Entre todas as violações de direitos humanos que ocorrem no Irã, a prática da pena de morte se tornou o principal objeto de estudo do diretor Mohammad Rasoulof. Ao contrário dos dramas sociais intricados de Asghar Farhadi, ou das docuficções autobiográficas de Jafar Panahi, Rasoulof se encanta com os códigos do suspense — e, no caso de A Semente do Fruto Sagrado, mesmo da ação e do terror. O projeto constitui um exercício de estilo e de tons particularmente arriscado, do naturalismo ao cinema alegórico.
Em primeiro lugar, existe a família patriarcal, de classe média-alta, protegida de abusos do Estado devido ao alto cargo o pai, recém-nomeado juiz de instrução. Cabe a ele, portanto, a assinatura de 200 a 300 sentenças diárias, incluindo penas capitais. Evidentemente, o alto funcionário não possui tempo suficiente para analisar cada caso. Após uma reticência inicial em descumprir seus princípios morais e assinar penas sem ler, acata com a ordem dos superiores graças à perspectiva de ganhos financeiros — a família deve se mudar para uma casa maior em breve.
Em segundo lugar, uma representação desta violência externa se intromete na casa — no caso, um revólver. Iman (Missagh Zareh) recebe a arma para proteção pessoal, decidindo guardá-la no local onde considera mais seguro: o próprio lar, junto à esposa apolitizada e às duas filhas jovens. Certo dia, o objeto desaparece. Preocupado com a repercussão da notícia, e com sua castração simbólica (que homem de verdade não consegue proteger sua própria arma?), ele começa a desconfiar das três mulheres da sua vida. Progressivamente, enxerga neste trio possíveis adversárias.
Rasoulof capta muito bem o senso de absurdo de uma instituição corrupta, passando da normalidade inicial (interpretada com as chaves do realismo) à paranoia de um Estado policialesco e vingativo (a ação, o suspense, o terror).
Rasoulof elabora um mecanismo engenhoso, e muito cuidadoso, para a progressão deste tribunal doméstico. Ao invés de reproduzir frontalmente ataques e atentados para as necessidades do longa-metragem (preferindo registros de tiros e violência policial nas ruas, capturados por telefones celulares), ele permite que o turbilhão social contamine o espaço familiar. A pequena desconfiança se torna inimizade, raiva, retaliação. Passa-se do cansaço à intimidação, à perseguição, e às violências físicas contra a esposa e a filha. A família será interrogada, perseguida, obrigada a confessar crimes que não tenha cometido.
A Semente do Fruto Sagrado move-se através de uma sucessão de símbolos, ressignificados conforme aparecem em cena. O próprio título, explicado num letreiro inicial, faz menção à árvore particular cuja semente é transportada nas fezes de aves, caindo sobre outras espécies vegetais. Acaba brotando dentro da árvore alheia, sugando seus nutrientes, e destruindo o hospedeiro até tomar controle — uma forma de parasitismo, e também de contaminação. Bela metáfora, violenta e natural, desta deterioração da “família de bem”.
Além disso, pressiona-se pelo jantar de família com os quatro reunidos, algo que nunca se concretiza da maneira como a mãe teria idealizado. Ora algum membro falta à refeição, ora a tentativa termina em disputa por motivos políticos. A pinça utilizada para tirar pêlos da sobrancelha será usada, em seguida, para retirar estilhaços de bala do rosto de uma jovem. A menção à obrigatoriedade do hijab se traduz na imagem do pano branco, coberto de sangue. O vídeo da família alegre será retomado enquanto ameaça. A casa da infância de Iman se transforma em labirinto e prisão.
“Seu sonho está se tornando realidade!”. A frase da esposa Najmeh (Soheila Golestani) ao marido, no ápice do dilema familiar-profissional, beira o absurdo. Sim, ele conquistou a promoção desejada, e está perto de obter privilégios em função disso. Entretanto, conforme progride rumo ao topo da pirâmide, converte-se em cúmplice do regime sanguinário. Sua ruína vem da impossibilidade de separar o público do privado, a função de juiz da função de pai-marido. A mulher, persuadida de que o marido apenas faz o melhor dentro de suas capacidades, será obrigada a perceber a violência do Estado.
Atenção: pequenos spoilers a seguir.
O longa-metragem tem despertado reações fortes, sobretudo pelo terço final. Neste momento, Rasoulof abandona o naturalismo cuidadoso do começo, permitindo que o aspecto febril germine por completo (ou seja, o figo sagrado já tomou conta da árvore inicial e destruiu sua estrutura). Entram em cena os códigos da ação, da perseguição policial, do terror (uma mão saindo de um monte de terra, assim como nos filmes de zumbis). Os 120 primeiros minutos servem como descrição de cada personagem, e preparação parcimoniosa da opressão patriarcal e masculina, para enfim se concretizar numa afronta direta de Iman contra a própria família.
A maioria das críticas alega, com razão, que as atitudes deste segmento não se mostram muito realistas. Ora, por que precisariam sê-lo da primeira à última cena? As decisões se tornam cada vez mais representativas, ilustrativas, do que movidas por uma lógica estrita de causa e consequência. Por que as três mulheres precisariam se separar no labirinto? Como um objeto importante teria sido ocultado por tanto tempo? Como uma personagem encontraria auto-falantes à disposição, em hora de conveniência? Como explicar a presença de celas funcionais, à disposição?
A Semente do Fruto Sagrado ousa romper com o pressuposto do naturalismo para encontrar no cinema de gênero a materialização da ideia de pena de morte e de perseguição política. Os quatro protagonistas convertem-se em juízes, policiais, carcereiros, vítimas, rebeldes, militantes. Iman nunca chega a ser punido pelo sumiço do revólver, que nem sequer será descoberto pelos superiores. Ele se antecipa à punição sofrida, penalizando as mulheres ao redor. Em nome de proteger sua família, ataca-a; em nome de ser um pai exemplar e marido responsável, submete esposa e filhas a práticas de tortura.
Resta um sentimento de incompatibilidade de funções — não é possível ser, ao mesmo tempo, um pai correto e um executor de penas capitais. “Você nunca deveria ter dito à sua família a sua profissão”, reclama um amigo do juiz. “Mas eu deveria ter escondido delas?”, retorque, surpreso, o protagonista. “Sim”, escuta como resposta. Rasoulof capta muito bem o senso de absurdo de uma instituição corrupta, passando da normalidade inicial (interpretada com as chaves do realismo) à paranoia de um Estado policialesco e vingativo (a ação, o suspense, o terror). No final, responde à pena de morte com outra morte — uma espécie de reparação simbólica. O cineasta perseguido pelo seu governo encerra a narrativa com imagens festivas de desobediência civil, uma espécie de convite à insurreição. Demonstra, assim, coragem e ousadia exemplares.