Jorge (Paulo Goya) possui uma relação particular com os sons. Desde o início da narrativa, é visto dedicando sua pausa no trabalho ao envio de mensagens de áudio para conhecidos. Quando desaprova o próprio desempenho numa gravação, apaga o arquivo e recomeça o texto. Ele também registra, em segredo, as conversas e gemidos dos casais que se hospedam no motel onde exerce a função de faxineiro. Depois, escuta diversas vezes cada áudio.
O protagonista extrai do ato ilegal um modo de vida e um prazer, que se retroalimentam. Ele vende as gravações a Alberto (Wilson Rabelo), um cliente movido por fetiche semelhante. Além disso, delicia-se com a excitação que o material pode provocar em terceiros. De certo modo, é Jorge quem controla a narrativa do sexo alheio: ele descreve o casal ao comprador, fornece detalhes das atitudes, das falas, das aparências. Acrescenta detalhes que podem, ou não, ter ocorrido de fato. Quem verificará?
O herói se converte num contador de histórias. Apropriando-se da vivência alheia, torna-se diretor de uma narrativa autoral, oferecida a outro homem idoso, disposto a adquirir a versão do conto erótico. Preso a um emprego sem previsões de melhoria, o funcionário de classe média-baixa adquire relevância social e protagonismo dentro do motel graças à capacidade de reter, pelos sons, a brevidade dos encontros íntimos.
Ele se reveste, deste modo, de um caráter artístico (algo reforçado pela cena dos cisnes de toalha sobre as camas). Torna-se criador, inventor, mestre da ficção da qual participa. Em suas próprias interações sexuais, utiliza os fones de ouvido para se excitar com a imaginação da potência alheia. Nenhum destes homens se engana: eles não fazem sexo um com o outro, mas com a suposição de um ideal de juventude. Existe um caráter melancólico no tesão pelo vigor que não possuem mais.
O roteiro de Renato Sircilli aprofunda a fascinação pela vida dos desconhecidos através de histórias que extrapolam o caráter diretamente sexual. João narra a surpresa da descoberta de um cadáver no quarto. Alberto relembra o episódio de um homem atingido por um raio, que lhe marca as costas com uma cicatriz imensa. O erotismo também está presente na proximidade com a morte, ou na possibilidade de experimentar, simbolicamente, a morte dos outros enquanto permanecem seguros e saudáveis em suas casas. Podem continuar praticando seus atos habituais, pois ninguém os percebe. Eles desfrutam do reconforto triste de serem socialmente invisíveis.
Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo tem chamado a atenção, em sua passagem por festivais, sobretudo pela representatividade da vida sexual de dois homens gays de 70 anos. As obras a respeito da homossexualidade durante a velhice são raras, e dificilmente revelam atos sexuais, explorando com naturalidade os corpos nus de seus atores. O cineasta filma o pênis, a bunda, o secador aplicado aos pés depois do banho, a toalha limpando o corpo após o orgasmo.
Apesar da capacidade de observar indivíduos pouco representados no cinema, o curta-metragem explora pouco a fascinante premissa da pulsão auditiva. A conclusão, um tanto repentina, não esclarece ao certo o ato agressivo do protagonista. Não há indícios suficientes da vida destes homens para além dos dois únicos cenários por onde circulam. Teria sido importante conhecê-los em sua vida familiar, nas amizades, no passado, ainda que por menções breves. Sempre tiveram o fetiche dos sons, ou da vida dos outros? Uma caracterização mais aprofundada do protagonista ajudaria a compreender sua reação ao áudio com menção a um episódio de violência.
De certo modo, a obra lembra o princípio de uma experiência mais extensa, como um teste inicial para conhecer a vida destes dois homens e testá-los juntos. Este é o único curta-metragem da Mostra Quelly com a aparência de um pequeno longa-metragem, plantando sementes para uma narrativa que se desejaria mais longa, complexa, com antes e depois. Os atores se entregam em atuações desafetadas, naturalistas, ao projeto de título enganador (o nome sugere um teor e temática distintos daqueles encontrados na trama).
As imagens tampouco buscam qualquer arroubo de autoria digno deste nome. Existe um caráter blasé, desimportante, na maneira como o filme enxerga a violação de privacidade, o desejo, a solidão, o abandono, a morte no hotel, o corpo marcado por um raio, o papel da tecnologia mediando os afetos. Tal despojamento se revela benéfico no olhar a dois homens gays e idosos, porém se prova menos frutífero enquanto visão de mundo a respeito do papel que estes dois homens exercem na sociedade.