Spring Night (2024)

O fundo do poço

título original (ano)
Bombam (2025)
país
Coreia do Sul
gênero
Drama
Duração
67 minutos
direção
Kang Mi-ja
elenco
Han Ye-ri, Kim Seol-jin
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

“Desastre e má sorte”. Este é o apelido que a professora Yeong-gyeong (Han Ye-ri) atribui ao casal que forma com Su-hwan (Kim Seol-jin). Isso porque os dois se conhecem num momento particularmente frágil de suas trajetórias. Ela bebe sem parar numa festa de casamento, onde todos os outros convidados já estão inconscientes devido ao álcool. Ele se encontra sem lar, sendo tratado com condescendência pelos colegas. Os dois conversam por serem as últimas pessoas ainda acordadas no evento. Voltam para casa juntos por não haver nenhuma outra possibilidade de interação humana no horizonte.

Entretanto, a partir deste momento, a situação apenas piora. Ela bebe cena após cena, sem descanso. O roteiro explica os motivos para a decadência: a mulher divorciou de um sujeito abusivo, que levou o filho pequeno do casal para outro país. Incapaz de recuperar o pequeno, ela se afunda no vício, que provoca na demissão das escolas onde lecionava. Não há perspectivas de melhoria num futuro próximo. Dia e noite, a qualquer instante, ela alterna cerveja com bebidas ainda mais fortes, até dormir de exaustão. Cambaleia na saída das mercearias, e conta com o namorado para levá-la de volta para casa.

Já o homem sofre com a dificuldade financeira, além de uma artrite reumatóide que limita os movimentos e provoca dor constante. Ele sabe que, em pouco tempo, estará preso a uma cama ou cadeira de rodas. Até por isso, decide permanecer o máximo de tempo possível com Yeong-gyeong, sabendo que a dependência química a torna incontrolável em diversos momentos. O companheiro nunca se irrita com ela. Aceita o pouco de afeto que lhe resta, onde possa encontrá-lo. Afinal, nenhum dos dois está em capacidade de questionar as medidas alheias. Auxiliam-se quando podem e destroem-se lado a lado, aproveitando os últimos instantes de uma narrativa que se encaminha, indiscutivelmente, para a tragédia.

O problema de tamanho miserabilismo consiste em reduzir os personagens a sintomas sociais. Não se trata de figuras complexas que, entre diversas características, possuem doenças. Eles são suas doenças, limitam-se a isso.

Spring Night (Bombam, no original) constitui um drama com D maiúsculo, do tipo que coincide conflito com sofrimento. A cineasta Kang Mi-ja não concebe um único instante em que os dois estejam sorridentes, ou pelo menos pacíficos, em atividades dissociadas de sua ruína pessoal. Minuto após minuto, eles choram, gritam, se desesperam. Caem no chão inúmeras vezes (ela, por embriaguez, ele, por dores articulares), arrastando-se em direção ao outro (e dá-lhe plano próximo das roupas sujas de terra, dos cabelos emaranhados). Pedem desculpa, imploram perdão, apenas para caírem aos prantos novamente. 

Deste modo, a narrativa faz do abismo um meio e uma finalidade, além de um espetáculo ao espectador. Encontra minúsculas poesias em frases evocadas pela mulher embriagada, em off, conforme o parceiro a carrega nas costas, pela madrugada. “Oh, primavera!”, ela recita, antes de lembrar: “Não tem como viver. Mas tem como morrer”. Numa dinâmica da gradação, cenas equivalentes se repetem, sugerindo desgaste: a mesma garrafa de álcool, o mesmo bar; o corpo dela jogado sobre o dele, o sono profundo dos bêbados. Eles nem sequer se beijam, ou dão vazão a qualquer impulso erótico: contentam-se com a companhia silenciosa alheia na maior parte do tempo.

A cineasta apela para uma estética igualmente mambembe, caseira, no intuito de representar indivíduos marginais. Apela para a textura digital de baixa qualidade, uma captação de som suja e ruidosa, aparentemente vinda da própria câmera. Assume a luminosidade desfavorável das luzes de lâmpadas, do sol forte de manhã, da noite profunda no beco por onde Yeong-gyeong vem e vai entre o hospital e seu apartamento. Ao mesmo tempo, demonstra o rigor de composições através dos planos fixos, e do longo black da montagem sugerindo passagem de tempo no interior de cada atividade (como as horas passadas no bar, por exemplo).

O problema de tamanho miserabilismo consiste em reduzir os personagens a sintomas sociais. Não se trata de figuras complexas que, entre diversas características, possuem doenças. Eles são suas doenças, limitam-se a isso. Nunca conhecemos a paixão da mulher pelo ensino, as memórias com o filho distante, a luta que possivelmente travou pela guarda do menino, ou os lares temporários do homem, e a maneira como viveu o diagnóstico enquanto se encontrava em situação de rua. Os dois não têm futuro, e tampouco apresentam um passado. Limitam-se ao eterno presente, a corpos enfermos e mentes esgotadas. Mal comem, não se divertem, não sonham. 

Logo, a diretora despreza toda alternativa ao tormento. Mergulha no calvário interminável, que levou diversos espectadores na sala de cinema a abandonarem a sessão do Festival de Berlim. A proposta soa cansativa, apesar de enxutíssimos 67 minutos, além de exploradora, perversa. Existe uma linha nada tênue entre acompanhar, de maneira empática, a vida de pessoas com dificuldades, e acreditar que eles só interessem ao cinema enquanto estiverem gritando, chorando e espumando, jogados ao chão. Ora, toda marginalidade somente se constitui enquanto tal quando comparada com um centro, alguma construção social representando a norma. 

Ora, o olhar da direção se apaixona pelo bueiro, e não se desapega deste nível rasteiro de humanismo da lamentação. O final, é claro, concretiza o fatalismo previamente anunciado ao longo desta jornada. Ainda o enxerga por um prisma problematicamente romântico — como se fosse ainda mais belo observar o colapso simultâneo de ambos, num avesso simetricamente perfeito do gozo simultâneo. Aqui, afundam-se em paralelo. Não há poesia que salve tamanho desprezo pelos personagens, e nem tanta música que atenue a dureza sórdida do olhar paternalista. Spring Night encerra seu discurso na mesma constatação de onde partiu, por nunca estimar que sua dupla pudesse realmente chegar a lugar nenhum.

Spring Night (2024)
2
Nota 2/10

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