Um dos primeiros aspectos que chama a atenção em Ela e Eu é o caráter posado, sóbrio, maduro — uma espécie de Drama adulto, com D maiúsculo. A narrativa se centra numa família cuja mãe sofreu um problema de saúde após o parto e entrou em catatonia durante vinte anos. O pai encontrou outra mulher, a filha se acostumou com as duas mães em casa — até o dia em que a matriarca enferma começa a despertar de seu torpor.
A premissa seria perfeita para dramalhões hollywoodianos, o que incluiria grandes explosões de alegria e tristeza profunda pela nova configuração de um núcleo que funcionava bem à sua maneira. No entanto, o diretor Gustavo Rosa de Moura privilegia uma condução desafetada. O despertar de Bia (Andréa Beltrão) ocorre aos poucos. As pessoas ficam contentes, mas não transformam as suas vidas em função disso. Os sentimentos decorrentes dessa novidade são devidamente reprimidos.
Talvez o cineasta buscasse o avesso do sentimentalismo através do olhar simultâneo a uma dezena de personagens: o marido (Eduardo Moscovis), a nova esposa dele (Mariana Lima), a cuidadora (Karine Telles), a filha (Lara Tremouroux), a namorada dela (Jéssica Ellen), os amigos (Bella Camero, Marina Person, Thiago Amaral etc.). Interessa à premissa o efeito cascata: o retorno da mulher que nunca partiu surtirá um efeito determinante na vida de pelo menos uma dúzia de pessoas.
Em contrapartida, o desejo de atenuar, reprimir ou simplesmente minimizar estas manifestações desperta a impressão de frieza, ou de desinteresse. As fortes emoções poderiam se traduzir metaforicamente nos objetos, na arrumação da casa, na maneira como conduzem seus trabalhos, ou em movimentações estéticas da mise en scène. O choque poderia se sublimar em ações cotidianas.
No entanto, o olhar permanece plácido, à altura dos olhos dos personagens, em planos fixos e bem compostos. Nunca se permite o ato falho, a espontaneidade das atuações ou do texto. Existe uma rigidez calculada nessas interações, fruto da abordagem racional do tema. Posto que não enxergamos o mundo pela perspectiva específica de nenhum dos protagonistas — nem Bia —, os pequenos sentimentos manifestos permanecem herméticos ao espectador.
Existe uma rigidez friamente calculada nessas interações, fruto da abordagem racional do tema.
A questão do ponto de vista suscita algumas dúvidas. Diversos dramas corais elegem um ou dois focos prioritários, permitindo passar tempo com suas dores individuais, ou então dedicam-se às angústias de todos, sucessivamente. Aqui, o olhar será distante ao grupo, seja pelo posicionamento da câmera, seja pela montagem cirúrgica, impedindo que as cenas durem um segundo a mais do que o previsto para seu propósito funcional. A única sequência extensa (marido e esposa assistindo ao concerto) é determinada com precisão para seus atores brilharem.
Além disso, o conforto dessa classe média-alta faz com que tenham pouca, ou nenhuma, conta a prestar ao resto da sociedade. O pai marceneiro prepara móveis, mas para quem? Teria alguma entrega próxima, seria bem pago por isso? A esposa atual leciona, e chega a citar problemas com um aluno, sem que isso se concretize em cena. A garota tranca o curso de medicina, de maneira abrupta. Não há problema: eles têm plena condição de manter a bela casa, as viagens esporádicas juntos, as festas com os amigos.
Desta maneira, o tempo passa sem deixar marcas profundas na narrativa. Percebemos a evolução dos meses graças ao quadro clínico de Bia, porém este núcleo progressista e blasé ultrapassa as épocas com uma leveza próxima da indiferença. Algo importante ocorreu na cidade ou no país neste período? Tiveram alguma descoberta, alguma transformação importante? Nada disso. Até o progresso cognitivo de Bia será tratado como uma evidência, uma aparente normalidade na vida confortável de todos.
Ressalvas à parte, o elenco se presta com dedicação ao jogo. Os atores e atrizes estão calibrados de maneira homogênea, tirando proveito dos diálogos e dos pequenos olhares permitidos pelo enquadramento. Eles navegam entre o despojamento e o sarcasmo numa única cena, ou entre o cansaço e o afeto genuíno. É um prazer descobrir um grupo deste calibre promovendo faíscas em cena — o que inclusive desperta o desejo de ver um pouco mais de Karine Telles e Bella Camero, sempre ótimas. Lara Tremouroux, igualmente forte em Medusa, pode se tornar um nome determinante nesta próxima geração de atrizes.
Ela e Eu também comprova o respeito do diretor e dos roteiristas pela noção de família estendida e ressignificada. A jovem possui duas mães e um pai, mas as duas mulheres não nutrem um relacionamento romântico juntos. A ausência de surpresas ou indignações é permitida pelo fato de se situarem num núcleo burguês de esquerda, que aceita tranquilamente a maconha, o sexo e as homoafetividades. Existe uma predisposição a apenas aceitar quaisquer empecilhos no caminho dos personagens, sem sobressaltos. Venha o que virá.
Ao final, resta a impressão de uma obra excessivamente polida, no bom e mau sentidos do termo. Os criadores apostam nesta linguagem segura, direta, que evita “se sujar”: inexistem sequências mais viscerais, ousadas em termos de construção ou linguagem. Ao mesmo tempo, nenhuma passagem chama a atenção por diálogos artificiais ou uma produção mal concebida — tudo se encontra exatamente ali onde se esperaria dele. Trata-se de um cinema “bom aluno”, temeroso de se soltar e arriscar de fato. Ele remete a certa finesse do cinema europeu de autor do fim do século XX, ao invés de uma percepção social contemporânea e tipicamente brasileira.
Por isso, a competência da elaboração esbarra na imagem de uma obra com pouco a dizer, de fato, a respeito dos temas abordados. Ela e Eu observa estes acontecimentos com carinho e atenção, porém evitando posicionamentos, discursos, reflexões, ambiguidades. É difícil perceber algum debate notável a respeito de novos modelos familiares, da incompreensão sobre os mistérios do cérebro, da maneira como o amor supera as normas morais. Ele somente constata uma história ocorrida a terceiros, na posição de cúmplice atencioso, porém não afetado pelo caso. Foi assim mesmo, aconteceu, e só. Não é culpa de ninguém. Ou talvez sim, como em Madame Bovary: é culpa da fatalidade.