Uma mulher efetua uma performance erótica em frente à webcam. Nós a enxergamos à distância, e ignoramos seu nome ou percurso. Poucos segundos depois, esta figura anônima desaparece. Não a veremos mais. Um ilusionista veste os trajes característicos para o show, testando sua carteira-lança-chamas em frente ao espelho. Talvez seja uma figura interessantíssima, mas nunca saberemos. Ele também desaparece. O músico KL Jay, dos Racionais Mc’s, discoteca dentro de casa — para a câmera, aparentemente. Ele pode ter uma história pessoal fascinante com o Copan. Mistério. O homem retorna uma única vez, em cena quase idêntica: discotecando sozinho em casa. Os instantes se equivalem.
Copan possui uma maneira muito particular de enxergar o edifício do centro de São Paulo. A diretora Carine Wallauer privilegia as áreas comuns, passando longos minutos na galeria comercial sob as residências, nas ruas ao redor, na garagem, na portaria, na copa dos funcionários. Assiste a parte considerável da assembleia de condôminos via Zoom, visando determinar o novo síndico; e admira pacientemente as portas dos diversos apartamentos (quantos segundos dura a placa do “gatinho bravo”?). No entanto, este é seu limite pessoal: a mulher que viveu sete anos naquele local se recusa a mergulhar nas vidas dos antigos vizinhos.
É curiosa a sensação de que faltam conflitos, assim como falta densidade humana, ao filme focado em um dos edifícios mais populosos e diversos de São Paulo.
Assim, o único personagem que conhecemos ao longo de toda a sessão é o próprio Copan, na condição de protagonista. O síndico ameaça se converter numa figura importante, mas será restrito à sua função principal. Os porteiros, igualmente, nunca deixam de ser apenas porteiros. A autora dispensa as subjetividades destes indivíduos, suas trajetórias, as relações de amor e ódio que possam nutrir pelo gigantesco condomínio residencial. Ora, como abordar um local conhecido pelos mais de cinco mil moradores, sem se interessar pelos moradores? Logo após abrir o filme com um extenso letreiro declarando sua relação afetiva pelo Copan?
“O prédio me chamou como uma miragem no deserto para quem tem sede”. Talvez os habitantes ao lado tivessem confissões e anedotas a contar, porém, os observamos de fora, à distância, num registro que beira o voyeurismo. Escutamos atrás da porta, aproximamo-nos com cuidado através de um drone externo. A câmera deste documentário parece ter ganho acesso aos bastidores do prédio, por onde perambula sem saber ao certo o que pretende encontrar. Que potencial (estético, narrativo, informativo) ela pode retirar do rápido passeio pela garagem? Das subidas e descidas pelas rampas? O discurso tampouco parece saber.
Assim, o projeto interessa mais enquanto evocação mítica e lúdica de um ícone paulistano do que pela representação de uma construção concreta, de um espaço de vida. Wallauer, nas funções de cineasta e diretora de fotografia, cria instantes dignos de ensaios poéticos-visuais: um senhor desfocado, em movimentos próximos da dança; três funcionários iluminados pelas fortes lâmpadas vermelhas ao final; outro trabalhador verificando se as portas estão fechadas enquanto a tarde cai. Existe uma preocupação poética, apesar de não se contar com uma textura digital da melhor qualidade. Busca-se certo lirismo das cores e dos espaços em si — apesar dos humanos que possam ali transitar.
A principal tese da autora consiste na leitura do Copan enquanto microcosmo da polarização política brasileira. O filme foi realizado especificamente durante as eleições presidenciais de 2022. Por isso, as conversas e os símbolos concentram-se na predileção por um candidato ou outro. Registram-se os funcionários petistas, discutindo com o colega bolsonarista; a mulher que vota vestida de vermelho, e o sujeito que canta “Bolsonaro” a plenos pulmões nos corredores da galeria. Os curtíssimos momentos em que a câmera ousa entrar nas casas serve a acompanhar fragmentos de famílias apoiando um campo ideológico ou outro. Que opiniões fascinantes estas pessoas devem ter, vivendo ao lado de vizinhos com pensamentos tão distintos. Que belas fricções poderiam gerar!
Ao final, não se sabe ao certo por que o Copan, em particular, seria tão representativo da divisão política, em detrimento de qualquer outro prédio ou bairro de São Paulo — falta à autora explanar a origem de sua hipótese, assim como suas metodologias. As falas em off, a respeito das esperanças e receios das eleições, focam-se no período de transformação, curiosamente atrelado a um prédio onde nada parece mudar. Trata-se da mesma estrutura desde sempre, de problemas que parecem crônicos, e de um síndico em seu 16º mandato. Ao filmar a comemoração de jovens de esquerda no Copanzinho, um homem em situação de rua aparenta causar certo tumulto. Logo, a situação se acalma. Buscava-se algum discurso particular através desta interação?
É curiosa a sensação de que faltam conflitos, assim como falta densidade humana, ao filme focado em um dos edifícios mais populosos e diversos da cidade. Para além de seus campos explícitos (lulistas-bolsonaristas) que outros traços essas pessoas possuem? O que existe por trás da rusga mencionada, a respeito de vizinhos que cospem um no outro, e da polêmica gestão do síndico? Por que acompanhá-lo acenando pacificamente a todos, como se estivesse em campanha? O discurso por trás do longa-metragem é um tanto opaco. Wallauer deseja bastante mostrar este espaço, porém, não se sabe ao certo o que deseja transmitir através de suas imagens.
Resta um ensaio de ritmo lento, movido por imagens um tanto arrastadas, repetidas e herméticas. Há muita beleza a se comemorar, costurados a planos protocolares, de pouco interesse estético ou humano, na copa e junto ao elevador. Como o Copan se integra aos bairros ao redor? Ainda abriga pessoas de baixíssima renda, ao lado de pessoas de classe média? O que levou a própria autora a ser expulsa do apartamento, conforme ela explica no início? Copan adora orbitar seu tema, navegar com drones e estabilizadores de imagens pelos espaços acima, abaixo e ao lado da construção. Evita, em contrapartida, mergulhar nas entranhas da criatura. “Um quarto vazio nem sempre foi um quarto vazio”, declara a poética frase inicial. Entretanto, para o espectador, os milhares de quartos ainda parecem, ao final, bastante vazios.