Em Hurry Up Tomorrow, The Weeknd oferece um filme a si próprio. Ele produz e co-roteiriza a trama, além de encarnar o papel principal. Ao longo do longa-metragem, apresenta as principais canções de seu álbum homônimo, enquanto cita, em paralelo, os títulos mais famosos da carreira (a exemplo de Blinding Lights). Decide mostrar, em especial, que a vida de um astro da música pop não é nada fácil. Apesar da aparência de privilégios, incluindo motoristas particulares e hotéis de luxo, existe uma alma que sangra, um homem apaixonado e triste. “Não é fácil ser eu”, parece gritar cada cena.
Por isso, parte do pressuposto que Abel Tesfaye (o nome original do cantor) está em crise. Ele perdeu o prazer em se apresentar nos shows e lamenta uma ruptura amorosa recente. Em consequência da rotina atribulada, enfrenta um desgaste nas cordas vocais. O empresário Lee (Barry Kheogan) insiste que ele volte aos palcos, responda ao apelo dos fãs e continue produzindo — a máquina não pode parar. Ora, o jovem é levado ao ápice da sua fragilidade mental, resultando num colapso durante a turnê, em plena interpretação de uma música. A voz falha. Ele é humilhado.
O filme afirma que ele se sente perdido, construindo a imagem do herói numa avenida completamente vazia. Abel sente que sentimentos sinistros o consomem — introduz-se, então, uma sombra escura que o ataca na banheira. Experimenta a solidão e desorientação — traduzida em flares e câmeras girando. Não sabe para onde ir — algo materializado num hotel fantástico, de corredores escuros e infinitos. As metáforas são explícitas, óbvias, literais. Para dialogar com uma composição cuja letra menciona clausura e fogo, o diretor Trey Edward Shults concebe — adivinha? — um sujeito amarrado na cama, com o quarto incendiado.
Trata-se de uma ferramenta de marketing, é claro. Uma peça de sustentação para expor aos demais artistas pop a capacidade (simbólica, financeira) de construir um oneroso palácio audiovisual onde The Weeknd é rei.
O cineasta busca atribuir à experiência uma aparência de videoclipe. Compreende-se a escolha, posto que o filme constitui, de maneira não muito disfarçada, uma vaidosa arte conceitual, e peça de propaganda, para o novo álbum de The Weeknd. Por isso, promove uma infinidade de flares, sobreposições, desfoques, flashes multicoloridos e inserts piscando durante uma festa. Busca a aparência perene de vertigem, representando este interior supostamente denso do protagonista. Abel sofre com problemas da infância, sofre com os amores, sofre com o fato que seus fãs não o conhecem de verdade. O homem é profundo e incompreendido, insiste a narrativa.
Ora, a abordagem enfrenta diversos problemas. Em primeiro lugar, o fato que a linguagem estroboscópica, em modo pisca-pisca, dificilmente se sustenta em 105 minutos de experiência. Certamente surtiria efeito menos insistente e redundante num clipe de três ou quatro minutos. Shults se concentra em artifícios que pisquem e chamem atenção a si próprios, tais quais fogos de artifício, desprezando a necessidade de uma função narrativa para os mesmos. Duas cenas de incêndio buscam um impacto visual direto, embora soem inócuas a partir das motivações dos personagens e de sua consequência para a história.
Em segundo lugar, Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes se leva muitíssimo a sério. Acredita estar fazendo um tratado sepulcral a respeito da subjetividade multifacetada do artista, discutindo a verdade por trás das máscaras, o homem por trás do ídolo, e o garoto ferido por trás do músico que poderia passar a noite com qualquer mulher de sua escolha. O discurso trata os privilégios do macho alfa enquanto fardo dificílimo a carregar, que não permitem às pessoas enxergarem a vulnerabilidade inerente ao ícone. The Weeknd acredita se despir de vaidades, revelando o verdadeiro eu.
Entretanto, esta crise existencial beira o constrangimento, em sua superficialidade e egocentrismo. Os pedidos do cantor para telefonar à ex-namorada (ele precisa de autorização do empresário), a insistência em colocar o máximo de músicas de sua autoria “discretamente” na trilha sonora, e o discurso de Anima (Jenna Ortega) a respeito da profundidade escondida em suas composições aproximam o resultado da paródia. Esta jovem, no papel de uma fã enlouquecida com toques de anjo da guarda, o força a revelar o segredo de suas canções e a extensão de seus traumas. Somente assim ele será libertado.
Pobre Ortega, atriz de talento, presa à versão da mulher histérica, hormonal e excessivamente apaixonada — um rejuvenescimento da Annie Wilkes de Louca Obsessão. Cabe a ela servir de porta-voz à ideia de que, por trás de cada letra de The Weeknd, existe um teor autêntico a respeito do valor dos sentimentos, razão pela qual suas letras conquistariam tamanha popularidade junto as fãs. Anima (o nome pretensioso não foi escolhido ao acaso) canta e explica as letras de Abel ao próprio Abel. Estes momentos culminam numa interpretação acapela por parte do astro, besuntado de gasolina — porque ele tem uma canção intitulada Gasoline, entendeu? Trata-se de um dos instantes mais vergonhosos do cinema de ficção em algum tempo.
Terminada esta terapia forçada, Abel encara o espelho e o espectador, como se nos dissesse algo a respeito de sua alma. Por enquanto, após The Idol e Hurry Up Tomorrow, encontramos somente um artista autocentrado, obcecado com o projeto de se vender enquanto figura complexa, de belas letras pessoais, que sofre como qualquer ser humano. Trata-se de uma ferramenta de marketing, é claro. Uma peça de sustentação para expor aos demais artistas pop a capacidade (simbólica, financeira) de construir um oneroso palácio audiovisual onde The Weeknd é rei. Este seria o correspondente cinematográfico de comprar um Rolls Royce durante a crise de meia-idade. Talvez Tesfaye beneficiasse, de fato, de um processo analítico para investigar a origem de tamanho narcisismo. No entanto, seria necessária uma análise diferente desta aqui, conduzida e fabulada por si mesmo.