Imagem de uma lagoa. Mais uma fotografia da lagoa. Fachadas de casas, plano de detalhe de telhados. Multidão de rostos indistintos. Nova foto da multidão. E mais uma — seria a mesma? Placa, duas placas, três placas. Fotografia de jovem no skate — apenas uma, na qual a montagem desliza lentamente, conforme uma voz em off explica o movimento de skatistas na região da Lagoa do Nado, no norte de Belo Horizonte.
Ao longo de 77 minutos, dezenas de pessoas explicam a história deste local, além do movimento cultural e político gerado por causa dele, e para ele. No entanto, jamais veremos o rosto destas figuras. As vozes se sucedem com ajuda de letreiros mencionando nomes no canto inferior, porém a descrição soa fortuita — de que interessa ao espectador saber se a origem da voz seria o nome X ou Y, posto que nenhum deles se converte num personagem ao espectador? Que não descobrimos quem eles são, ou as eventuais discordâncias entre si?
Existe um único personagem neste documentário: a própria Lagoa do Nado, repetida em falas e materiais de arquivo. No entanto, as figuras responsáveis por sua manutenção, e pela luta política em torno da preservação ambiental, permanecem anônimas. Por que o diretor Arthur B. Senra teria ocultado a identidade destas pessoas, como se fossem testemunhas de um crime grave? Logicamente, ninguém lhe pede que construa mais um filme preguiçoso em talking heads, baseado na alternância entre imagens de arquivo e falas de especialistas em frente às suas fartas estantes de livros.
A dificuldade de identificação com a causa e com suas lideranças começa por aí: nós jamais descobrimos quem elas são. Outra dificuldade de imersão diz respeito à qualidade dos materiais de arquivo disponíveis.
No entanto, o autor parte para o caminho oposto: a despersonalização da luta política. Ora, haveria centenas de possibilidades de driblar as cabeças falantes sem recorrer ao anonimato dos participantes. Nos letreiros finais, ele agradece às pessoas e comunidades que brigam por este espaço. Nem neste instante, os grupos serão nomeados, reconhecidos em seus esforços. A dificuldade de identificação com a causa e com suas lideranças começa por aí: nós jamais descobrimos quem elas são.
Outra dificuldade de imersão diz respeito à qualidade dos materiais de arquivo disponíveis. A quase totalidade dos vídeos empregados foi provavelmente retirada de alguma fita VHS (ou formato semelhante) não recuperado, tratado, revitalizado digitalmente. O mesmo pode ser dito do som das falas — todas, sem exceção, com problemas de eco, de ruídos excessivos, de captação não-profissional. Fica a dúvida acerca dos motivos que levaram o criador, diante deste acervo, a apostar na viabilidade do projeto.
Para além da degradação dos vídeos e sons, nota-se o agenciamento caótico dos mesmos pela montagem. O cineasta (que também assina as funções de montador, diretor de arte, diretor de fotografia, roteirista e produtor) começa utilizando as fotografias de modo protocolar, para então empregar fotos-sobre-fotos — uma destas imagens ao centro, e a outra servindo de “moldura” numa camada anterior. Às vezes, o acúmulo forma uma pilha de fotos no enquadramento. Então, o projeto sobrepõe um formulário, um documento, e a planta da lagoa — letra sobre letra sobre letra. Ninguém vai ler ou verificar nada, mas quem se importa, certo?
Uma trilha sonora insistente se sobrepõe às falas, que se sobrepõem às imagens que, por sua vez, se sobrepõem a outras imagens. Em determinado trecho da experiência, os cortes secos cedem espaço aos cortes em cortina, e os stills se dividem na tela. Após dezenas de minutos de evocações etéreas e unívocas da Lagoa, uma animação apropriada às crianças muito pequenas chega para explicar e-xa-ta-men-te o que ocorreu neste espaço, antes de convidar o espectador: “A nossa força é a sua participação! De coração! Procure-nos”. O panfleto original, talvez concebido para os frequentadores do parque, converte-se em convite aos espectadores do cinema.
Trechos como este reforçam a vocação institucional do longa-metragem, que defende a importância do lago, sua natureza, suas águas, sua presença enquanto espaço de lazer. Jamais conheceremos exatamente os políticos que frearam a sua preservação, como foi interrompido o projeto de venda à iniciativa privada, de que maneira este espaço se comunica com o resto da cidade. Seria muito difícil efetivar a revitalização das águas, ou se trata de má-vontade da prefeitura local? Os realizadores tentaram entrar em contato com os responsáveis pela gestão para obterem uma resposta oficial? Mistério.
A própria motivação do diretor para desenvolver um projeto focado neste tema é cercada por dúvidas: o João Senra que presta depoimento seria um familiar do autor? O que dizer então da incorporação tardia e descontextualizada de comunidades indígenas, da menção apressada ao “encontro de bebês”, da multiplicação aleatória de shows? Letreiros com datas se repetem na tela, sem ajudarem a compreender como um ano se diferencia do outro. Terminamos o documentário conhecendo pouco, afinal, de seu único objeto de estudo.
Lagoa do Nado: A Festa de um Parque pode ser munido das melhores intenções, no entanto, deixa a impressão de não possuir imagens nem pesquisa suficientes para ocupar um longa-metragem. É estranha a impressão de assistir a um projeto audiovisual onde as imagens não importam de fato. Elas poderiam ser trocadas por quaisquer outras, em ordem indistinta, sem prejuízo ao resultado, já que basicamente servem a ocupar o tempo das falas.
Além disso, projetados numa tela de cinema, os vídeos fraquíssimos despertam a aparência incômoda de assistirmos a um filme em qualidade 360p. Trata-se de uma obra que, apesar de finalizada recentemente, precisaria de um processo de restauração urgentemente. Ela desperta mais curiosidade por suas escolhas estéticas do que pela realização propriamente dita, ou pelo discurso relacionado ao lago.