Mãe e filha tiram um retrato de família num pequeno estúdio, diante de um tecido preto. Ao receberem a fotografia pronta, observam uma terceira figura presente, atrás das duas: o fantasma do marido/pai falecido. A premissa, ideal para filmes de terror sobrenatural, diz respeito, na verdade, a um drama. Isso porque a cópia é obtida através de uma dupla exposição, quando os fotógrafos inserem, de propósito, a silhueta do parente falecido. Assim, as duas superam simbolicamente a morte, construindo artificialmente um instante que jamais aconteceu.
A ideia da imagem melhorando, falseando ou distorcendo o real constitui o tema central de La Imatge Permanent. A diretora Laura Ferrès insere, ao longo da narrativa, discussões a respeito do valor representativo dos santinhos, das criações publicitárias, dos cartazes eleitorais, da fotografia caseira, da captação profissional em estúdio. De maneira orgânica, contrapõe estas diferentes formas de elaboração, dotadas de intenção artística ou puramente comercial e eleitoreira. Questiona sua natureza, e a relação que estabelecem com o real e os indivíduos representados.
Para isso, parte do encontro entre duas mulheres diretamente ligadas à questão da imagem de si e dos outros. Antonia engravidou aos doze anos, foi rechaçada pelos familiares, e decidiu criar uma nova vida. Abandonou a criança, largou o campo, desenvolveu uma rotina diferente e anônima na cidade. De certo modo, tornou-se a criação de si própria. Já Carmen, mulher de meia-idade, passa os dias numa agência de publicidade. Apesar de viver cercada por pessoas extrovertidas e comunicativas, a funcionária de humor sombrio prefere passar as horas sozinha.
O filme se volta a duas personagens que, na maioria das tramas, seriam meras coadjuvantes ou figurantes: pessoas invisibilizadas, pouco sociáveis, cuja história de abandono ou tristeza permanece presa na garganta.
Entre as suas missões, está a tarefa de encontrar o rosto de uma “mulher comum”, do povo, para estampar o marketing de um candidato qualquer. Entra em cena Antonia, envelhecida, transformada em vendedora de perfumes caseiros pelas ruas da Catalunha. Uma é feroz, livre, destemida. A outra, um poço de ressentimento e introversão. Acabam, contra as expectativas, aproximando-se. A cineasta imagina uma combinação ambígua entre amizade, companheirismo, romance e troca comercial (os perfumes de uma pela imagem da outra).
O longa-metragem evita a percepção de “delicadeza” tão comum aos dramas sobre mulheres de meia-idade, ou voltados a pessoas desfavorecidas, fruto do olhar de cineastas burgueses. Ferrès opta por diálogos cortantes e interações violentas. Quando uma garota tenta estrangular Antonia, ainda na adolescência, esta responde: “Meu pescoço é fino. Uma mão só basta”. Confrontada à gravidez precoce, não hesita na justificativa: “Eu só queria trepar”. Encorajada a utilizar o slogan de que “Os melhores perfumes se encontram nos menores frascos”, a mulher contesta: “Os venenos também”.
O texto demonstra prazer em frustrar expectativas da redenção pelo afeto, ou pelo encontro salvador. Sim, as duas mulheres se aproximam e, de certo modo, se ajudam. No entanto, o ponto de vista mantém a firme impressão de que ambas integram um sistema opressor, responsável por suas sinas, e que nenhum afeto compensaria o sofrimento experimentado até então. A Imagem Permanente não busca salvá-las, apenas compreendê-las, ouvi-las. O caráter de cumplicidade se substitui ao intervencionismo: enquanto espectadores, testemunhamos a trajetória de ambas, mas estas não foram feitas para nós, nem para a nossa diversão.
O texto menciona a existência de muitos conflitos e dilemas para além destes dias de companheirismo. Presenciamos a fração de subjetividades que se estendem para além da narrativa — nunca saberemos, por exemplo, como a adolescente se torna a mulher vendedora de perfumes. O que ocorreu nas décadas separando estas duas temporalidades? Ferrès deixa parte considerável do trabalho de imaginação ao espectador, para completar as inúmeras lacunas plantadas propositadamente. A nossa própria imagem, mental e presumida, completa este mosaico sobre aparências e percepções. A Imagem Permanente trabalha com um espectador ativo, participativo.
Enquanto isso, a diretora de fotografia Agnès Piqué Corbera efetua um trabalho igualmente austero e preciso nas luzes e composições. Para equilibrar o caráter fluido e etéreo das ações (as duas mulheres agem livres pela cidade, sem urgência nem conflitos muito precisos), oferece planos fixos, cuidadosamente compostos, em simetria calculada e uma luz dura, de alto contraste, banhando os corpos no interior das casas. No primeiro ato, situado no campo, a mãe depenando uma galinha, em primeiro plano, à direita, comenta de certo modo a filha tendo os cabelos cortados contra a sua vontade, no fundo da imagem, à esquerda. O parto sofrido da garota é enquadrado de modo a valorizar o crucifixo na parede.
O discurso se elabora via imagem, pela escolha de luz, pela maneira de olhar. Esta é outra instância preciosa sobre a natureza das imagens: a maneira como nosso olhar afeta o real. Para Carmen, o rosto sofrido de Antonia seria “autêntico demais”, preferindo utilizar os sorrisos impessoais de rostos criados por Inteligência Artificial. “Não há ninguém por trás”, ela comemora, aliviada, liberando-se da responsabilidade de utilizar as trajetórias alheias. No entanto, os chefes buscam o real, ou pelo menos, o imaginário coletivo do que seria o povo, o outro, a diferença.
Ferrès filma o corpo das duas mulheres sem qualquer forma de vaidade, nem embelezamento. Trata-se de figuras que o cinema raramente representa, em idades incomuns nos dramas internacionais. O filme se volta a duas personagens que, na maioria das tramas, seriam meras coadjuvantes ou figurantes: pessoas invisibilizadas, pouco sociáveis, cuja história de abandono ou tristeza permanece presa na garganta. Não haverá catarses para o espectador expiar sua dor, nem para as mulheres aprenderem com o passado e seguirem em frente. A cineasta prefere que os traumas sejam compreendidos, porém, restem internalizados.
Por trás da aparência de leveza, há situações graves reprimidas na expressão minimalista de ambas as atrizes. Elas são dirigidas de modo a fazerem o menos possível, visto que a luz e os enquadramentos, formalistas, transmitem seu estado de espírito por si próprios. Assim, evita o sentimentalismo e a martirização de ambas. Há tanto interesse quanto respeito pela privacidade delas.
Ao final, o dilema a respeito da representação torna-se um dilema sobre a morte. As imagens também morrem? Abre-se com a fotografia de fantasmas, e com o mantra recorrente: “Hoje vivo, amanhã morto. Hoje vivo, hoje ainda morto”. Termina-se com a ressignificação deste retrato, oferecendo um encontro quase fantástico entre as duas protagonistas, através da criação artística. Que bela ideia da diretora: pensar na arte enquanto elemento capaz de atravessar tempos e espaços, existindo numa dimensão própria, do afeto.
Elas se confrontam à morte eminente da senhora na instituição para idosos, desta vez, sem fotos nem intermediação dos olhares de terceiros. Saem da morte presumida, simulada e fetichizada, para a aproximação de uma morte real, diante dos seus olhos. Ao invés de chorarem ou se lamentarem, compartilham uma banana juntas, todas as três. A Imagem Permanente sabe muito bem quando revelar e quando sugerir. O controle a diretora para intenções e simbologias se mostra exemplar.