Blue Moon (2025)

Biografia em tempo real

título original (ano)
Blue Moon (2025)
país
EUA, Irlanda
gênero
Drama, Comédia, Biografia
duração
100 minutos
direção
Richard Linklater
elenco
Ethan Hawke, Margaret Qualley, Bobby Cannavale, Andrew Scott, Patrick Kennedy, Jonah Lees, Simon Delaney
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

“Ele era uma pessoa muito alegre, divertida de estar por perto”. “Ele era a pessoa mais triste que eu conheci”. As duas citações abrem Blue Moon. Ora, como alguém pode ser ambos, ao mesmo tempo? Esta é a contradição que o diretor Richard Linklater deseja explorar ao longo de 100 minutos, numa biografia bastante particular do compositor Lorenz Hart (Ethan Hawke). Isso porque a ação se situa durante uma única noite, dentro de um bar, em tempo real — ou seja, os eventos ocupam 100 minutos na vida dos personagens. 

O roteiro de Robert Kaplow se concentra no período de decadência do artista, que rompia com o parceiro de trabalho Richard Rogers (Andrew Scott) após quase 25 anos desenvolvendo espetáculos juntos, e acabara de ver o maior sucesso da carreira do outro, com a estreia do musical Oklahoma!. Hart ainda viria a compor algumas canções de pouco destaque, e morreria menos de um ano depois. Foi encontrado caído numa viela, sob a forte chuva — os exames indicaram alto grau de embriaguez. Logo, o projeto não parte de um elogio de vida e obra do criador da canção Blue Moon (que ele mesmo detestava, aliás). Prefere se focar na complexidade da criação artística. 

O show, no caso, pertence a Ethan Hakwe. O ator se encarrega de um texto longuíssimo, repleto de variações que vão da euforia à depressão, da sedução à raiva. O filme possui um caráter verborrágico, com nenhuma cena de descanso. O protagonista é visto como um sujeito sarcástico, cínico, capaz de um humor autodepreciativo, porém, de tiradas ainda mais agressivas em relação aos amigos e parceiros. Trata-se de alguém que insistia em chamar atenção para si, em ter olhos e ouvidos dos amigos voltados à sua presença —sobretudo na noite em que se sentia rejeitado e esquecido pelo showbusiness

O show pertence a Ethan Hakwe. O ator se encarrega de um texto longuíssimo, repleto de variações que vão da euforia à depressão, da sedução à raiva. Linklater promove um verdadeiro carrossel emocional amparado pelo grande elenco.

Por isso, Hart será considerado encantador ou insuportável, dependendo da tolerância do espectador a um comportamento tão histriônico. Ajuda muito, é claro, a qualidade excepcional do texto. As falas contêm piadas com matrimônio, uma ode aos pênis semieretos, provocações com a estatura de Oscar Hammerstein (Simon Delaney), insinuações sobre o sexo com Elizabeth Weiland (Margaret Qualle), etc. A alegria provocada pelo álcool se mistura à tristeza do declínio profissional, sob o cenário da Segunda Guerra Mundial — o pianista do bar, Morty Rifkin (Jonah Lees), está prestes a voltar ao combate.

Trata-se de um mergulho por ambiguidades, tanto pela sexualidade de Hart (que todos estimavam ser homossexual, devido ao aspecto efeminado, embora nutrisse uma paixão platônica por Elizabeth), quanto pela importância de seu legado, e por ter sido alçado ao estrelado com um hit que considerava indigno de seu talento. Ele afirma ter parado de beber, porém, bebe o tempo todo; sugere a possibilidade de ir embora, mas nunca parte de fato; tece inúmeros elogios à apresentação de Oklahoma!, apenas para destruí-la em poucas frases a seguir. Com Rogers, riem, elogiam-se e, segundos depois, começam a se insultar. 

Linklater promove um verdadeiro carrossel emocional amparado pelo grande elenco. Apesar de Hawke dominar a integralidade das cenas, o elenco ao redor possui o desafio de elevar o jogo cênico ao patamar do personagem controlador. No papel do garçom, Bobby Cannavale interpreta o tipo malandro, afetuoso, escutando o compositor para que seu próprio trabalho, atrás do balcão, passe mais rápido. As interações com Andrew Scott possuem a intensidade de um filme de ação, já com Margaret Qualley, dotada de um palavreado igualmente seco e espontâneo, tornam-se amigos queer, descrevendo o prazer do sexo com um sujeito musculoso. Junto ao escritor E.B. White (Patrick Kennedy), encontra instantes de leveza, poesia e admiração pelas palavras.

Logo, ao invés de levar Hart ao mundo, o cineasta faz com que diversos setores da sociedade venham até o bar-palco onde se desenvolve a ação. São homens e mulheres, mais velhos ou bem jovens, familiares com o universo artístico ou ignorantes em relação às obras do compositor. No que diz respeito à carga de diálogos e ao uso dos cenários, Blue Moon pode ser considerado um projeto excessivamente teatral, dependendo demais do texto para avançar. De fato, os personagens interagem pouquíssimo com o cenário, para além dos deslocamentos do balcão à chapelaria, da entrada ao banheiro.

Entretanto, o diretor de fotografia Shane F. Kelly e a montadora Sandra Adair (colaboradores habituais do cineasta) fazem o possível para transmitir um dinamismo do olhar onipresente àquele espaço. Isso significa que o cenário é filmado em todos os ângulos possíveis, em 360º. Uma única provocação de Hart com os colegas é capturada por cinco, seis planos diferentes, saindo do close-up ao plano de conjunto, com eventuais aproximações e deslocamentos da câmera. A direção de arte ainda cria espaços segmentados, com a proximidade do balcão mais silenciosa e vazia, enquanto a algazarra se concentra num cômodo ao lado. 

Cinematograficamente, o vai e vem dos corpos e das falas propõe uma coreografia muito bem articulada, que nem desperta a aparência de repetição, nem acelera as trocas para imprimir um ritmo artificial. O trabalho de sons, alternando a clareza dos diálogos, a trilha in loco do pianista e o barulho dos grupos ao lado, também contribui à oscilação de instantes febris ou melancólicos. Já a direção de arte elabora um bar verossímil para os anos 1940, que felizmente não chama a atenção a um filme “de época” (até porque todos os personagens vestem a mesma roupa da primeira à última cena). Esteticamente, Linklater desvenda a convivência entre alegria e tristeza, que constituía seu ponto de partida.

É possível que Blue Moon soe, de fato, um tanto maçante no segundo terço, quando algum momento de solidão ou recolhimento de Hart seria benéfico, para equilibrar a metralhadora verbal do personagem. Fãs do compositor talvez não apreciem este olhar voltado à decadência, com pouca ênfase no trabalho do artista durante décadas. Focar-se no protagonista no instante exato em que decai, pessoal e artisticamente, talvez soe delicado para alguém de tamanho reconhecimento no meio, até então. Mesmo assim, Linklater evita o caráter laudatório e excessivamente linear dos biopics, propondo fragmentos de uma personalidade complexa, que nunca tenta explicar, nem resumir. O diretor respeita as contradições de Hart — e aí, possivelmente, reside o seu principal trunfo.

Blue Moon (2025)
8
Nota 8/10

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