Little Trouble Girls (2025)

O sexo das mulheres

título original (ano)
Kaj Ti Je Deklica (2025)
país
Eslovênia, Itália, Croácia, Sérvia
gênero
Drama
duração
89 minutos
direção
Urška Djukić
elenco
Jara Sofija Ostan, Mina Švajger, Saša Tabaković, Nataša Burger, Staša Popović, Nataša Burger, Staša Popović, Mateja Strle
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

Da primeira à última cena, o drama reflete os desejos femininos, sobretudo aqueles de uma garota particularmente casta. Lucija (Jara Sofija Ostan) tem 16 anos e nunca beijou ninguém, nem viu um homem nu. Ela tampouco menstruou, ou se masturbou, e não aparenta saber exatamente o que estas coisas significam. Criada por uma mãe conservadora, que a considera uma prostituta por experimentar discretamente um batom nos lábios, a adolescente adentra um coral religioso, apenas para perceber que a presença de outras garotas pode servir de catalisador a uma série de vontades reprimidas.

Não existe um único momento em que o roteiro não espelhe a vontade da garota em experimentar o próprio corpo, o beijo, os seios da colega de turma, a nudez do operário que trabalha na reforma do convento. O filme está tão ansioso para vê-la desabrochar (uma infinidade de metáforas florais atravessa a jornada) quanto a própria heroína, a ponto de oferecer-lhe visões impudicas exclusivas — o belo homem em nudez frontal sob a ponte, os seios de Ana-Maria (Mina Švajger), o momento a sós com o professor de música (Saša Tabaković). 

Logo, a protagonista é tentada pelo mundo ao redor. Little Trouble Girls brinca de acumular estes processos em uma menina incapaz de gerenciar tais sensações, até ela se aproximar de uma forma de explosão (ou implosão) rumo ao clímax. Segundo a cineasta Urška Djukić, é inútil reprisar as pulsões da menina, pois estas águas encontrarão alguma fresta na barragem dos bons costumes. O desejo será sublimado no olhar, na imaginação, no contato sexual com uma estátua, e também com outras meninas.

Uma obra polida, elegante, certamente bem produzida e atuada. No entanto, preocupada em não incomodar, em nunca perturbar excessivamente a protagonista ou os coadjuvantes.

Assim, o projeto se inseriria na acepção queer de buscar o enfrentamento das normas — Lucija manifesta, em questão de poucos dias, desejo por garotos e garotas, além de episódios de desejo nenhum. Fará o oposto do que sua moral lhe diz, seja para provar-se capaz a si mesma, ou para se provar digna às colegas de coral. No entanto, em sua construção estética, prova-se linear, tradicional, incapaz de desvios. Em outras palavras, uma produção tão coesa e eficaz quanto desprovida de riscos, ou de qualquer forma de aspereza.

A direção de fotografia trabalha com uma imagem mais próxima do formato quadrado, que favorece os retratos. Talvez por este motivo, foca-se obsessivamente nos rostos (algo curioso para um filme que pensa em corpos com frequência), colocando a expressão tímida de sua atriz na maioria absoluta das imagens. Encontra maneiras de situar duas figuras lado a lado, de modo a enquadrá-las juntas, separadas por um leve desfoque (quando comem uvas azedas, ou sentada no mesmo banco do professor, ao piano). 

Opera-se em planos fixos, simétricos, de cores naturais, pastéis, em tons beges. Nem mesmo as sucessivas infrações de Lucija às normas cristãs fazem com que as cores e composições rompam os códigos da linguagem acadêmica. Insiste-se em colocar a jovem em incontáveis momentos de contemplação, quando fica absorta face à paisagem, ignorando as ordens de terceiros. Adota uma perspectiva comum para narrativas de descoberta ao situar o ponto de vista junto à novata do coral, que não pertence ao grupo. Ela é encarregada de levar ao espectador a descoberta do funcionamento daquela comunidade.

Este não é o único momento em que as convenções dominam a narrativa. As metáforas de vaginas, representadas por flores; a cena com a menina se masturbando no banheiro coletivo, apenas para suspeitar que alguém tenha escutado seus gemidos ao lado; e o quadro inicial, com as formas sugerindo uma vulva, foram vistos e explorados incontáveis vezes pelo coming of age story. A visão otimista quanto ao crescimento da garota será representada na longa cena final, que resgata a fruta do pecado (desta vez, doce e prazerosa), junto ao cabelo finalmente solto, e ao ato de desliza sobre patins. Trata-se de um presente para uma figura sempre vista como rígida e imóvel. Novos ventos virão para ela, garante o filme.

Em contrapartida, a mise en scène polida e correta carece de respiro semelhante. Djukić sempre coloca seu filme a uma distância segura da psicologia da garota, evocando uma pulsão jamais concretizada, nem elaborada em imagens. O gozo permanece no domínio das ideias, sem chegar à materialização estética. Quando a canção final invade a banda sonora (“Lembre-se de usar roupas muito, muito justas”), seus versos soam mais provocadores e punk rock do que o longa-metragem inteiro ousou ser até então. Ao invés de representar a violência do desejo, a cineasta se atém ao minimalismo, sugerindo que existe, ali dentro, um vulcão de vontades que nunca acessamos por completo.

Como resultado, pode-se falar em uma obra polida, correta, elegante, certamente bem produzida e atuada. Não se apontaria nenhuma cena supérflua, algum instante arrastado pela montagem, ou vaidoso em termos de luz e composição. Evitam-se as sugestões de abuso, instantes de gravidade real, ou algum ponto de ruptura que lance a narrativa para um caminho fora das normas. Lucija se aproxima fisicamente da colega de dormitório, e posiciona-se a poucos centímetros do operário nu, porém, nem ela, nem a produção, tem coragem de representar a violência sedutora de tais encontros. 

Em consequência, atinge-se um filme preocupado em não incomodar, em nunca perturbar excessivamente a protagonista ou os coadjuvantes. O roteiro aborda o conservadorismo cristão sem condená-lo de fato, assim como filma o desejo entre garotas com semelhante distanciamento, quase indiferente. Preocupa-se em oferecer ao espectador uma experiência leve, sucinta, ordenada. Falta trouble, justamente, às little trouble girls, assim como se ressente de autoria no trabalho de uma cineasta estreante. Que os próximos passos lhe permitam ainda mais verve.

Little Trouble Girls (2025)
6
Nota 6/10

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