Arame Farpado (2025)

A má educação

título original (ano)
Arame Farpado (2025)
país
Brasil
gênero
Drama
duração
22 minutos
direção
Gustavo de Carvalho
elenco
Camila Botelho, Isabella Guido, Ricardo Bagge, Gabriel Novaes, Bruna Domingues, Dione Castro, Ivan Pinto, Luisa Cação
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

É interessante que o filme comece em ponto máxima de estafa para os personagens. Todos, sem exceção, se provocam, insultam e agridem, sobretudo de maneira gratuita — ou seja, sem visar um objetivo preciso. A pré-adolescente Angelina (Isabella Guido) grita com o irmão mais novo. A mãe reclama com Evita (Camila Botelho), e esta se queixa, por sua vez, dos irmãos menores. A garota mais nova está irritada com Zé Luís, um caminhoneiro, por motivos que conheceremos adiante. 

Num pronto-socorro, a atendente é surpreendentemente grosseira com a protagonista, que lhe devolve a agressão. Os demais pacientes, esperando por atendimento, elevam o nível de nervosismo. Evita liga para a colega de trabalho que, indignada, pede que não apareça no emprego chapada novamente. Arame Farpado parte da incivilidade enquanto princípio regulador das relações sociais, distribuindo-se igualmente entre crianças e adultos, entre mulheres e homens. Ninguém está particularmente feliz no início, e o acidente envolvendo uma ciclista soa como o menor dos males que o clima de pré-guerra poderia provocar.

Embora a narrativa se inicie na chave do enfrentamento, as imagens destinadas a representar tamanho atrito não poderiam ser mais agradáveis aos olhos. A direção de fotografia de Renato Groberman Hojda opta por um estilo bastante preciosista, trabalhando com grande nitidez o cenário dos campos em Paraguaçu Paulista, sobretudo ao pôr do sol. Há imenso cuidado para retratar a luz caindo, no fim da tarde, iluminando preciosamente cada personagem. 

O curta insinua que nossas violências profundas em relação aos outros, numa sociedade do individualismo e do cansaço, podem ser perdoadas, pois estamos todos na mesma situação.

Nota-se a intenção de fazer algo rebuscado, plasticamente atraente, ao limite do exagero — a fotografia corre o risco de chamar atenção excessiva para si mesma, impressão retomada pela cena final. Em contrapartida, o sangue vermelho-claro saindo de uma ferida no rosto jamais remete a um ferimento real. Neste aspecto, os criadores preferem um elemento fantástico, próximo do cinema de gênero, e distante deste naturalismo bucólico-interiorano que domina a narrativa. O projeto parece sempre buscar o seu tom, tateando de um extremo ao outro, algo que se estende às atuações um tanto desiguais. Felizmente, a ótima composição de Camila Botelho eleva a narrativa nas cenas principais.

O filme do diretor Gustavo de Carvalho se torna muito mais potente na segunda metade, quando todos se desarmam — tanto os membros da equipe quanto os personagens da ficção. Evita e Angelina se livram do pressuposto do embate, e passam a compartilhar momentos de diversão, de ludicidade e de contemplação, algo que faz muito bem ao projeto na totalidade. A trama respira. Ao invés das luzes desenhadíssimas do campo, encontramos um painel kitsch no fundo do pronto-socorro, num avesso completo do naturalismo.

Assim, a recepcionista se torna menos afrontosa; os membros de um culto evangélico fogem à condição de vilões; e a menina ganha sua redenção tragicômica, enquanto devora esfirras. O roteiro percebe, enfim, que aquela situação se presta mais ao absurdo e à fábula do que a um panorama verossímil das relações de classe. Zé Luís avalia que o gesto se tratava de uma brincadeira; e os familiares da vítima dispensam qualquer retaliação (algo até surpreendente, dada a gravidade do ocorrido). Afinal, o filme se cola às irmãs: enquanto ambas estiverem bem, podemos considerar a conclusão amarga como um final feliz. Ninguém se importa tanto com a pobre Ariane.

O curta-metragem atinge um desfecho irônico. Favorece a impressão de que tudo terminou bem (a cabeça recostada no ombro), embora não tenha solucionado seus impasses. Sugere a reparação das meninas junto à figura paterna simbólica, ainda que, para isso, precisem ferir uma figura materna. Insinua, de maneira afetuosa e condescendente, que nossas violências profundas em relação aos outros, numa sociedade do individualismo e do cansaço, podem ser perdoadas, pois estamos todos na mesma situação. O carro arranhou apenas um pouquinho, o pastor não prestará queixa. Tudo se resolveu, e nada se resolveu. Mas seremos, todos, perdoados.

Arame Farpado (2025)
7
Nota 7/10

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