A animação brasileira face ao streaming e à Inteligência Artificial

A 19ª CineOP — Mostra de Cinema de Ouro Preto promoveu uma coletiva de imprensa com alguns dos maiores representantes do cinema de animação no Brasil. Marão, Sávio Leite, Igor Bastos, Tânia Anaya e Marco Arruda se reuniram com críticos e jornalistas para discutir os desafios do setor.

Em primeiro lugar, sublinham que o brasileiro gosta muito dos nossos filmes de animação. Bastos relembra que apenas 2% dos nossos longas são realizados em técnica de animação, embora estes títulos correspondam a mais de 20% da bilheteria anual. Marão completa com a informação de que temos, atualmente, mais de 40 longas-metragens nesta linguagem em fase de desenvolvimento ou finalização. Em toda a história do cinema brasileiro, constam aproximadamente 50 longas-metragens de animação, somente. “Tem muita produção agora, mas não estamos conseguindo escoar”, alerta Bastos.

“Tem muita produção, mas não estamos conseguindo escoar”.

De fato, a maioria dos artistas presentes na cidade mineira se encontra em fase de término do primeiro longa-metragem, ou acaba de concluir o longa inicial — o que certamente não ajuda frente aos editais, que pedem experiência prévia para liberar verbas destinadas à realização e finalização. Tânia Anaya recorda que os filmes de animação costumam disputar espaço com as produções em live-action (ou seja, com atores em frente às câmeras), o que pode ser considerado injusto, visto que a animação exige muito mais tempo de trabalho.

Inclusive, Marão produziu mais de 200 mil desenhos no papel para finalizar o longa-metragem Bizarros Peixes das Fossas Abissais (2023). Por este motivo, o curta-metragem ainda desponta como espaço ideal para a produção brasileira de animação, conforme haviam afirmado as mulheres do setor — vide a entrevista abaixo.

A dificuldade para a produção nacional em disputar espaço com os maiores títulos norte-americanos reside na disparidade imensa de recursos: o orçamento médio de um longa-metragem de animação no Brasil produziria “apenas 9 segundos de Wish, a megaprodução comemorativa da Disney, conforme dados levantados por Marão. Isso sem falar nos investimentos de marketing e distribuição: Divertida Mente 2 teria investido entre R$ 4 milhões e R$ 5 milhões em divulgação no Brasil, além de fecharem acordos com o circuito exibidor que garantem o monopólio em salas. Por isso, os artistas brasileiros comemoram a retomada das cotas de tela.

O orçamento médio de um longa-metragem de animação no Brasil produziria apenas 9 segundos de Wish.

Questionados acerca da formação de profissionais em animação, o grupo recorda que a maioria se aprofundou nas inúmeras técnicas disponíveis graças a uma pesquisa pessoal. De acordo com Marão, os primeiros cursos especializados — alguns deles, nas universidades — surgiram apenas 15 anos atrás, o que explica o baixo número de animadores se formando e especializando no país. Eles confessam dominar algumas técnicas, porém desconhecer outras em paralelo — lembrando que o universo da animação compreende o desenho em 2D, o 3D, o stop motion, as animações em areia, em barro, com sombras… De acordo com Sávio Leite, diversos jovens encontram informações preciosas sobre as técnicas de animação, atualmente, em tutoriais do YouTube.

O grupo relembra, em paralelo, a importância de desconstruir a associação popular entre cinema de animação e filmes infantis. Dos quatro cineastas presentes, apenas Igor Bastos se dedica aos títulos para crianças, caso do recente Placa Mãe, inédito no circuito comercial. Os demais preferem explorar as representações adultas e mais ousadas, em termos de linguagem.

Inclusive, Marco Arruda defende a elaboração de O Filho da Puta, novo longa-metragem dirigido por Otto Guerra, que afronta de maneira direta a conexão entre desenhos e ludicidade. Prefere enfrentar problemas devido ao palavrão no título a sugerir qualquer mudança ao diretor. A esse propósito, declara haver um “boom da animação adulta”, correspondendo ao fenômeno crescente de “adultos infantilizados”, afeitos aos bonecos e brinquedos. “As crianças hoje veem gameplay”, provoca.

No entanto, os principais dilemas dizem respeito às relações com o streaming e com as ferramentas de Inteligência Artificial. A conversa se torna mais calorosa quando o quinteto é convidado a explicar as trocas comerciais com as grandes plataformas de streaming. Eles concordam que existem inúmeras oportunidades de negociar os trabalhos com os gigantes da indústria, no entanto, a remuneração ainda é ínfima.

“Os streamings estão pagando muito pouco de licenciamento. É um valor ridículo”, declara Bastos, que prefere exibir suas obras gratuitamente na Internet, ou em escolas e espaços culturais, a vender os direitos para conglomerados internacionais que não reconhecem a dedicação dos profissionais da animação.

A falta de regulamentação da Inteligência Artificial também preocupa estes trabalhadores. Por isso, Marão defende urgentemente o ECAD das imagens — em referência à cobrança por direitos autorais de artistas e criadores. Ao lembrar que Marão coloriu os desenhos de Bizarros Peixes das Fossas Abissais no Photoshop, Bastos ressalta que os desenhos do cineasta já foram, portanto, tomados pelas ferramentas digitais, que utilizam as imagens disponíveis para a criação de outras ilustrações. “O IA já raspou tudo. É o maior assalto cultural dos nossos tempos. É a nova colonização”, declara.

A Inteligência Artificial já raspou tudo. É o maior assalto cultural dos nossos tempos. É a nova colonização”.

Pelo menos, os cinco animadores comemoram casos em que os filmes animados brasileiros obtiveram grande reconhecimento em premiações internacionais — caso de O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, que foi indicado ao Oscar —, ajudando a difundir o talento dos criadores nacionais. “Assim, a gente também tem visibilidade”, conclui Anaya.

Foto em destaque: Marcela de Paula / Universo Produção.

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