Julgando pela premissa, Lucette pareceria um drama familiar tradicional. A esposa tenta fazer sexo com o marido, que a recusa. No quarto, a garota esconde um desenho na caixinha de madeira. No entanto, a estética indica ao espectador, desde o princípio, que existe algo maior ocorrendo por trás destas imagens. O tom grave e a paleta bege criam uma casa pouco amistosa. O suspense se impõe via atmosfera (luz, música, enquadramentos) muito antes de qualquer elemento narrativo apontando nesta direção.
Chega então uma morte violenta capaz de unir os personagens e detonar, de fato, a busca pelo assassino cruel de crianças. Os diretores Mburucuya Fleitas e Oscar Ayla Paciello mergulham a obra no thriller policial, além do whodunnit (ou seja, a dúvida a respeito de quem matou, pois todos os adultos envolvidos podem ser autores do crime) e da fantasia sobrenatural (graças à figura da empregada doméstica afeita às práticas de bruxaria).
Em consequência, o longa-metragem que já se iniciava macabro procura aprofundar sua jornada rumo um clímax cada vez mais tenso, revelando segredos ocultados pelas personalidades burguesas e apáticas de dois casais e do amigo policial destes. Sugere-se que, por trás da família patriarcal, há fissuras de que ninguém suspeitaria. Poucos adultos se mostram exatamente como os imaginávamos — pelo menos, aqueles que sobrevivem, pois há tantas mortes que a história corre o risco de se encerrar por falta de personagens.
A mão pesada da direção não se priva de aprofundar os dilemas com tamanha intensidade que beiram o absurdo e o paródico.
Aí reside o problema mais evidente de Lucette: a mão pesada da direção, que não se priva de aprofundar os dilemas com tamanha intensidade que beiram o absurdo e o paródico. Trata-se de um projeto sobrecarregado na montagem e na pós-produção, a começar pela trilha sonora. A música ocupa as cenas o tempo inteiro, deixando pouco espaço para respiro, indagação ou ambiguidade. É preciso que o espectador seja informado com insistência do tom de cada cena — que será, invariavelmente, sinistro.
A montagem aplica tiques comuns do imaginário do terror, sem que o gênero se instale por completo. No entanto, estão presentes a montagem fragmentada na floresta obscura, incluindo flashes de crianças mortas; jump scares quando o filho surpreende a mãe na cozinha; sequências aceleradas da mulher praticando atos pagãos junto a outras bruxas-feiticeiras. Isso sem falar em lugares-comuns, como o tio da vítima gritando de desespero dentro do carro; e o policial irritado, dando um murro na parede enquanto observa a própria imagem no espelho.
A construção de personagens se mostra bastante enfraquecida. Nenhum destes sujeitos em luto ganha objetivos, motivações, traços marcantes de personalidade para além do único conflito central relacionado à morte da menina Lucette. Apesar da promessa de uma “investigação paralela” à polícia, estes homens embrutecidos nunca descobrem informações por conta própria, contentando-se em reagir aos dados oficiais — o que levará ao desfecho, quando a obra elogia a seriedade e comprometimento da forças de polícia.
As figuras femininas são particularmente maltratadas neste percurso, algo que gera curiosidade em se tratando da obra escrita e dirigida por uma mulher. Elas se limitam à condição de esposa do protagonista, implorando por atenção e afeto, ou então se convertem na figura da mulher-negra-mística de caráter duvidoso, motivando o desejo e o desdém dos patrões brancos. Restará à mulher frustrada sexualmente o pior dos papéis, como se a ausência de atenção matrimonial provocasse distúrbios psíquicos graves.
Nota-se certo fetiche por uma sexualidade reprimida, deslocada ao limite da monstruosidade. Os personagens se matam ou se detestam porque não fazem sexo, ou porque a pulsão sexual está deslocada para fora dos preceitos tradicionais. Tudo o que desvia da norma se converte em exotismo e ridicularização — vide as práticas de Jussara; o desejo dos patrões pela empregada; a necessidade de as esposas tomarem iniciativa no sexo com os maridos; e sobretudo o segredo final.
Enquanto suspense, Lucette sustenta esta atmosfera extremamente carregada, até estimar que já guardou suas cartas por tempo excessivo. Então, o responsável pelo crime entra em quadro, anuncia-se como tal e explica didaticamente todas as suas motivações, a exemplo do desfecho das telenovelas. Nenhum personagem conquistou o direito a esta verdade, tampouco teve tempo se sofrer o impacto emocional de meia dúzia de mortes. Aqui, os fatos e descobertas se encadeiam com a rigidez expositiva de um filme de ação.
Os atores fazem o possível a partir de personagens muito simples. Talvez o aspecto mais interessante provenha da mistura orgânica entre o português, o espanhol e o guarani, que se alternam nos diálogos com plena fluência por parte do elenco. Revela-se então uma cultura fronteiriça raramente trabalhada nos longas-metragens que chegam às telas brasileiras. Mesmo assim, as expressões faciais se limitam aos sentimentos imediatos de frustração ou à tristeza, com pouco trabalho interno para além da superfície. Eles se restringem a funções ou “cargos” narrativos (o pai da menina, o tio da menina, o amigo policial) ao invés de subjetividades autônomas.
Ao final, cabe questionar as obras que se levam a sério demais, apaixonando-se tanto por seus recursos de linguagem (trilha em excesso, plano próximo na lágrima escorrendo, descobertas atrás da porta, revelações espetaculares) que se veem incapazes de adotar qualquer distanciamento crítico. A ficção paraguaia gostaria de denunciar uma série de problemas sociais, no entanto, diverte-se demais com o potencial imersivo destas perversões para manifestar qualquer compreensão social das mesmas.