Como ponto de partida para analisar este documentário, algumas considerações são necessárias. Em primeiro lugar, Luiz Carlos Barreto constitui uma figura fascinante do cinema brasileiro. Os testemunhos do cineasta, produtor e diretor de fotografia a respeito dos filmes em que trabalhou são valiosíssimos. Ele compartilha sua iniciação na cinematografia e a percepção acerca dos trabalhos de luz e imagem efetuados por outros profissionais da época. Em paralelo, detalha a parceria formada com Nelson Pereira dos Santos em Vidas Secas, e com Glauber Rocha em Terra em Transe.
Trata-se de relatos preciosos para qualquer espectador interessado em cinema, embora o mérito de tais reflexões recaia sobre o protagonista, ao invés do filme destinado a representá-lo. Isso nos leva à segunda ponderação importante: o ângulo escolhido pelo diretor Miguel Freire é bastante justificável. Barreto já foi bastante explorado enquanto produtor de obras fundamentais da produção brasileira, a exemplo de Assalto ao Trem Pagador, Terra em Transe e Dona Flor e Seus Dois Maridos. Em contrapartida, o cinema ainda não havia explorado a contento sua contribuição no cargo de diretor de fotografia.
Logo, as motivações se compreendem facilmente. O artista divide inúmeros episódios de sua vida profissional ao longo de Fotógrafo das Lentes Nuas, e teria dezenas de outros momentos a narrar. A obra está longe de esgotar a riqueza da trajetória de seu entrevistado. Além disso, no tempo em que discutimos políticas públicas para a retomada do cinema brasileiro pós-paralisação do governo anterior, as lições tiradas por Barreto face à ditadura militar soam bastante relevantes.
Como pode um filme sobre direção de fotografia demonstrar interesse nulo pela própria direção de fotografia? Como pode um filme a respeito de clássicos do cinema brasileiro não dispor das cenas nas quais se baseia?
Com estas ideias em mente, é preciso discorrer a respeito do filme propriamente dito. Se você decide basear um longa-metragem inteiro numa única entrevista de poucas horas — escolha arriscada em si —, você garante que as imagens e os sons tenham a melhor qualidade possível, correto? Uma luz adequada, som limpo, alternativas de ângulos para criar dinamismo na montagem. Posto que Barreto reflete acerca do passado, detalhando a luz e as escolhas de enquadramento de inúmeros filmes brasileiros, seria evidente a necessidade de adquirir os direitos autorais das cenas mencionadas, certo?
Errado. Nada disso está presente no projeto carioca. Barreto se senta numa sala comum, num único ângulo, da primeira à última cena. A fotografia de Paulo Castiglione arrisca pequenos deslocamentos para se acomodar à gestualidade do homem conforme se expressa, porém, o ponto de vista permanece idêntico. O protagonista é banhado por uma luz branca, frontal e estourada à sua direita, e por uma luz amarelada e subexposta à esquerda. Conforme se move para frente ou para trás na cadeira, ele se escurece, sai de foco, enquanto a câmera teima em recolocá-lo nos moldes propostos.
Como pode um filme sobre direção de fotografia demonstrar interesse nulo pela própria direção de fotografia? Enfim, os problemas persistem. Os criadores trabalham com uma imagem digital de baixa qualidade, nitidez excessiva, granulação exagerada — em outras palavras, uma textura pouco usual nas salas de cinema, para qualquer filme com pretensão de ser exibido em tela grande. A montagem acompanha as fragilidades, cortando frases no meio da fala, interrompendo palavras pela metade, alternando sem critério distinto entre o corte seco e o fade.
O trabalho de som também aproxima o resultado do amadorismo. Barreto relata suas histórias fascinantes enquanto escutamos pessoas conversando ao fundo, o telefone tocando, e alguns barulhos altos distraindo a atenção do espectador (algum objeto teria caído da mesa, fora de quadro?). O volume se mostra desigual, assim como a interação entre falas e música. Quando os entrevistadores tecem comentários em off, o som estoura em limites impensáveis. Ora, estes não são problemas dificílimos de corrigir, que necessitariam o orçamento de uma gigantesca produção. Pelo contrário, seriam ajustes básicos, possibilitados por programas simples de edição.
Ora, se a captação atual contém inúmeras falhas, ao menos o material de arquivo, a respeito de obras-primas do cinema brasileiro, salvaria a experiência, não é? Errado novamente. É incompreensível que os criadores tenham seguido adiante com o projeto sem a autorização para exibir cenas dos filmes citados. Barreto menciona trechos e passagens específicas dos clássicos, embora não os vejamos em tela. Em seu lugar, entram fotografias still de baixa qualidade, pixelizadas, beirando a abstração. No início, uma destas fotografias possui o selo Getty Images impresso na imagem.
Como pode um filme a respeito de clássicos do cinema brasileiro não dispor das cenas nas quais se baseia? Como se pôde acreditar que, mesmo na ausência destes registros, havia material suficiente para um longa-metragem? Novo mistério. Barreto, Fotógrafo das Lentes Nuas carece de imagens, de pesquisa e, sobretudo, de esmero estético, conceitual, de linguagem. Não se dispõe de um acervo mínimo para ocupar sua duração, nem honrar um homem da envergadura e importância de Barreto.
Depois do igualmente problemático Barretão (2019), de Marcelo Santiago, este novo documentário demonstra a dificuldade do cinema independente recente em honrar uma figura fundamental da nossa trajetória. Sim, as falas do artista são excelentes, apesar do filme. No entanto, quando se deseja homenagear uma pessoa e registrá-la na memória, tamanho desapego às formas e à narrativa, tamanho descaso com a luz e os enquadramentos estão longe de representar uma maneira elogiosa de eternizá-lo. Posto que o cinema brasileiro compreende o valor deste homem, que lhe ofereça um projeto digno de sua filmografia.