O diretor Christophe Honoré sempre manifestou o gosto por um cinema clássico nas formas e na linguagem — traduzido com frequência no gosto pelos musicais e pelo melodrama. Em suas últimas produções, tem refinado a abordagem de temas-chave destes registros (a morte, a desilusão amorosa, a passagem à fase adulta), buscando conciliar o prazer do artifício e a busca por uma representação naturalista dos sentimentos. De certa forma, este embate domina toda a sua cinematografia.
Inverno em Paris constitui um dos exemplos mais explícitos, e também mais bem-sucedidos, deste enfrentamento. O protagonista Lucas Ronis (Paul Kircher) narra a própria história, conversando com o espectador enquanto posa sob um fundo preto infinito, declamando seus pensamentos em uma espécie de palco teatral. Ele confessa cada tristeza, dúvida, rancor e afeto. Emite frases de cunho literário, incomuns para um adolescente: “Eu aceitei sacrificar a ideia do amor”, “É a história da minha vergonha que se instalou na minha cabeça”. Ergue-se ao patamar do herói trágico, tão infantil nas condutas quanto pomposo ao se referir a si próprio.
O garoto, seu irmão mais velho (Vincent Lacoste) e a mãe (Juliette Binoche) são enquadrados no centro da imagem, em planos de conjunto convencionais, agenciados com movimentos discretos de câmera. Apela-se ao academicismo conforme o roteiro discute a morte recente do pai e outros acidentes de percurso (uma paixão não correspondida, e uma segunda crise rumo à conclusão). Amor e morte pautam a descoberta de Lucas a respeito da vida adulta. Depois de um acidente de carro junto ao pai — o homem mais velho, interpretado pelo próprio cineasta, perde o controle do veículo e derrapa —, este último sofre um novo acidente, desta vez, fatal. Mesmo a penúria de Lucas chega com um aviso dos céus, tal qual ocorreria aos heróis de tragédias gregas.
O drama mergulha no erotismo decorrente da proximidade com a morte. É uma pena que, no último terço, a narrativa inclua mais uma reviravolta. Não havia tempo suficiente para acomodar esta nova catarse.
Desenvolve-se então um curioso estudo a respeito da etiqueta do luto, as formas corretas e impróprias de se comportar durante a perda de um ente querido. É autorizado debater política enquanto se vela o corpo? É aceitável não comparecer ao funeral, pela dificuldade de encarar o pai morto? Pode-se confessar publicamente que o falecido não acreditava em Deus? Brigar com o irmão mais velho, aos socos e insultos, em pleno jantar? Existe maneira adequada de ficar triste, ou então, no desespero desta situação-limite, toda reação seria perdoável?
O aspecto de crônica dos dias pós-morte produz os melhores instantes do longa-metragem. Honoré investiga a solidão do menino, a perdição pela cidade quando passa uma semana com o irmão em Paris. Nota-se a vontade crescente de se rebelar e protestar — sem saber ao certo contra o quê, nem contra quem. O autor dedica um olhar atento às pequenas coisas do cotidiano, que dificilmente seriam filmadas (ou seriam descartadas pela montagem) na maioria dos filmes: o ato de calçar sapatos dentro do carro, os talheres que caem no chão ao empilhar os pratos depois da refeição. Paira uma normalidade de classe-média; a insistência de nos encontrarmos diante de uma situação comum, ao invés de um episódio excepcional.
Em especial, o drama mergulha no erotismo decorrente da proximidade com a morte. A perda de uma pessoa querida pode estabelecer uma relação direta com a libido, a busca pelo gozo e uma libertação do real via êxtase sexual (fenômeno de caráter quase religioso para algumas pessoas). Lucas, que nunca havia se considerado gay, apesar do flerte constante com o melhor amigo, entrega-se à admiração por Lilio (Erwan Kepoa Falé), colega de quarto de seu irmão. O desejo por um corpo adulto canaliza esta vontade de enfim superar as incertezas da adolescência e se projetar numa vida estável adiante. Honoré filma o sexo entre dois homens de maneira frontal, sem esconder os corpos sob um lençol, por exemplo, apesar de evitar, em paralelo, o desejo de chocar. As belas cenas ocorrem, é claro, sobre um fundo azul — a cor preferida do cineasta.
É uma pena que, no último terço, a narrativa inclua mais uma reviravolta letal, e novos instantes de crise, dor, choro no carro, desespero familiar. Os acontecimentos se aceleram, a montagem salta rapidamente de uma semana à próxima. Não havia tempo suficiente para acomodar esta catarse tão perto do fim, no entanto, o diretor (nunca afeito ao comedimento), embute mais um motivo capaz de despertar o choro e a piedade. Acredita, em chave melodramática, que uma morte precisa conversar com outra, e que o sentimento de pesar do protagonista precisa se tornar externo, visível, explícito ao espectador. O resultado se enfraquece ao trocar a ternura palpável do terço central (quando Binoche desempenha um papel central) pelo espetáculo da tristeza.
Ao menos, este terá sido um dos projetos mais bem-sucedidos do diretor recentemente, no sentido de conseguir tanto embutir suas obsessões temáticas e estéticas quanto estabelecer um retrato verossímil da angústia da juventude. Fãs de um cinema convencional poderão se deleitar com a trilha sonora triste de piano e violinos, com os olhares perdidos do garoto pela cidade, com os abraços fraternos e conciliadores. Mesmo assim, persiste uma voracidade menos convencional no sexo, na relação nada moralista com a prostituição, e nesta experimentação de corpos que evita rotular a homossexualidade enquanto tal.
PS: Cabe aqui, uma vez mais, apontar para a utilização de Paris enquanto cidade-fetiche para distribuidores internacionais. No Brasil, histórias situadas na capital francesa ganham invariavelmente o acréscimo “em Paris” no final do título. Le Lycéen (O Estudante) se tornou Inverno em Paris (enquanto os distribuidores norte-americanos preferiram Winter Boy, ou Garoto do Inverno). Coup de Chance (Golpe de Sorte) se tornou Golpe de Sorte em Paris; Un Peuple et son Roi (Um Povo e Seu Rei) foi traduzido como A Revolução em Paris; Bastille Day (Dia da Bastilha) virou Atentado em Paris; Murder Mystery 2 (Mistério de Assassinato 2) foi convertido em Mistério em Paris.
Para piorar a situação, no caso de Inverno em Paris, o cartaz ostenta uma torre Eiffel ao fundo (símbolo obrigatório para comprovar que a história se passa, de fato, na capital francesa), embora os personagens nem sequer circulem por esta região; além de uma neve digital, que não desempenha nenhum papel nesta história. Mesmo que os cineastas se esforcem para desmistificar o imaginário estereotipado da cidade, os distribuidores estrangeiros insistem nessa romantização contraproducente das histórias. Querem transformar Paris em personagem central de cada filme onde ela aparece. Aqui, sua participação é módica, secundária. Face a um filme sobre desilusões amargas, o marketing ainda se agarra às ilusões.