Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes (2025)

Pobre astro pop

título original (ano)
Hurry Up Tomorrow (2025)
país
EUA
gênero
Drama, Fantasia
duração
105 minutos
direção
Trey Edward Shults
elenco
Abel Tesfaye, Jenna Ortega, Barry Keoghan, Riley Keough, Ash T, Kiara Liz
visto em
Cinemas

Em Hurry Up Tomorrow, The Weeknd oferece um filme a si próprio. Ele produz e co-roteiriza a trama, além de encarnar o papel principal. Ao longo do longa-metragem, apresenta as principais canções de seu álbum homônimo, enquanto cita, em paralelo, os títulos mais famosos da carreira (a exemplo de Blinding Lights). Decide mostrar, em especial, que a vida de um astro da música pop não é nada fácil. Apesar da aparência de privilégios, incluindo motoristas particulares e hotéis de luxo, existe uma alma que sangra, um homem apaixonado e triste. “Não é fácil ser eu”, parece gritar cada cena.

Por isso, parte do pressuposto que Abel Tesfaye (o nome original do cantor) está em crise. Ele perdeu o prazer em se apresentar nos shows e lamenta uma ruptura amorosa recente. Em consequência da rotina atribulada, enfrenta um desgaste nas cordas vocais. O empresário Lee (Barry Kheogan) insiste que ele volte aos palcos, responda ao apelo dos fãs e continue produzindo — a máquina não pode parar. Ora, o jovem é levado ao ápice da sua fragilidade mental, resultando num colapso durante a turnê, em plena interpretação de uma música. A voz falha. Ele é humilhado.

O filme afirma que ele se sente perdido, construindo a imagem do herói numa avenida completamente vazia. Abel sente que sentimentos sinistros o consomem — introduz-se, então, uma sombra escura que o ataca na banheira. Experimenta a solidão e desorientação — traduzida em flares e câmeras girando. Não sabe para onde ir — algo materializado num hotel fantástico, de corredores escuros e infinitos. As metáforas são explícitas, óbvias, literais. Para dialogar com uma composição cuja letra menciona clausura e fogo, o diretor Trey Edward Shults concebe — adivinha? — um sujeito amarrado na cama, com o quarto incendiado.

Trata-se de uma ferramenta de marketing, é claro. Uma peça de sustentação para expor aos demais artistas pop a capacidade (simbólica, financeira) de construir um oneroso palácio audiovisual onde The Weeknd é rei.

O cineasta busca atribuir à experiência uma aparência de videoclipe. Compreende-se a escolha, posto que o filme constitui, de maneira não muito disfarçada, uma vaidosa arte conceitual, e peça de propaganda, para o novo álbum de The Weeknd. Por isso, promove uma infinidade de flares, sobreposições, desfoques, flashes multicoloridos e inserts piscando durante uma festa. Busca a aparência perene de vertigem, representando este interior supostamente denso do protagonista. Abel sofre com problemas da infância, sofre com os amores, sofre com o fato que seus fãs não o conhecem de verdade. O homem é profundo e incompreendido, insiste a narrativa.

Ora, a abordagem enfrenta diversos problemas. Em primeiro lugar, o fato que a linguagem estroboscópica, em modo pisca-pisca, dificilmente se sustenta em 105 minutos de experiência. Certamente surtiria efeito menos insistente e redundante num clipe de três ou quatro minutos. Shults se concentra em artifícios que pisquem e chamem atenção a si próprios, tais quais fogos de artifício, desprezando a necessidade de uma função narrativa para os mesmos. Duas cenas de incêndio buscam um impacto visual direto, embora soem inócuas a partir das motivações dos personagens e de sua consequência para a história.

Em segundo lugar, Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes se leva muitíssimo a sério. Acredita estar fazendo um tratado sepulcral a respeito da subjetividade multifacetada do artista, discutindo a verdade por trás das máscaras, o homem por trás do ídolo, e o garoto ferido por trás do músico que poderia passar a noite com qualquer mulher de sua escolha. O discurso trata os privilégios do macho alfa enquanto fardo dificílimo a carregar, que não permitem às pessoas enxergarem a vulnerabilidade inerente ao ícone. The Weeknd acredita se despir de vaidades, revelando o verdadeiro eu.

Entretanto, esta crise existencial beira o constrangimento, em sua superficialidade e egocentrismo. Os pedidos do cantor para telefonar à ex-namorada (ele precisa de autorização do empresário), a insistência em colocar o máximo de músicas de sua autoria “discretamente” na trilha sonora, e o discurso de Anima (Jenna Ortega) a respeito da profundidade escondida em suas composições aproximam o resultado da paródia. Esta jovem, no papel de uma fã enlouquecida com toques de anjo da guarda, o força a revelar o segredo de suas canções e a extensão de seus traumas. Somente assim ele será libertado.

Pobre Ortega, atriz de talento, presa à versão da mulher histérica, hormonal e excessivamente apaixonada — um rejuvenescimento da Annie Wilkes de Louca Obsessão. Cabe a ela servir de porta-voz à ideia de que, por trás de cada letra de The Weeknd, existe um teor autêntico a respeito do valor dos sentimentos, razão pela qual suas letras conquistariam tamanha popularidade junto as fãs. Anima (o nome pretensioso não foi escolhido ao acaso) canta e explica as letras de Abel ao próprio Abel. Estes momentos culminam numa interpretação acapela por parte do astro, besuntado de gasolina — porque ele tem uma canção intitulada Gasoline, entendeu? Trata-se de um dos instantes mais vergonhosos do cinema de ficção em algum tempo.

Terminada esta terapia forçada, Abel encara o espelho e o espectador, como se nos dissesse algo a respeito de sua alma. Por enquanto, após The Idol e Hurry Up Tomorrow, encontramos somente um artista autocentrado, obcecado com o projeto de se vender enquanto figura complexa, de belas letras pessoais, que sofre como qualquer ser humano. Trata-se de uma ferramenta de marketing, é claro. Uma peça de sustentação para expor aos demais artistas pop a capacidade (simbólica, financeira) de construir um oneroso palácio audiovisual onde The Weeknd é rei. Este seria o correspondente cinematográfico de comprar um Rolls Royce durante a crise de meia-idade. Talvez Tesfaye beneficiasse, de fato, de um processo analítico para investigar a origem de tamanho narcisismo. No entanto, seria necessária uma análise diferente desta aqui, conduzida e fabulada por si mesmo.

Hurry Up Tomorrow: Além dos Holofotes (2025)
3
Nota 3/10

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