O espectador pode levar um tempo considerável até compreender o que está ocorrendo, de fato, neste drama. Indre (Gabija Bargailaite) e Paulius (Giedrius Kiela) percorrem partes inesperadas de uma cidadezinha. Trata-se de locais estranhos: a grade de um parquinho abandonado; uma casa abandonada no interior da cidade; um matagal à beira da estrada; o ponto sombrio embaixo de um viaduto. O que buscam, exatamente? O que une estes lugares e, principalmente, qual é o grau de relacionamento entre ambos, que se distanciaram nos últimos anos? Por que se provocam tanto dentro do carro, nas poucas vezes que conversam de fato?
O diretor Laurynas Bareisa não demonstra nenhuma pressa em saciar a curiosidade do espectador. As informações serão entregues, a conta-gotas, ao longo dos 92 minutos de narrativa. Apenas na conclusão todas as peças se encaixam neste quebra-cabeça, que ainda oculta muitos esclarecimentos a respeito do grande conflito do filme: o sequestro, espancamento, estupro e morte de um jovem da região. Apesar da condenação do responsável, os protagonistas acreditam que a justiça não foi feita. Em seu ponto de vista, diversos cúmplices e indivíduos coniventes foram poupados de uma devida punição.
Por isso, a peregrinação do título diz respeito à viagem agressiva e brutal da dupla aos locais relacionados à morte do irmão de Paulius, e ex-namorado de Indre. Ao invés de visitarem o cemitério, ou o quarto onde o jovem dormia, por exemplo, preferem revisitar espaços que — descobrimos adiante — foram utilizados para o seu cativeiro, da rua onde rastejou na tentativa de fuga ao local onde seu cadáver foi desovado. Eles o fazem para saciar a própria memória, mas também para se confrontarem a uma ferida que a população tentou fechar rápido demais. Pelo encontro com testemunhas e possíveis colaboradores, colocam novamente o dedo na ferida.
Um dos fatores de maior incômodo, capaz de ampliar a potência do filme, diz respeito à violência sugerida e imaginada, em oposição àquela praticada. O único crime perturbador ocorreu antes de a narrativa começar.
Assim, a narrativa possui o teor de um drama tradicional, embalado na estrutura e no ritmo de um suspense policial asfixiante. A dupla central agride aos outros e a si mesmos neste processo. Eles tomam atitudes bruscas, de humilhação de terceiros e deles próprios, terminando ocasionalmente em choros ou irrupções de violência. Seria possível sustentar que buscam efetuar o luto, mas existe um caráter perverso, contrário à tentativa de pacificação e acerto de contas. Pelo contrário, exercem nos outros uma forma de agressão psicológica equivalente àquela que teriam sofrido. Trata-se de um gesto de vingança, ao invés de justiça.
Um dos fatores de maior incômodo, capaz de ampliar a potência do filme, diz respeito à violência sugerida e imaginada, em oposição àquela praticada. O único crime perturbador ocorreu antes de a narrativa começar. Jamais veremos o rosto da vítima, nem aquele do criminoso. As descrições cruéis de estupro, cárcere e tortura permanecem, portanto, no domínio da imaginação tanto dos protagonistas, que jamais testemunharam o ocorrido, quanto do público, convidado a projetar seu imaginário de violência nas descrições verbais.
A maneira como os cenários e personagens são filmados contribui à impressão de um olhar gélido a uma situação visceral. Em outras palavras, um olhar distanciado e desencarnado à trama sobre corpos abusados. Os atores contribuem à ambiguidade de seus personagens, entre vítimas e agressores. Eles ora provocam os demais, na espera de uma reação que incentive a briga, ora se posicionam como figuras incompreendidas e oprimidas pela comunidade. Indre testemunha os gestos incivilizados do amigo de maneira passiva, conivente. Em vários momentos, agridem-se mutualmente, a exemplo da cena do porta-malas. O sentimento de raiva expressado contra tudo e todos acaba voltando, invariavelmente, aos heróis (caso da sequência sob o viaduto).
Além disso, a câmera evita o rosto dos personagens, fugindo a qualquer traço de sentimentalismo. Não existe um único close-up propriamente dito no filme, que prefere os amplos planos de conjunto da dupla central em planícies abertas, vazias, em dias nublados. Os movimentos de câmera são raros, assim como a dinâmica no interior do enquadramento. O aspecto posado, rígido, perturba os sentidos por contrariar o que se espera de um justiçamento, e do senso de urgência deste acerto de contas. O furor contido nos dois personagens se contrasta com a aparência de inércia na cidadezinha.
Bareisa encontra uma maneira igualmente áspera de encerrar o projeto: sem redenções dos personagens, sem vitórias contra os algozes, nem recompensas emocionais ao espectador. Encerra-se numa suspensão bruta da “viagem” sombria da dupla. O possível sucesso ou fracasso da iniciativa se deve a uma interpretação do espectador: de que valeu tamanha exposição às dores? O filme elabora uma sugestão de conflito, uma preparação à catarse coletiva que jamais ocorre de fato. O grito permanece preso na garganta dos personagens, e as reflexões são deixadas ao espectador.
Isso não significa um filme sem reflexões, ou avesso ao debate — muito pelo contrário. Peregrinos evita dizer ao personagem o que pensar, determinando quem estaria certo ou errado nesta história. Não há soluções fáceis. Entretanto, o texto jamais se priva de enfrentar os temas espinhosos: a impunidade, a violência urbana, a impossibilidade do luto, a responsabilidade coletiva no caso, a negligência da polícia, etc. O cineasta prepara o terreno, apresenta o caso, oferece inúmeros argumentos para defender todos os lados, para sugerir as causas do problema e suas consequências na cidade. No entanto, após a tese e a antítese, deixa a síntese por conta do interlocutor.
Em conclusão, tece uma obra que respeita seu espectador, a quem se supõe ativo, participativo. Ao invés de ensinar, prefere efetuar as boas perguntas e reposicionar o debate. Trata-se de um cinema adulto, no sentido estrito do termo, avesso a soluções fáceis, tanto na narrativa quanto na construção das imagens. Talvez ele soe hermético demais para uma parcela do público. Mesmo assim, busca uma forma de linguagem de poucas concessões, onde o horror se situa fora de quatro, dentro de um cativeiro vazio, ou no interior de um porta-mala onde a câmera jamais adentra. Bareisa determina muito bem a distância essencial entre estudar a violência e compactuar com ela. Aqui, o caso policial jamais se transforma em entretenimento para as massas: para um caso desconfortável, aplica-se uma linguagem do desconforto.