Ari (2025)

Ninguém anda muito bem

título original (ano)
Ari (2025)
país
França, Bélgica
gênero
Comédia, Drama
Duração
88 minutos
direção
Léonor Serraille
elenco
Andranic Manet, Pascal Rénéric, Théo Delezenne, Ryad Ferrad, Eva Lallier Juan, Lomane de Dietrich, Mikaël-Don Giancarli, Clémence Coullon
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

Uma sala de aula no ensino primário. Ari (Andranic Manet) tenta explicar às crianças pequenas o que seria o hipocampo. O professor substituto faz alusões à Segunda Guerra Mundial, menciona em detalhes partes do cérebro humano. A intenção, passadas estas informações, seria de chegar à leitura de um poema. Infelizmente (ou felizmente, vai saber), ninguém presta atenção em suas palavras: as crianças gritam, correm, ignoram o adulto. Ele chora e se desespera, até desmaiar em aula. “O professor morreu?”, pergunta um garotinho, diante do corpo inerte do protagonista.

Esta imagem, tão triste quanto patética, corresponde à cena inicial de Ari, e resume de maneira eficaz o tom da comédia dramática. Rimos do absurdo e improbabilidade das situações — ou seja, o riso de desconforto, de inadequação. Trata-se do humor um tanto culpado e envergonhado, posto que nos divertimos com o sofrimento alheio. Afinal, Ari é um sujeito depressivo, solitário, rejeitado pelo pai, e esquecido pelos amigos próximos, depois de três anos de reclusão voluntária. Ele está magro, estafado, apenas parcialmente medicado.

Assim, o longa-metragem investe numa crônica da juventude francesa em situação geral de abandono ou depressão. O professor-que-não-sabe-ensinar constitui um protagonista errante, reencontrando-se com amigos distantes em cada cena. Muitos personagens coadjuvantes nem sequer retornam à trama, que opera na estrutura “uma sequência, um amigo novo”. O rapaz descobre que sua amiga pretende não ter emprego nenhum. Percebe que o colega vivendo num casarão conquistou o sucesso graças à ajuda do sogro, e vive num casamento de fachada com a mulher que não ama.

A diretora Léonor Serraille continua procurando o encanto dos indivíduos tristes. Ela não acredita que a sociedade ande muito bem e, ainda assim, enxerga certa beleza na decadência.

Em sua filmografia, a diretora Léonor Serraille continua procurando o encanto dos indivíduos tristes. Acredita que a verdadeira poesia reside nas pessoas que não agem conforme as regras da sociedade — por falta de instrução, no caso, ao invés de uma rebeldia politicamente direcionada. Desde Paula (Laetitia Dosch) de Jovem Mulher, a autora investiga os trabalhadores que trabalham mal; os pais que não cuidam bem dos filhos; os amantes incapacitados a dar e receber carinho. As pessoas se trombam, ao invés de se reunirem; e se prejudicam sob pretexto de se ajudarem. Ela não acredita que a sociedade ande muito bem e, ainda assim, enxerga certa beleza na decadência.

Em contrapartida, enquanto Jovem Mulher sublinhava com intensidade o humor do absurdo, Ari se revela muito mais melancólico. As piadas se atenuam, cedendo espaço para minúsculos momentos de desconforto. Ela constrói, por exemplo, uma sucessão de tensões homoeróticas entre o protagonista e seus melhores amigos, até canalizá-las, gentilmente, no terço final. Sugere que o herói tenha visões a respeito do passado recente de seus colegas, abordadas sem qualquer alarde — o personagem tampouco tira proveito destas habilidades. Trunfos bastante apropriados à comédia pastelão tornam-se notas de rodapé no percurso deste andarilho urbano.

A estética acompanha lindamente a atmosfera de esgotamento. A trilha sonora funciona como uma peça única em desenvolvimento, que surge ora timidamente, ora de maneira mais imponente. Neste último caso, oferece uma melodia doce, misturada a ruídos e barulhos, distantes da composição tradicional. A música foge à obrigatoriedade de sublinhar emoções fortes (grandes felicidades e profundas tristezas), aparecendo sobretudo nos saltos temporais, na passagem de uma cena a outra. Transmite certa impressão de deslocamento do real, como se a jornada inteira constituísse um sonho delicado.

Algo semelhante ocorre com as luzes, cores e textura da imagem. Ari se constrói em tons queimados (ou seja, de cor saturada, porém de pouca vivacidade), em registro granulado — seria película, ou efeito parecido no suporte digital? De qualquer modo, a impressão de uma imagem de antigamente nos retira da crônica da contemporaneidade solitária. Serraille evita atribuir tais características a esta geração em particular, estimando que tal estado de espírito seja uma constante entre gerações — vide o temperamento do pai de Ari, jogando tinta na parede e cortando papéis para a neta recém-descoberta.

“Você fala da vida, mas tenho impressão que fala da morte”, confessa o protagonista a uma amiga. “Você tem medo de envelhecer, de morrer?”, ele prossegue. “Você adora mergulhar na melancolia”, define a professora de teatro. O longa-metragem nos retira tanto da comédia habitual, esforçada em fazer rir, quanto do melodrama contente com sua própria dor. Posiciona o espectador numa montanha-russa permanente: a cada tirada filosófica, introduz cenas de um pombo defecando na cabeça de Ari, ou dos dois colegas rolando em plena rua, trocando socos e chutes.

O projeto alterna entre a euforia moderada e o abatimento passageiro, rompendo com expectativas: nos encontros banais, o professor trava conversas valiosas para a sua recuperação emocional, enquanto falas muito graves com a antiga namorada se desenvolvem como uma troca qualquer. A cineasta desloca tons e intensidades, concebendo adultos infantis, homens heterossexuais efeminados, casais desempregados e contentes com tais circunstâncias. Sua proposta cinematográfica soa como um longo jogo de suposição: “E se…?”. Então, desenvolve de maneira realista as propostas impensáveis. A dose precisa de prostração proporciona o equilíbrio necessário para a comédia reverberar junto ao espectador muito após a sessão.

Ari (2025)
8
Nota 8/10

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