A premissa possui grande potencial. Em uma sala de cinema, nove pessoas assistem a um estranho filme, até descobrirem que estão presos ali dentro. As portas de saída não abrem, e não parece existir ninguém do lado de fora. Um assassino os persegue, transmitindo as mortes na tela, ao vivo, para os espectadores assustados. Quem está atacando o grupo? Por quê? Como eles podem fugir? Que relação eles possuem entre si, e qual a conexão entre o filme visto originalmente e as execuções projetadas? O quanto existe de voyeurismo, exibicionismo e fetichismo nesta iniciativa?
Promove-se uma triangulação na metalinguagem: nós assistimos a espectadores que, por sua vez, assistem ao assassinato de terceiros. Em seguida, começamos a presenciar a morte destas pessoas, que viam a morte de outros. A sala de cinema, reduto ideal para experimentar simbolicamente o gênero do terror (afinal, experimentamos atrocidades, mas não sofremos as mazelas abordadas na ficção) deixa de ser tão segura assim. E se a representação se tornasse real? Se a fantasia começasse a ocorrer, de fato, e nos transformássemos, contra a nossa vontade, em personagens de uma trama macabra?
Entretanto, o diretor e roteirista Paulo Fontenelle não parece estar interessado em praticamente nenhuma destas questões. O ponto de partida serve a reunir um grupo e jovens, isolá-los e então começar a matança protocolar. Importa pouco quem eles sejam, como reagem, de que maneira podem escapar. O filme nunca se importa verdadeiramente com nenhum deles, nem com o assassino, contanto que os frequentadores sucumbam à armadilha. Neste sentido, aproxima-se menos do slasher de Pânico do que da carnificina despersonalizada de Jogos Mortais. As figuras presentes limitam-se a corpos enviados ao abatedouro.
Ao apresentar sua galeria pobre de personagens e de mortes, o criador não aparenta acreditar em sua própria ficção o bastante para desenvolvê-la.
Haveria inúmeras possibilidades de explorar a batalha entre vítimas e vilões, focadas nos planos dos espectadores para escapar, e na investigação progressiva a respeito da identidade do inimigo mascarado. Ora, esta tampouco constitui uma preocupação da obra. Na primeira morte, um rapaz identifica na tela do cinema a sua namorada, amarrada a uma cadeira, com os gritos abafados por uma mordaça. “É a minha namorada ali!”. “Ele tá matando ela!”. O que o rapaz faz? Corre para a sala de projeção, onde ela se encontra? Vai imediatamente para as portas? Nada disso. Ele continua assistindo à imagem, gritando com a tela. Indigna-se muito mais com o espectador que filma a tela para publicar em sites piratas, do que com o algoz de sua amada.
É curioso o modo como alguns filmes de terror dependem quase exclusivamente da ignorância de seus personagens para funcionar. Se fossem minimamente espertos, tomariam melhores decisões, capazes de complexificar o jogo de gato e rato. No entanto, sucumbem por passividade; perdem a luta por W.O. Morrem por “meritocracia” — algumas figuras da ficção de gênero parecem merecer o destino que lhes é oferecido, enquanto punição pelos fracos instintos de sobrevivência. Um darwinismo cinematográfico, digamos. Os espectadores profundamente tolos e incoerentes de Sala Escura inserem-se neste grupo.
Após uma hora de narrativa, com sucessivas imagens da sala de projeção exibidas no telão, alguém percebe o óbvio: “Ele está na sala de projeção!”. Sucedem-se evidências de um personagem assassinado, revelado em diversas cenas, até que se exclamem: “É o garoto! Ele está morto!”. Sabendo que o adversário se encontra no banheiro do cinema, o grupo apenas admira a porta, do lado de fora. Não tentam bloquear a saída, armar-se de qualquer forma. Esperam ser atacados. Ciente de que se inimigo se encontra num cômodo específico, um espectador apenas enfia o olho por uma fresta, até sofrer as evidentes consequências do gesto.
As estratégias de contra-ataque, ou de fuga, são nulas. “Temos que achar uma saída”, repetem incontáveis vezes os jovens, que nem mesmo verificam se todas as portas estão fechadas. “E aquela porta ali?”, grita algum gênio, muito tempo após o início da carnificina. Cada vez, olham para a direita e esquerda e encontram uma nova saída não testada. Jamais investigam os motivos da perseguição, para além do convite recebido por todos, atraindo-os à sessão de um filme disputadíssimo, sobre o qual ninguém tinha ouvido falar. Não suspeitaram de nada. Em algum momento, pessoas exaustas reclamam: “Chega, vou sair daqui”, como se esta fosse uma decisão repentina que pudessem ter tomado antes.
Logo, parecem integrar um delírio coletivo. As nove vítimas, assim como o projeto visando representá-las, soam em estado de transe. Os acontecimentos são tão improváveis, e as motivações, tão frágeis, que as ações se justificariam apenas num pesadelo, ou na viagem ruim de uma droga qualquer. A empreitada do malvado resulta tão difícil quanto atacar corpos anestesiados. Que surpresa ou angústia pode decorrer deste contexto? Nunca torcemos realmente pela fuga de pessoas tão incapazes, nem tememos a enésima aparição do vilão, que aparece e desaparece magicamente para provocar sustos no espectador, sem qualquer intuito ou função narrativa.
O roteiro ainda reserva aos homens a coragem de irem atrás do vilão, enquanto as mocinhas gritam desesperadamente: “Bruno! Bruno! Bruno! Volta aqui, Bruno!”, uma centena de vezes. Mesmo as scream queens do cinema de horror dos anos 1970 possuíam mais iniciativa e esperteza do que as namoradas histéricas deste grupo. Uma médica esconde seus laços com outros frequentadores da sala escura, por motivos jamais explicados a contento. A relação do grupo entre si, ou com as imagens da ficção exibida antes das mortes, também será descartada. O autor não parece ter dedicado o mínimo esforço para basear seus conflitos em relações plausíveis de causa e consequência.
Logo, Sala Escura falha nos quesitos elementares da linguagem cinematográfica: não consegue construir tempo nem espaço, baseando-se em ações simplórias e personagens desprovidos de complexidade ou variação emocional. Eles habitam uma sala de cinema claríssima, como se alguém tivesse esquecido de apagar as luzes no início da sessão. Depois, quando o perigo se anuncia, o som da tela soa baixo demais. Algumas falas parecem saídas diretamente de um estúdio de dublagem (caso do assassino), imergindo os personagens numa bolha. A maquiagem para orelhas cortadas e feridas despertaram risadas durante a sessão.
Por fim, esta chega a ser uma experiência triste — mais tediosa do que irritante. Ao apresentar sua galeria pobre de personagens e de mortes, o criador não aparenta acreditar em sua própria ficção o bastante para desenvolvê-la. Pior do que isso, não estima que o público mereça um trabalho aprimorado — algumas mortes e gritos estariam de bom tamanho, horror é isso mesmo. Incomodam muito os realizadores de terror que não demonstram crença, paixão ou interesse pelo próprio terror. Grandes atores como Tainá Medina e Allan Souza Lima certamente mereceriam mais do que um projeto de ínfimo investimento cinematográfico, afetivo e discursivo. E o espectador, também.