No papel, o projeto de The Alto Knights: Máfia e Poder deve ter soado genial aos produtores. Afinal, trata-se de um filme de máfia, acompanhando dois amigos de infância que se tornam rivais décadas mais tarde. Robert De Niro, ícone destas produções, comanda ambos os papéis, atuando consigo mesmo. Na direção está Barry Levinson, cineasta que tem se dedicado, ultimamente, a diversos telefilmes a respeito de homens poderosos, envolvidos em esquemas de corrupção. E no roteiro, Nicholas Pileggi, autor de Os Bons Companheiros e Cassino. Em outras palavras, uma escalação de especialistas neste subgênero cada vez mais raro nas salas de cinema.
Talvez isso justifique a verba considerável para um roteiro tão singelo. Os criadores contaram com a estrutura da Warner Bros. e com US$ 45 milhões para revisitar a história, baseada em fatos, de Vito Genovese e Frank Costello, chefões do crime controlando bairros gigantescos pela cidade, até serem descobertos e presos, em decorrência da traição do primeiro. Trata-se de um filme sobre tráfico que não mostra o tráfico, de fato; e de um filme sobre gangues com raro enfrentamento entre grupos distintos. Há poucos tiros, pouco sangue, e nenhuma perseguição ou cenas de ação. O conflito é orquestrado nos bastidores.
De Niro sabe trabalhar com personagens de mafiosos de maneira competente, sem recorrer à caricatura. Infelizmente, Levinson e sua equipe efetuam escolhas bastante prejudiciais — especialmente na montagem.
O prazer reside na diferenciação de De Niro para os dois papéis. Utilizando próteses diferentes no nariz, ele cria vozes distintas, além de posturas corporais e sotaques variados. Genovese possui um temperamento conciliador, evitando conflito, enquanto Costello se mostra propenso às explosões e delírios de grandeza. O figurino e os acessórios ajudam a separá-los, porém, à mesa de um restaurante, o roteiro se delicia com a oportunidade de colocar De Niro frente a si próprio. Embora não se trate de uma atuação excepcional, o veterano sabe trabalhar com tais personagens de maneira competente, sem recorrer à caricatura.
Neste sentido, o projeto está bem amparado. Talvez para não roubar o estrelato de De Niro (ou porque o orçamento tenha sido consideravelmente gasto com o ator), a galeria de coadjuvantes se mostra bastante modesta, para dizer o mínimo. Debra Messing tenta conter, com pouco sucesso, suas tradicionais caras e bocas exageradas; Cosmo Jarvis encara o capanga acerebrado e servil; e os demais intérpretes de mafiosos carregam no imaginário da máfia ítalo-americana, de sotaques fortes e gestualidade característica. Importa aos criadores evocar o imaginário dos clássicos de máfia, ainda que não esteja próximo de suas principais referências.
Isso porque Levinson e sua equipe efetuam escolhas bastante prejudiciais à experiência. A montagem, em especial, tenta atribuir um dinamismo artificial via fragmentação excessiva das cenas. O atentado contra Vito possui tantos cortes e ângulos que se aproxima de um estranho videoclipe. Sempre que possível, a edição investe numa sucessão de flashes de fotos e imagens curtíssimas, na tentativa de atribuir um componente pop à caracterização antiquada do cineasta. Já os letreiros abruptos, ocupando a tela inteira, e anunciando audiências em tribunais ou festas secretas, nos mergulham em algum episódio de Law & Order.
A mesma montagem possui uma maneira estranhíssima de lidar com diálogos, permitindo que se repitam em cada interação. É certo que pessoas às vezes se repetem quando conversam, e um pouco de redundância poderia conferir naturalismo às trocas. No entanto, De Niro e Messing chegam a dizer três, quatro vezes a mesma fala, em ângulos diferentes. É óbvio que os atores repetiram suas deixas para facilitar os cortes da montagem, em tomadas distintas, mas Crise preserva as falas redundantes enquanto estilo de linguagem. The Alto Knights se esforça para procurar algum estilo próprio, uma marca única, mas se aproxima da aparência de erro, ou de uma montagem apressada, ao invés de uma escolha orgulhosa pela ruptura das convenções de linguagem.
O roteiro também apresenta dificuldade em delimitar sua história: mesmo no terço final, ainda somos apresentados a novos personagens, enquanto figuras fundamentais são esquecidas pelo caminho (caso de Anna Genovese, interpretada por Kathrine Narducci). O conflito se encaminha a um grande clímax entre mafiosos, até Levinson converter o instante num anticlímax, abortando os planos de enfrentamento, e propiciando um estranhíssimo humor físico (os chefões poderosíssimos, acostumados a subornar senadores e policiais, correndo feito ratinhos de uma viatura solitária).
No final, The Alto Knights: Máfia e Poder sofre de uma falta de ponto de vista. Narra a história pela voz de Vito, já idoso, relembrando os fatos ao espectador. No entanto, abandona-o durante tempo considerável para se focar em Frank. Em contrapartida, jamais sabemos exatamente o que estes homens pretendem, ou até onde estão dispostos a ir. As ações se sucedem sem criar tensão, nem apontar a um rumo preciso. Os projetos para fuga em Cuba, para sabotar o encontro final ou liberar Vincent da polícia surgem sem preparo, nem intenção predefinida. Seguimos a trama ignorando para onde vai, ou o que o autor teria a dizer a respeito dos fatos narrados.
“A vida continua. É isso”, afirma a conclusão do longa-metragem. Isso é pouco para um longa-metragem que retoma a máfia e seus códigos de violência nos Estados Unidos autocráticos do século XXI. Por que Levinson e Pileggi quiseram relembrar o ocorrido? O que têm a dizer a respeito da violência no país? Do atual status dos descendentes de estrangeiros? Das relações escusas com políticos e policiais? Que forma de atualização pretendem trazer a esta linguagem do cinema? É difícil saber. São curiosos os filmes com muito a mostrar, mas pouco a dizer. Narra-se uma trama, ainda que o discurso por trás de tal empreitada esteja opaco, hermético. Em se tratando de uma obra evidentemente política, esta é uma falha grave.