O diretor esvazia estas interações de seu conteúdo erótico, restando três corpos jogados à cama, como enfeitiçados, na espera de alguma recompensa indefinida. Eles possuem tudo e todos, porém não desfrutam de nada.
O próprio título decorre de uma metáfora maquínica, tão fria quanto o olhar da direção. Manami compara a si própria e a Jun com rodas — objetos em movimento, instáveis, e incapazes de se conectar sozinhos. Precisariam, portanto, de um eixo capaz de ligá-los e lhes conferir estabilidade. Neste aspecto, entraria Seiya, o rapaz de rosto impassível, que a câmera decide enquadrar de perto apenas na segunda metade da narrativa. Esvaziados de subjetividade, tornam-se peças, necessitando o apoio do homem-mercadoria para se sustentarem em pé.
O longa-metragem recorre a uma bela metáfora para representar o dilema do trio. A peça Madame Edwarda, de George Bataille, é longamente encenada dentro do filme, com direito a planos próximos em cada ator, nos movimentos dos corpos, numa vagina aberta. Escuta-se o texto com atenção, para que o prazer desta prostituta signifique um objetivo de êxtase e de feminilidade aos três protagonistas. Ela experimenta a vida e se entrega aos homens com uma visceralidade que nenhum deles consegue demonstrar. É Jun que afirma, primeiro, a vontade de ser como Edwarda. Em seguida, Manami faz o mesmo.
Devido às referências literárias, o roteiro se permite a fragmentação em episódios, introduzidos por epígrafes. No entanto, estes trechos são lidos por Manami, Jun e Seiya, face à câmera, com o celular na mão. É curiosa a maneira como a tradição encontra a modernidade, do mesmo modo que templos religiosos se transformam, adiante, em palco para manifestações eróticas e performances contemporâneas. Matsumoto brinca constantemente com o sagrado e o profano, a tradição e a modernidade.
Por fim, desenha uma espécie de filme de fantasmas, povoado por jovens deprimidos, desesperados por alguma forma de conexão. “Vou te salvar deste mundo sem sentido”, “Eu sou falso. Queria tanto ser verdadeiro”, declamam os diálogos. “Acho que eles estão felizes, mesmo num lugar tão sufocante”, pressupõem os amantes a respeito deles, os outros. Terminarão a jornada em separado, abandonados pela própria câmera que se afasta. O filme os observa, sente sua dor, entretanto, nunca os abraça, nem oferece nenhum tipo de reconforto. A juventude japonesa continua perdida no deserto da multidão solitária.