Uma sala de aula no ensino primário. Ari (Andranic Manet) tenta explicar às crianças pequenas o que seria o hipocampo. O professor substituto faz alusões à Segunda Guerra Mundial, menciona em detalhes partes do cérebro humano. A intenção, passadas estas informações, seria de chegar à leitura de um poema. Infelizmente (ou felizmente, vai saber), ninguém presta atenção em suas palavras: as crianças gritam, correm, ignoram o adulto. Ele chora e se desespera, até desmaiar em aula. “O professor morreu?”, pergunta um garotinho, diante do corpo inerte do protagonista.
Esta imagem, tão triste quanto patética, corresponde à cena inicial de Ari, e resume de maneira eficaz o tom da comédia dramática. Rimos do absurdo e improbabilidade das situações — ou seja, o riso de desconforto, de inadequação. Trata-se do humor um tanto culpado e envergonhado, posto que nos divertimos com o sofrimento alheio. Afinal, Ari é um sujeito depressivo, solitário, rejeitado pelo pai, e esquecido pelos amigos próximos, depois de três anos de reclusão voluntária. Ele está magro, estafado, apenas parcialmente medicado.
Assim, o longa-metragem investe numa crônica da juventude francesa em situação geral de abandono ou depressão. O professor-que-não-sabe-ensinar constitui um protagonista errante, reencontrando-se com amigos distantes em cada cena. Muitos personagens coadjuvantes nem sequer retornam à trama, que opera na estrutura “uma sequência, um amigo novo”. O rapaz descobre que sua amiga pretende não ter emprego nenhum. Percebe que o colega vivendo num casarão conquistou o sucesso graças à ajuda do sogro, e vive num casamento de fachada com a mulher que não ama.
A diretora Léonor Serraille continua procurando o encanto dos indivíduos tristes. Ela não acredita que a sociedade ande muito bem e, ainda assim, enxerga certa beleza na decadência.
Em sua filmografia, a diretora Léonor Serraille continua procurando o encanto dos indivíduos tristes. Acredita que a verdadeira poesia reside nas pessoas que não agem conforme as regras da sociedade — por falta de instrução, no caso, ao invés de uma rebeldia politicamente direcionada. Desde Paula (Laetitia Dosch) de Jovem Mulher, a autora investiga os trabalhadores que trabalham mal; os pais que não cuidam bem dos filhos; os amantes incapacitados a dar e receber carinho. As pessoas se trombam, ao invés de se reunirem; e se prejudicam sob pretexto de se ajudarem. Ela não acredita que a sociedade ande muito bem e, ainda assim, enxerga certa beleza na decadência.
Em contrapartida, enquanto Jovem Mulher sublinhava com intensidade o humor do absurdo, Ari se revela muito mais melancólico. As piadas se atenuam, cedendo espaço para minúsculos momentos de desconforto. Ela constrói, por exemplo, uma sucessão de tensões homoeróticas entre o protagonista e seus melhores amigos, até canalizá-las, gentilmente, no terço final. Sugere que o herói tenha visões a respeito do passado recente de seus colegas, abordadas sem qualquer alarde — o personagem tampouco tira proveito destas habilidades. Trunfos bastante apropriados à comédia pastelão tornam-se notas de rodapé no percurso deste andarilho urbano.
A estética acompanha lindamente a atmosfera de esgotamento. A trilha sonora funciona como uma peça única em desenvolvimento, que surge ora timidamente, ora de maneira mais imponente. Neste último caso, oferece uma melodia doce, misturada a ruídos e barulhos, distantes da composição tradicional. A música foge à obrigatoriedade de sublinhar emoções fortes (grandes felicidades e profundas tristezas), aparecendo sobretudo nos saltos temporais, na passagem de uma cena a outra. Transmite certa impressão de deslocamento do real, como se a jornada inteira constituísse um sonho delicado.
Algo semelhante ocorre com as luzes, cores e textura da imagem. Ari se constrói em tons queimados (ou seja, de cor saturada, porém de pouca vivacidade), em registro granulado — seria película, ou efeito parecido no suporte digital? De qualquer modo, a impressão de uma imagem de antigamente nos retira da crônica da contemporaneidade solitária. Serraille evita atribuir tais características a esta geração em particular, estimando que tal estado de espírito seja uma constante entre gerações — vide o temperamento do pai de Ari, jogando tinta na parede e cortando papéis para a neta recém-descoberta.
“Você fala da vida, mas tenho impressão que fala da morte”, confessa o protagonista a uma amiga. “Você tem medo de envelhecer, de morrer?”, ele prossegue. “Você adora mergulhar na melancolia”, define a professora de teatro. O longa-metragem nos retira tanto da comédia habitual, esforçada em fazer rir, quanto do melodrama contente com sua própria dor. Posiciona o espectador numa montanha-russa permanente: a cada tirada filosófica, introduz cenas de um pombo defecando na cabeça de Ari, ou dos dois colegas rolando em plena rua, trocando socos e chutes.
O projeto alterna entre a euforia moderada e o abatimento passageiro, rompendo com expectativas: nos encontros banais, o professor trava conversas valiosas para a sua recuperação emocional, enquanto falas muito graves com a antiga namorada se desenvolvem como uma troca qualquer. A cineasta desloca tons e intensidades, concebendo adultos infantis, homens heterossexuais efeminados, casais desempregados e contentes com tais circunstâncias. Sua proposta cinematográfica soa como um longo jogo de suposição: “E se…?”. Então, desenvolve de maneira realista as propostas impensáveis. A dose precisa de prostração proporciona o equilíbrio necessário para a comédia reverberar junto ao espectador muito após a sessão.