Gru não é mais um vilão. Alguns filmes atrás, o protagonista da saga Meu Malvado Favorito começou sua jornada tentando cometer as maiores maldades do mundo, embora, no fundo, fosse um pequeno garoto gentil, rebelando-se contra a sociedade. Ao crescer, disputou espaço com os principais representantes do mal — mas aqueles que combatem os perversos não seriam, por definição, mocinhos? Ele chega à quarta aventura sem qualquer traço de vilania: Gru ocupa uma casa do subúrbio com esposa, filhas e bebê recém-nascido. Prepara ovos mexidos para as meninas no café da manhã e acena aos vizinhos.
Quando confrontado por um sujeito de semblante realmente amedrontador, com a capacidade de se converter numa barata gigante (quer maior representante de um caráter asqueroso do que este?), nosso protagonista aceita de imediato se refugiar em outra cidade, mudar de nome, esconder-se. Ao invés de revidar, ou desenvolver planos para combater este inimigo, ele aceita a derrota. Face às ameaças de uma garota em fase escolar, Gru também recua e acata com as chantagens. A menina reconhece de imediato o rosto do homem careca tão famoso até então. Como o resto da sociedade não o identifica?
Gru não apenas se converte em herói, mas um herói fraco, passivo, tímido. Durante a maior parte desta trama, ele simplesmente não porta objetivos, conflitos, dilemas pessoais ou traumas psicológicos. Passa os dias em casa, cuidando do bebê, dando um beijo na esposa. Ele interage com os Minions, que ajudam a trocar fraldas e limpar sujeiras da casa com eficácia inquestionável. Mas as criaturas amarelas não eram ajudantes atrapalhados e ineficazes? O humor dos coadjuvantes, que vieram a ganhar sua própria franquia, não decorreria precisamente da incapacidade a cumprir ordens?
Gru não apenas se converte em herói, mas um herói fraco, passivo, tímido. Durante a maior parte desta trama, ele simplesmente não possui objetivos ou conflitos.
Meu Malvado Favorito 4 demonstra como a expansão (de sentidos, de personagens, de subtramas) esgota a premissa bastante simples de quatorze anos atrás. Em cada sequência, os produtores trouxeram novos personagens, mais membros familiares, mais figuras carinhosas e lúdicas para apelarem ao gosto infantil e gerarem uma infinidade de produtos derivados: brinquedos, sanduíches, cadernos, peças de vestuário. A saga parece ser motivada sobretudo pelo potencial lucrativo de repercussão pós-filme.
Pode-se falar no longa-metragem enquanto longa peça publicitária para justificar a comercialização de novos itens. Por isso, entram em cena crianças adoráveis, mini-cabras que fazem mini-cocôs, além de bebês com super-poderes, bastante inspirados no imaginário da Disney/Pixar em Os Incríveis. Os Minions passam por um raio magnificador que os converte em super-heróis: um deles voa, o outro se torna muito forte, o terceiro possui braços elásticos e longos… exatamente como a mãe de Os Incríveis. Parodiam o Homem-Aranha e outras figuras conhecidas.
Neste sentido, a narrativa se torna cada vez mais inconsequente. Os roteiristas Ken Daurio e Mike White multiplicam as pequenas tramas paralelas, desprovidas de relação imediata entre si, porém não demonstram interesse em analisar as consequências de cada uma. Logo, Lucy queima o cabelo de uma mulher ao se fingir cabeleireira, mas tudo bem, basta sair correndo porta afora. As filhas amam a cabra Feliz, mas na hora de se mudarem, supõe-se que o bicho tenha sido enviado a outro lugar. Poppy revela-se uma inimiga feroz até, de uma cena para outra, tornar-se amiga próxima.
Pouco importa o que realmente acontece, qual evolução os personagens terão, caso venham a ter. O roteiro se constrói como uma série de esquetes agitadas e coloridas, mal costuradas pela montagem paralela. Há diversos núcleos independentes: o vilão-barata, os super-Minions, os vizinhos esnobes do subúrbio, Gru com as crianças, os Minions comuns, os personagens da escola de vilões. Enquanto a perseguição se situa em uma destas esferas, as demais serão esquecidas durante dezenas de minutos. Nunca se desenvolve a questão do enquanto isso — por que demoram tanto a localizar Gru, se a própria menina Poppy o faz de imediato?
Gru nunca parece estar de fato em perigo, nem os Minions modificados terão um impacto determinante no andamento da história. Os diretores Chris Renaud e Patrick Delage preservam o humor imediato, físico, baseado em personagens que escorregam e caem, tropeçam e caem, modificam-se e voltam ao normal. São como sonhos, ilusões maleáveis de acordo com as necessidades do momento. Assemelham-se aos bonecos na mão de uma criança, que hora se tornam caubóis, ora astronautas, segundo os prazeres do pequeno criador.
Ao final, os personagens se reúnem de maneira mágica, para um número musical improvável. É sintomática a facilidade com que os Minions entram numa prisão de segurança máxima sem serem percebidos — tais arranjos com a lógica resumem a saga em sua integralidade. Os detentos, que antes se odiavam, dão os braços e cantam juntos Everybody wants to rule the world, ou “Todos querem dominar o mundo”, exceto pelo fato de que Gru não o deseja mais, e nem tenta. A mensagem de encerramento contradiz os 90 minutos anteriores, mas quem se importa?
A franquia Meu Malvado Favorito segue em seu modo inconsequente, alegre, colorido, improvável e desconexo, tal qual um brainstorming cinematográfico. Ele manifesta cada vez menos ambição de linguagem, e produz menos sentido (alguém se lembra do irmão gêmeo de Gru, da história anterior?). Ora, enquanto sustentar a popularidade dos Minions, gerando hambúrgueres, mochilas e acessórios infantis (em seis filmes, a saga já ultrapassa US$ 1,5 bilhão, apenas em ingressos), justificará novas trapalhadas.