Ninguém Sai Vivo Daqui constitui um filme-denúncia. Ele busca gritar, através do tema e das escolhas estéticas, os absurdos ocorridos no hospital psiquiátrico Colônia, em Minas Gerais, nos anos 1970, quando pelo menos 60 mil pessoas foram mortas devido às técnicas de tortura e maus-tratos infligidos aos pacientes. Embora muitos deles não possuíssem diagnóstico de problemas relacionados à saúde mental, foram enviados por familiares que buscavam afastar parentes indesejados.
Para esclarecer seu posicionamento em defesa das vítimas, e contra os dirigentes da instituição, o diretor André Ristum recorre ao maniqueísmo exemplar. É preciso que os internos sejam muito gentis, pacíficos e virtuosos, enquanto os enfermeiros e inspetores se convertem em vilões dignos de uma animação da Disney. Augusto Madeira encarna, pela enésima vez, a figura do cafajeste-mor (e o faz muito bem, diga-se de passagem), molestando, agredindo, torturando e chantageando a pobre Elisa (Fernanda Marques), internada na Colônia por engravidar fora do casamento. Seu diagnóstico “oficial”: esquizofrenia.
Logo, ela reclama, esbraveja que não deveria estar ali. Protesta, em vão, contra médicos e assistentes. Assemelha-se a tantos personagens injustamente tratados em instituições (em A Troca, Garota Interrompida, etc.), que lutam sozinhos-contra-o-mundo, numa indignação facilmente compartilhada com o espectador. Ao longo de décadas, ninguém teria escapado desta letal prisão em Barbacena, porém nossa heroína, a escolhida, aparentemente mais corajosa e esperta do que todos, tentará a fuga perfeita — cujo funcionamento se revela bastante simples, afinal.
Ninguém Sai Vivo Daqui jamais se resolve entre o drama e o terror, ou melhor, entre abraçar um realismo social elegante, e mergulhar nas possibilidades disruptivas do cinema de gênero.
A estética acompanha tamanho ato de bravura. Baseado na série Colônia, e preservando imagens da mesma, o longa-metragem aposta num preto e branco contrastado, destinado a transformar os espaços internos numa masmorra sombria. Os pacientes engolem comidas nojentas em refeitórios escuros, e descansam em dormitórios onde frequentemente aparecem cadáveres banhados em poças de sangue, provocando espanto nulo nos dirigentes. Eles apenas fecham os sacos mortuários, e segue-se o dia. O título já nos avisava da crueldade deste espaço, repetida insistentemente, cena após cena.
No entanto, Ninguém Sai Vivo Daqui jamais se resolve entre o drama e o terror, ou melhor, entre abraçar um realismo social elegante, e mergulhar nas possibilidades disruptivas do cinema de gênero. Por um lado, as cenas internas se mostram tão escuras que sabotam o trabalho dos atores. No caso do elenco negro, as expressões praticamente se perdem. Se existe um problema ético e moral grave, no cinema brasileiro contemporâneo, ele reside na direção de fotografia pensada apenas para a pele branca, enquanto aceita subexpor a pele negra.
Por outro lado, a estilização nunca se converte em algo asqueroso, provocador em termos de imaginação ou das possibilidades de acontecimentos na escuridão — como seria propício ao horror. Os significados se encontram numa superficialidade imediata: sabe-se exatamente quem faz o quê, onde, com quem, como, e com quais objetivos. O espectador nunca é levado a refletir, deduzir ou questionar comportamentos, pois toda a reflexão foi feita por nós, sendo mastigada didaticamente nos diálogos e ações. Sabemos exatamente quem odiar, e de quem ter piedade.
A sucessão ininterrupta de calamidades se alia à dificuldade de resolver conflitos ou aprofundar psicologias. O encontro do filho adulto com sua mãe, presa há décadas na Colônia, ocorre com tamanha rapidez e facilidade que beira o humor involuntário. A morte de alguns personagens importantes, e sua conversão em fantasmas caridosos (do tipo que observa os vivos com olhos doces e gentis, tal qual nos dramas espíritas) também se desenvolve com velocidade inverossímil. O que dizer da chegada abrupta do padre?
Ao espectador, resta a tarefa difícil de torcer por personagens-vítimas que mal conhecemos. O longa-metragem ostenta um elenco dos sonhos: qualquer filme com Rejane Faria, Naruna Costa, Andréia Horta, Augusto Madeira e Bukassa Kabengele chama atenção por si próprio. Fernanda Marques se dedica com intensidade, ainda que os atores hesitem entre o nível de dramaticidade de uma telenovela e a fuga do realismo inerente à fantasia. Os trejeitos de Rejane Faria com os lábios, e a composição de tantos coadjuvantes com “cara de loucos” transparecem a mão pesada deste retrato humano.
Quais sentimentos Elisa nutre pelo bebê que carrega no ventre? Ela realmente amava o pai desta criança? Qual era a relação com os pais ricos e dominadores antes deste evento? A jovem possuía planos, ambições? Nada disso é esclarecido ou trabalhado ao longo da trama. Se nem a heroína adquire o mínimo de complexidade, imagine então os coadjuvantes, reduzidos à caricatura do problema de saúde mental. Mesmo no clímax, diante de uma cena de ação e luta, Elisa se mostra estranhamente inerte, observando seu agressor e esperando para ser atacada.
Muitas cenas têm difícil justificativa em termos de mise en scène, ou da maneira como se agenciam com as demais. Soam como um ajuste forçado, e pouco harmônico, do conteúdo da série, priorizando os “melhores momentos” — na verdade, os instantes mais catárticos, onde todo sentimento se exterioriza nos corpos torturados, abusados, assassinados. O ponto de vista parece desfrutar deste calvário de maneira bastante conformista, caso em que a pretensa denúncia se aproxima perigosamente do fetiche da miséria alheia.