Sujeito Oculto (2022)

Fantasia pouca

título original (ano)
Sujeito Oculto (2022)
país
Brasil
Gênero
Fantasia, Suspense
duração
107 minutos
direção
Léo Falcão
Elenco
Gustavo Falcão, Marcos Breda, Heloísa Jorge, Yasmin Castelo, Leandro Vieira, Karina Falcão, Domingos Antonio, Rodrigo Garcia, Rita Carelli, Henrique Pontual
visto em
Cinemas

Este filme proporciona uma experiência inusitada — o que provavelmente representa sua principal qualidade. Considerando o resultado coeso ou não, ele busca algo raro no cinema brasileiro através de uma fusão de tons, gêneros e elementos que raramente convivem na mesma obra. O diretor Leo Falcão acredita num caminho específico e jamais desvia dessa cartilha para agradar um público mais amplo. Há evidente confiança do cineasta nos rumos adotados.

Sujeito Oculto se inicia com os mecanismos típicos do cinema de horror: o escritor Max (Gustavo Falcão) decide se isolar numa cidade isolada para escrever seu próximo livro. A casa escolhida tem a aparência típica de uma mansão mal-assombrada, sendo considerada perfeita pelo novo locatário. Ele não pergunta preços, não assina documentos nem organiza a chegada de seus pertences. O herói se afeiçoa tanto ao casarão que permanece no imóvel assim que o descobre. Existe certa ingenuidade nestes heróis do cinema de gênero, encantados com casarões sinistros, vazios e de passado duvidoso. Estes cânones do gênero podem soar fascinantes ou incompreensíveis, a gosto do freguês.

Chegando a noite, o local será coberto de névoa, em meio a uma floresta. Passeando pelo vilarejo mais próximo, ele cruza com um homem sempre a cavar túmulos, e testemunha figuras estranhas que o encaram sem pronunciar uma palavra sequer. Tudo prepara o espectador para um ataque deste local misterioso contra o forasteiro que ousa pisar no meio onde não pertence. As cautionary tales gostam de punir pessoas ousadas e arrogantes pela crença de poderem adentrar qualquer espaço desejado, sem interesse prévio pela cultura local.

Ora, conforme a narrativa avança, os acontecimentos se distanciam do terror. Pelo contrário, entra em cena uma construção fantástica próxima dos programas infantis de televisão. Subitamente, os personagens falam de maneira mui-to ar-ti-cu-la-da, em frases duras demais para o registro oral. Os agentes imobiliários completam as frases uns dos outros; e os homens em frente ao único bar da cidade lutam de maneira coreografada — melhor ainda, eles esperam pela chegada de Max para se enfrentarem.

A magia se limita e se contradiz, como se pedisse desculpas pela intromissão no real. […] Sujeito Oculto desperta essa impressão curiosa de nunca acreditar em seu próprio delírio.

Os artifícios do terror abraçam, portanto, os artifícios da magia infantil. Propostas sombrias para crianças são comuns no cinema brasileiro, porém este projeto não soa voltado ao público jovem, apesar de sua linguagem. As três mulheres silenciosas de roupas coloridas tomam bebidas com as cores de suas roupas, e talvez, em outros filmes, se revelassem bruxas ou feiticeiras. Aqui, restam na posição de moradoras. Um homem trabalha no comércio de sonhos e finais de histórias, porém soa pouco interessado pela chegada de um forasteiro. Ele tampouco influi de maneira determinante nos rumos da trama.

Assim, a fantasia contamina o projeto apenas até certo ponto. A direção planta sementes que nunca germinam, ou talvez semeie estes símbolos sem retornar para a colheita. Max será um escritor que jamais escreve de fato. Ele descobre livros misteriosos contendo a história de cada habitante do local, mas não os lê. Recebe um bilhete misterioso do corretor, e decide não abri-lo. Apaixona-se por uma mulher de quem evita se aproximar. Trata-se de um herói desprovido de curiosidade, ambição e desejo (sexual, inclusive). 

Ao seu redor, a magia se limita e se contradiz, como se pedisse desculpas pela intromissão no real. Uma garota troca adjetivos comuns por outros referentes a gostos, cheiros e cores, no entanto, assim que pronuncia uma palavra inesperada, corrige-se para o linguajar habitual. A figura estereotipada da negra mística surge de lugar nenhum para oferecer uma limpeza espiritual, e então se retira de cena. O filho meio sábio, meio ignorante do dono do bar oferece pérolas de sabedoria jamais acatadas.

Sujeito Oculto desperta essa impressão curiosa de nunca acreditar em seu próprio delírio. A ambiciosa premissa do tempo que passa de maneira diferente na cidadezinha se perde devido à falta de construção: como estas pessoas se relacionam com o mundo lá fora? De que maneira esta percepção se transforma em maravilhamento, choque ou condenação para Max? Aos espectadores menos atentos, talvez o lapso temporal nem sequer seja percebido, visto que influi tão pouco na narrativa. A reunião de todos os personagens num bar, culminando no suposto clímax desta aventura, falha em provocar faíscas na jornada do escritor. O filme aparenta construir um cenário mágico, com personagens impressionantes, e depois não saber ao certo o que fazer com eles.

Um dos aspectos mais intrigantes provém da construção sonora — seja a captação de som direto, o trabalho de edição e mixagem, ou a composição de uma trilha sonora dissonante, perturbadora. Estes elementos representam o aspecto que melhor reúne o horror e a ludicidade infantil. Existe uma riqueza de barulhos e ruídos sugerindo uma vida misteriosa não ilustrada em imagens. O sujeito oculto do título se encontra principalmente neste aspecto.

Já os demais fatores lutam uns contra os outros, ao invés de se somarem. É difícil avaliar a atuação naturalista de Gustavo Falcão em comparação com as performances maneiristas de seus colegas de cena; ou ainda as luzes naturais do vilarejo, em cenas externas, com as luzes multicoloridas do casarão escuro, e a geografia curiosa de um porão escondido. Na maioria dos casos, a magia apenas aparece, simples assim. Ela não tem origens, causas, objetivos precisos. Os textos, livros e mensagens somente existem.

Resta uma experiência atípica na qual a fantasia nunca desperta encantamento nos personagens; e o suspense se mostra incapaz de suscitar tensão. Os autores se preparam para um desfecho apoteótico, quando um personagem ausente enfim se revela. Entretanto, esta chegada soa fortuita, incapaz de resolver as pontas soltas ou de costurar os diferentes gêneros apresentados até então. O longa-metragem se encerra com a aparência de uma obra ousada, cujos conceito e roteiro precisariam de maior amadurecimento antes de passarem à filmagem.

Sujeito Oculto (2022)
3
Nota 3/10

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