A Mensagem de Jequi (2025)

"Água é amor"

título original (ano)
A Mensagem de Jequi (2025)
país
Brasil
gênero
Drama, Aventura, Infantil
duração
73 minutos
direção
Igor Amin
elenco
Kaique Santos Silva, Mateus Andrade, Hillary Moreira, Meryê Paraguassu, Cecília Pinto, Lirio Zango
visto em
28ª Mostra de Tiradentes (2025)

A Mensagem de Jequi pode ser descrito como um filme infantil de resistência. Em primeiro lugar, ele se impõe em nível político e socioambiental: a narrativa valoriza o contato com as águas e matas, alertando às crianças para se atentarem contra empresários que prometem melhorias milagrosas em troca de pequenos favores. Ao contrário de tantos projetos voltados às crianças urbanas, pensando a natureza enquanto abstração (algo distante que precisa ser preservado, sabe-se lá o porquê), o diretor Igor Amin defende que os pequenos literalmente mergulhem no rio, brinquem com barquinhos de madeira, gravetos, pedras, lama. O contato com estes elementos se torna prático e concreto.

Isso implica, em segundo lugar, na defesa de uma juventude analógica e proativa. Embora a trama se situe em tempos presentes, na Comunidade Quilombola Vila Nova, não há nenhum telefone celular, computador ou qualquer meio eletrônico à vista. Os brinquedos são criados pelos próprios familiares e suas crianças, a partir da criatividade e dos materiais à disposição. A brincadeira ocorre em partes externas, na rua, valorizando a intervenção com o meio — de onde decorrem as garrafas com mensagens, jogadas nas águas, os instrumentos musicais, e mesmo a reciclagem enquanto prática lúdica.

Consequentemente, em terceiro lugar, a obra se volta contra a aceleração pop-fragmentada da estética contemporânea, pensada para crianças de baixa concentração. A montagem trabalha com cenas dilatadas, contemplativas, enquanto a fotografia aposta em luz natural. Trata-se de um filme solar (não há noites aqui), onde cada personagem aparenta usar suas roupas habituais, frequentando os espaços aos quais está acostumado. Neste caso, é o cinema quem se adequa à realidade, ao invés de fazer com que o real se molde às vontades do cinema. Em diversos instantes (a escola, a brincadeira dos irmãos no quarto), a linguagem se aproxima da aparência documental.

O diretor segue coerente com sua visão de mundo e de cinema, em mais um trabalho solidamente pensado como leve antídoto à infância acelerada do século XXI. 

Por isso, o resultado soa tão urgente quanto atemporal. O roteiro aborda a tragédia do rompimento das barragens em Minas Gerais, enquanto contesta os empreendimentos predatórios em terras demarcadas, e busca uma aproximação humana e empática entre povos lusófonos — a garrafa jogada no Rio Jequitinhonha viaja, em chave fantástica, até Portugal e Moçambique. O texto se coloca ao lado dos povos originários e da resistência quilombola. Ao mesmo tempo, tanto a luta quanto o posicionamento humanista poderiam corresponder a qualquer período e governo. 

É fácil se identificar com Jequi (diminutivo de Jequitinhonha), o garotinho que narra a história, jamais idealizado ou romantizado pela trama. Ao mesmo tempo em que se posiciona pela manutenção de sua cultura (possuindo, portanto, um senso de finalidade), ele se desloca pelos rios a esmo, aproveitando a infância. Não existe um conflito propriamente dito em A Mensagem de Jequi: o menino solta a garrafa e o barco pelas águas, partindo então para acompanhá-los, onde quer que se desloquem. Trata-se de um recurso simples e eficaz para expandir a curiosidade do personagem rumo à descoberta de outros modos de vida. 

Entretanto, nada realmente ameaça o menino, que tampouco possui objetivos inalcançáveis. O recorte do roteiro se aproxima da vida cotidiana de Jequi, como se a câmera tivesse escolhido um dia qualquer de sua vivência. Raros filmes voltados às crianças se privam da oportunidade de escolher um grande problema a resolver, ou um momento de profundo aprendizado e transformação. Ora, neste caso, o menino tem mais a ensinar aos pais e ao espectador do que aprender com quem quer que seja. Evita-se o olhar paternalista e didático, acostumado a situar a criança na posição de quem precisa escutar. Para Amin, são os adultos que têm a aprender com seus pequenos.

O autor possui nítida intimidade com este universo, e também com o trato do elenco infantil. As crianças estão confortáveis, desenvoltas (vide a dança de Kaique Santos Silva no desfecho), porque efetuam atividades simples em frente às câmeras. Nunca recebem diálogos improváveis, nem cenas de forte intensidade emocional. Em frente à câmera, ganham a oportunidade de serem apenas crianças — a fotografia enxerga magia e valor em seus comportamentos habituais. Este é mais um acerto da obra, que não utiliza os pequenos enquanto exemplos de uma causa. Eles são somente porta-vozes de sua própria subjetividade.

Apesar desta bela complexidade, alguns fatores prejudicam os voos de A Mensagem de Jequi. O maior deles reside no segmento português, que destoa por completo de tudo o que vimos antes, como se estivessem nos exibindo, por engano, o rolo de um projeto diferente. O problema não seria de ordem narrativa — a viagem a outros países decorre de um movimento natural do herói —, mas estética. De repente, entra em cena uma imagem de textura digital de baixa qualidade, extremamente nítida e contrastada, com as cores saturadas. 

Perde-se toda delicadeza e precisão das imagens até então, num trecho apressado, como se tivesse sido filmado da maneira possível. O retorno do roteiro a Moçambique recoloca o longa-metragem nos eixos, trazendo imagens belíssimas, e coerentes com a filmagem majoritária no Vale do Jequitinhonha. Entretanto, este salto geográfico, estético e temporal na Europa (a anedota sobre 1411) rompe com a fluidez impecável que se desenvolvia. Curiosa escolha, da direção e da montagem, de manter este trecho sem acreditar que pudesse provocar um ruído na experiência.

Além disso, há pequenos problemas com alguns letreiros, e com o desenvolvimento dos personagens adultos, abandonados de modo abrupto pelo olhar infantil. A cena final também se arrasta bastante, antes de efetivamente interromper a aventura — dando a impressão de que os artistas não estavam dispostos a se despedir das crianças e da trama. Para o espectador, o instante mágico da brincadeira na água se alonga tanto que se dilui seu encantamento. Enquanto isso, aproxima-se do videoclipe, junto à música em off.

Felizmente, estes são detalhes para um longa-metragem muito bem-sucedido em sua poesia delicada (a comparação das ilhas com “peixes de areia”; a tempestade representando o choro da garotinha; a bela valorização do artesanato local). Amin consegue trabalhar inúmeros temas sem soar pedagógico, nem moralista. Trata as crianças e seus familiares com respeito, atenção, permitindo o espaço da brincadeira enquanto aposta em sua capacidade de compreender temas complexos. 

O diretor tem desenvolvido um trabalho infantojuvenil raríssimo no cinema brasileiro (este live action independente, naturalista, lúdico e semidocumental). Ele segue coerente com sua visão de mundo e de cinema, em mais um trabalho solidamente pensado como leve antídoto à infância acelerada do século XXI. 

A Mensagem de Jequi (2025)
7
Nota 7/10

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