Uma câmera na mão, tremidíssima. Luzes profundamente vermelhas. Por trás das grades, uma garota treme de medo, e se debate face ao sequestrador, que tenta lhe aplicar uma injeção na veia. Trilha sonora intensa. A garota se chacoalha, revida contra o homem, e após um simples golpe, sai correndo. Ele se levanta imediatamente e a alcança, em questão de segundos. A música não para. A direção insiste que se trata de um instante muito, muito empolgante, cujo significado somente será compreendido mais tarde.
De certo modo, esta linguagem da intensidade e dos adornos percorre a integralidade de Girls on Wire. Segundo a diretora Vivian Qu, é preciso mostrar ao espectador quando sentir medo, quando ficar aliviado, e quando a ação seria frenética — talvez por estimar que não pudéssemos compreender por conta própria. O filme bebe nos imaginários do melodrama tradicional, das telenovelas, dos filmes de samurai, de gângsteres, de máfia, mas também nos dramas sobre famílias disfuncionais que sonham em reencontrar o amor de seus próximos. Este é o domínio das emoções: interessa sobretudo o riso, o choro, o grito de raiva, etc.
Na trama, a menina que escapou aos bandidos tenta se reconectar com a prima, de idade semelhante. Esta última trabalha como dublê em grandes produções de ação, sendo mal paga, e explorada pelos cineastas tirânicos. No entanto, por precisar de dinheiro, efetua diversas cenas que a deixam cansada e fisicamente machucada. (O título “Garotas em Cabos” passa, inclusive, pelos cabos de proteção que a seguram conforme voa com espadas). Uma vez reunidas, apesar da rejeição inicial, elas se ajudam a escapar das garras dos poderosos que desejam eliminá-las.
Girls on Wire se limita a evocar vagamente o imaginário da ação, reduzindo contextos, simplificando personagens, eliminando relações de causalidade.
O estilo adotado se aproxima bastante da paródia, embora nunca dê o passo assumido para ser visto enquanto humor referencial. Um dos principais incômodos, nesta experiência, se encontra no embate de tons: assistimos a sequências absurdas e exageradas, encenadas com a pompa de drama profundo. Por exemplo, inúmeros flashbacks costuram a narrativa, relembrando a infância das protagonistas. As cenas, em cores mais fortes, não fariam feio a qualquer novela de baixo orçamento, com mulheres indignando-se com a embriaguez do marido, famílias gritando durante o jantar, e sujeitos asquerosos treinando garotinhas para roubarem dinheiro.
A situação não melhora quando se passa às interações contemporâneas. O roteiro está recheado de coincidências convenientes, frases de efeitos e outros tiques que dificultam a crença nesta jornada. Tian Tian (Liu Haocun) encontra um pequeno bico voluntário numa mercearia que vende produtos à Cidade do Cinema, e seu segundo pacote já tem como destinatária a prima bem-sucedida, Fang Di (Wen Qi). “Tirei a sorte grande!”, ela exclama em voz alta. Adiante, a garota desiste de seguir pelo caminho virtuoso e exclama: “Meu pai era um lixo, e eu me tornei um lixo também!”. Ela lamenta inúmeras vezes a própria sorte: “O que eu já fiz que não tenha sido errado? Ter vindo a esse mundo foi errado! Vou jogar dados com o destino!”. É possível imaginar as mocinhas infelizes de folhetins antigos proferindo falas semelhantes.
Somam-se então os símbolos óbvios (a menina apaixonada por corvos tatua um corvo gigantesco no antebraço); as revelações tristíssimas (“Eu não me tornei drogada sozinha. Eles me injetaram!”); os ensinamentos valiosos (“Os sonhos são tão facilmente destruídos!”). Quando surge a necessidade de atacar um adversário, há sempre uma rocha gigantesca à mão (mesmo na areia lisíssima de uma praia). Um gesto de sacrifício profundo ocorre em nome de uma criança que sequer enxergamos na trama, e cujo amor da mãe havia sido ocultado até então. Três bandidos atrapalhados invadem com facilidade um set de filmagem, sendo confundidos com figurantes mal treinados. Todos os familiares pedem dinheiro, exigem dinheiro, falam em dinheiro. As meninas estão cercadas por cobras e sanguessugas.
A narrativa se mostra absurda, raquítica em desenvolvimento de personagens, incompreensível no encadeamento das ações, e risível na tentativa de despertar a empatia do espectador. Surpreende que o roteiro tenha sido escrito pela própria cineasta: ele possui a aparência de um projeto conflituoso, fruto de inúmeros pontos de vista, ou talvez uma minissérie forçadamente comprimida no formato do longa-metragem. É difícil torcer por Tian Tian e Fang Di pelo simples fato de nunca se parecerem com pessoas plausíveis, dotadas de objetivos concretos. Nem mesmo correspondem aos arquétipos de heroínas destemidas e corajosas, vingando um passado de abusos.
Por isso, surpreende o escopo desta produção, que se dá ao trabalho de realmente construir cenas elaboradas de voo da dublê, embora nunca explore a metalinguagem ou o universo do cinema para a continuidade da história. Vivian Qu se mostra muito mais interessada em evocar um imaginário vago do cinema de ação e de gênero, do que realmente em atualizá-lo, homenageá-lo, parodiá-lo, ou estabelecer qualquer forma de fricção mais ativa e instigante com seus referenciais. Girls on Wire se limita a reproduzir o mínimo denominador do imaginário comum, reduzindo contextos, simplificando personagens, eliminando relações de causalidade.
Restam garotas supostamente perigosas, porque os diálogos insistem que assim o sejam, e espertas na arte da vingança, porque as circunstâncias o afirmam. No entanto, nada nos comprova o afeto de uma prima pela outra, nem justifica a separação, muito menos o reencontro e o perdão abruptos. O filme se apaixona pelas guinadas e pelo acúmulo de circunstâncias, ainda que despreze os motivos que levam ao seu acontecimento. Embora possua as mocinhas ferozes, os bandidos perigosos e as cenas de combate, não tem a menor ideia de como torná-las interessantes visualmente, ou relevantes para uma trama cinematográfica.