Samuca (Matheus Costa) atravessa o período mais difícil de sua vida: aos 17 anos, descobre a gravidez da namorada Alicia (Heslaine Vieira). Ele mesmo nasceu quando sua mãe era adolescente, e cresceu sem a presença do pai. Por isso, teme reproduzir a “sina” que afeta todas as gerações da família em dificuldades financeiras. Como a garota não pretende abortar, o skatista se depara com a perspectiva indesejada de se tornar pai, antes mesmo de concluir o Ensino Médio.
Apesar do aspecto grave deste cenário, o diretor Pedro Amorim insiste em abordar os conflitos com leveza e bom humor. Derrapada se insere no subgênero do feel good movie, destinado a oferecer uma experiência descontraída. Ele procura equilibrar a dramaticidade do real com a diversão proporcionada por inúmeras ferramentas cinematográficas de tranquilidade e atenuação (trilha sonora indie, animações que ganham vida, piadas, o personagem que se vira à câmera e conversa diretamente com o espectador). A perspectiva é inegavelmente otimista — muito antes do final, o espectador terá a certeza de que esta família involuntária terminará com amores e sorrisos.
O controle de tons constitui o elemento determinante do longa-metragem. Isto comprova que a aparência de camaradagem não se constrói pelo improviso e a abertura ao real, mas por uma rédea firme da mise en scène, destinada a impedir que o amargor da vida de classe média-baixa contamine a experiência da comédia. Cada vez que Samuca recebe uma notícia triste ou angustiante, a trilha sonora alegre vem resgatá-lo, ou uma trapalhada o coloca de volta nos trilhos. Terminada uma cena melodramática, a seguinte será necessariamente engraçada, ou tragicômica. No meio de um instante de tensão (o anúncio da gravidez aos pais da garota, por exemplo), ele lança uma tirada cômica fora de contexto, para aliviar o peso do jogo cênico.
Amorim evita a todo preço fornecer lições de vida, assim como dispensa julgamentos morais. A direção se posiciona enquanto cúmplice isenta dos acontecimentos.
Assim, a linguagem decide enfrentar o tema da gravidez na adolescência, do abandono parental e da baixa renda através da escapatória, da fuga, da distração. Todos os elementos sociais decorrentes deste universo estão presentes, e bem representados: a vida dura da mãe, preparando doces para vender e sustentar o filho; as dificuldades de se manter na escola; o racismo dirigido a Alicia. O roteiro ainda toma a precaução fundamental de criar uma garota forte e politizada, filha de pais negros bem-sucedidos, que exigem um nível de sucesso igualmente alto para a garota. Há uma distribuição inteligente de raça e classes.
No entanto, Amorim evita a todo preço fornecer lições de vida, assim como dispensa julgamentos morais aos envolvidos. A direção se posiciona enquanto cúmplice isenta dos acontecimentos: a câmera está próxima o bastante de todos os personagens, em simultâneo, de forma quase onisciente. Entretanto, evita tomar partido por um em detrimento de outro. Pelo contrário, busca compreender o lado de todos, seja na cobrança da mãe Melina (Nanda Costa), na rigidez do casal formado por Luís Miranda e Jussara Mathias, nas cobranças de Alicia e no aspecto irresponsável de Samuca. “Essas coisas acontecem”, parece afirmar a narrativa, numa chave tão empática quanto inconsequente.
Esta generosidade no olhar já posiciona o resultado acima de outro semelhante: Papai É Pop (2021), dirigido por Caíto Ortiz. Nele, Lázaro Ramos interpretava um jovem adulto pouco afeito às responsabilidades paternas, e cogitando abandonar a criança, assim como havia sido abandonado pelo pai. O foco se encontrava unicamente nele, em suas dores e incertezas. Ao final, ele se convertia em super-pai, pai-herói, dando dicas de cuidados num blog. A trama enaltecia a figura masculina por fazer aquilo que constitui sua mínima obrigação. Já a mulher era deixada de lado, tendo seu sofrimento minimizado diante das dúvidas do protagonista.
Derrapada favorece a perspectiva de Samuca, ainda que dedique atenção considerável a Alicia e Melina. É certo que, durante a pequena fuga do garoto “para pensar” em Cataguases, num segmento de forte aparência turística, a montagem paralela se esquece das mulheres e comprova seu verdadeiro foco no garoto. Passada a derrapada do próprio filme, volta a articular a montagem paralela de maneira mais igualitária. Apesar de o livro Slam, de Nick Hornby, que serviu de base ao roteiro, já se focar na figura do garoto, há de se pensar na predileção deste cinema popular e agradável pelas dores familiares dos homens, ao invés daquela das mulheres de que fato carregam os bebês.
Em paralelo, a direção se preocupa em mastigar sentidos e esclarecer metáforas, caso o espectador não consiga detectá-las sozinho. O skatista ídolo, Bob Burnquist, joga-se num penhasco em ato heroico aos olhos dos meninos. A ideia de cair em queda livre constitui claro símbolo de Samuca, enveredando por território desconhecido com o bebê a caminho. No entanto, o garoto-narrador chega para esclarecer: “Ter um filho nessa idade é tipo o Bob pulando do penhasco”. Ao questionar a mãe sobre os rumos da gravidez, Samuca pergunta, enquanto joga Jenga: “Vai ficar tudo bem, né?”. A torre de peças imediatamente colapsa.
Quando o espectador sabe da gravidez, porém o garoto ainda não, frases premonitórias de uma ironia evidente invadem o texto: “Eu estava em choque: dar de cara com o nosso maior ídolo era um sinal de que tudo daria certo”. Assim que recebe a notícia de Alicia, os pais o soterram de elogios amargos: “Você tem um futuro lindo pela frente”, dispara a mãe” Ele se lembra que algo semelhante tinha sido dito à mãe grávida, dezessete anos atrás: “Esse moleque que tá vindo aí, seu filho, vai ser um grande homem”. Há uma pedagogia insistente na comunicação, do tipo que supõe um espectador pouco inteligente. O gesto pode ser considerado como carinho ou desdém pelo público, a gosto.
De qualquer modo, resta uma experiência agradável, de cores fortes, trilha sonora ágil, tiradas espirituosas. Esqueçamos que os atores têm 25 e 28 anos de idade, interpretando adolescentes no Ensino Médio. O cinema brasileiro deseja homenagear a adolescência estimando que ela não seria adequada para representar a si própria. Ignoremos o fato que o final soluciona graves conflitos num passe de mágica, e que a questão racial não se desenvolve a contento. Derrapada se sobressai pela tentativa de oferecer um cinema do meio, capaz de agradar crítica e público, sem cair nas ferramentas popularescas de uma comédia desgastada. Há méritos notáveis nessa forma de comunicação que, embora possa ser refinada, já supre uma lacuna importante na cinematografia nacional.