Parte considerável dos méritos de Mother’s Baby repousam no olhar de Julia (Marie Leuenberger). Ela vive um casamento afetuoso com Georg (Hans Löw), e ambos tentam ter um filho há anos. Quando a inseminação artificial funciona, ela engravida e dá à luz. Entretanto, algo muda no rosto da mulher: ela não reconhece o bebê recém-nascido como seu. Desconfia da equipe de obstetras e enfermeiros; suspeita que estejam escondendo informações. Por que não a deixam ver a criança? Por que o pequeno não chorou logo após o nascimento? Como, apesar da grave falta de oxigênio, ele aparece plenamente reabilitado no dia seguinte?
O suspense nos coloca no ponto de vista desta mulher. Segundo a estrutura de uma-contra-todos, ela será a única a suspeitar de algo errado. Afinal, possui um bebê saudável em mãos. O menino é silencioso, comportado. Não se incomoda com música alta, nem solicita atenção com frequência. Pela perspectiva do marido, do médico e dos amigos, ela deveria estar contente. A psicóloga garante que os sentimentos de dúvida são normais, após um acontecimento tão importante. “Você preferia ter um bebê que chora o tempo inteiro?”, pergunta o marido. Não, claro que não. “Por que você não pode apenas ser uma mãe normal?”, questiona, irritada, a parteira.
O principal horror deste projeto consiste na imagem de uma mãe que não ama seu bebê. Ela o trata bem, fornece os cuidados e atenções necessários, mas não tem amor pela criança. E seria obrigada a tê-lo?
Devido ao posicionamento da direção, somos levados a nos identificar com a maestra de orquestra e torcer por ela. Trata-se de uma mulher racional, organizada, sem histórico de questões relacionadas à saúde mental. Uma precaução fundamental da diretora Johanna Moder consiste em afastar a armadilha fácil do gaslighting, sugerindo que ela possa estar louca, incontrolável, devido à ebulição hormonal. Embora muitos críticos tenham comparado a obra a O Bebê de Rosemary, não há equivalência, aqui, aos delírios febris e demoníacos da mãe pálida, sentimental e vitimizada de Polanski. Julia preserva sua sanidade o tempo inteiro, razão pela qual os acontecimentos fantásticos se tornam ainda mais perturbadores.
O filme tem uma maneira curiosa de introduzir elementos de magia. Por um lado, planta uma infinidade de pistas de fenômenos estranhos — que serão, cedo ou tarde, confirmados. No entanto, rebate cada argumento paranormal com uma explicação racional e plausível, para desmontar as suspeitas que ele mesmo levantou. É normal alguns bebês grandes, durante a gestação, apresentarem um tamanho mediano quando nascem. Algumas crianças não choram muito porque imitam o comportamento das mães pacíficas. Além disso, o filho passa por pediatras e inúmeros especialistas. Todos garantem que a situação está normal.
Assim, o espectador navega pela trama com um sentimento crescente de dúvida. Suspeitamos que algo muito grave esteja acontecendo (uma seita, um complô, uma gangue de tráfico humano). Ao mesmo tempo, recebemos indícios suficientes para acreditar na maternidade perfeitamente saudável. O sonho de um bebê sadio se concretiza, porém, transforma-se no pesadelo da heroína. Logo, a direção opera no terreno fértil da percepção versus a realidade, ou dos fatos contra a crença.
Em tempo de notícias falsas e teorias da conspiração em redes sociais, esta provocação pode ser lida como pequeno tratado acerca da verdade em oposição à vontade de uma narrativa personalizada. Se eu quero muito que minha versão seja verídica, e se puder forjar argumentos (distorcidos, retóricos, que seja) para sustentá-la, o que torna a minha interpretação menos legítima do que as demais? Por que os fatos não poderiam ser “alternativos”, como diria Kellyanne Conway, ou condicionados ao meu desejo? Afinal, quem disse que existe a verdade, no sentido objetivo do termo? Mother’s Baby aborda, em última instância, nosso desejo de controle em um mundo instável, e de ficcionalizar os acontecimentos que nos prejudicam. Nós precisamos contar histórias.
Por um lado, os acontecimentos insanos aproximam o resultado da má literatura de banca de jornal — os segredos e revelações do roteiro remetem aos truques nada sofisticados de A Mulher na Janela, A Garota do Trem e outras narrativas sensacionalistas. Rumo ao final, quando o terror se instaura de fato, as ações serão implausíveis, e ainda mais prazerosas por embarcarem desmesuradamente na alucinação. Se a premissa decide abraçar as possibilidades do escapismo, então que o faça até as últimas consequências, correto? Poucos filmes adotariam tais cenas sem medo do ridículo, preservando a elegância da fotografia e a seriedade das atuações.
Atenção: a partir daqui, pequenos spoilers.
Por outro lado, podemos apontar a uma narrativa confiante em seus recursos. O pulo na cerca, levando a um tornozelo torcido; o cartão do laboratório generosamente oferecido durante uma brecha de desatenção; o atendimento repentino do bebê durante a visita da assistente social. Nada disso passaria pelo crivo da verossimilhança, porém Moder estima que, ao adentrar a psique de uma mulher angustiada, tais liberdades se justificam. Mergulhamos na perspectiva dela e, se para Julia, tal ação soa possível, também o será para nós. O naturalismo jamais poderia captar com semelhante potência a estafa de uma mulher fragilizada.
O resultado é beneficiado pela atuação excepcional de Marie Leuenberger, capaz de transmitir uma gama preciosa de sentimentos no rosto emudecido. Ela transita do medo à raiva, à dúvida, à ansiedade, à irritação, ao cansaço. Precisa desconfiar de si mesma, antes de ter certeza absoluta do que crê e vê. Deseja ser “normal” e se conformar ao papel da maternidade proposto pelos amigos, porém, se vê incapaz de corresponder ao imaginário da mãe deslumbrada. O principal horror deste projeto consiste na imagem de uma mãe que não ama seu bebê. Ela o trata bem, fornece os cuidados e atenções necessários, mas não tem amor pela criança. E seria obrigada a tê-lo?
Por trás da roupagem do possível complô e da identidade secreta da criança, resta uma personagem buscando explicações para a própria indiferença em relação ao fruto do seu ventre. A monstruosidade está na simples aceitação de que nem todas as mães apreciam a maternidade, ou se sentem aptas a isso. Deste modo, a conclusão agridoce serve a apaziguá-la, mas também a suspender o calvário ao qual estaria sujeita pelo resto da vida. O filme a respeita a ponto de colocar a mulher em primeiro lugar, acima do bebê — algo que também o distingue da maioria de dramas a respeito da maternidade. A experiência de horror a tornará ainda mais forte. Numa temporada repleta de belos longas-metragens acerca da condição feminina, o projeto adiciona um respeitável tijolo à construção.