The Ice Tower (2025)

Amor à rainha

título original (ano)
La Tour de Glace (2025)
país
França, Alemanha
gênero
Drama, Fantasia
duração
118 minutos
direção
Lucile Hadžihalilović
elenco
Marion Cotillard, Clara Pacini, August Diehl, Gaspar Noé, Marine Gesbert
visto em
75º Festival de Berlim (2025)

Jeanne (Clara Pacini) foge do local onde mora, mas não sabemos ao certo o porquê. Ela corre riscos em pleno inverno, sem ter onde dormir, porém, tampouco compreendemos para onde se desloca. Carrega consigo um colar de contas, ainda que o valor deste objeto permaneça em segredo. Alguns destes mistérios serão desvendados ao longo da trama de The Ice Tower — mas não todos. A diretora Lucile Hadžihalilović se preocupa pouco com a psicologia ou a história pregressa de suas personagens. O foco dela se encontra em tudo aquilo que pode ser exteriorizado, ou seja, convertido em ação.

Por isso, seu encontro com a diva Cristina van Den Berg (Marion Cotillard) ocorre de modo igualmente pragmático: a adolescente conhece a atriz na encenação da Rainha de Neve para um longa-metragem. Decide, então, roubar um brilhante do vestido dela. Encanta-se com a figura enigmática e glacial, que corresponde aos seus desejos profundos — a garota sempre foi apaixonada por este conto, que conhece de cor. Supõe-se, então, que o destino a tenha encaminhado propositadamente para a materialização de sua história preferida. Para além de abordar uma fábula conhecida, o longa-metragem busca construir sua própria estrutura fabular.

O filme sustenta uma aparência lânguida, de óbvio homoerotismo feminino, ainda que demore a providenciar a mínima concretização dos desejos.

A narrativa recusa de imediato o naturalismo. É claro que este mundo é concebido para a jovem em fuga, oferecendo-lhe de imediato a possibilidade de se inserir na filmagem cinematográfica e adquirir cargos de importância crescente no projeto. Ela dorme diversas noites sobre os figurinos, pelos corredores, sem ser incomodada. Adiante, recebe de bom grado a estadia num hotel de luxo. Trata-se de uma narrativa de sedução, como se o presente fosse grande demais e, cedo ou tarde, fosse cobrado o preço de tamanha generosidade. Alice conhece seu país de maravilhas, e então descobre os perigos do local.

Para além dos golpes de sorte, a estética se envolve numa atmosfera de sonho lisérgico. Os personagens e acontecimentos deslizam pelos cenários como se estivessem posando para a câmera, com os olhos semicerrados, entorpecidos. Correspondem ao imaginário da diva e da pequena Branca de Neve, perdida numa floresta ameaçadora. Comunicam-se em falas sussurradas, do tipo que profere abominações com um doce sorriso nos lábios. As interações pertencem quase sempre ao domínio do feitiço, com o diferencial que as provocações e encantamentos ocorrem sobretudo por motivos escusos, interessados, nada genuínos. Seduz-se quando se estima ter algo a ganhar neste jogo.

Por este motivo, a obra inteira sustenta uma aparência lânguida, de óbvio homoerotismo feminino, ainda que demore a providenciar a mínima concretização dos desejos. Hadžihalilović promove uma obra tão infantil, em suas simbologias, quanto erótica, nas pulsões representadas em tela. Algo sutil e explícito; discreto, mas também evidente. Estranho jogo de referências (quem não conhece a Rainha da Neve?) que pretende constituir uma narrativa totalmente independente de atração e repulsa entre mulheres. Mesmo as implicações da relação simbólica entre mãe e filha serão verbalizadas pelas protagonistas.

The Ice Tower flerta às vezes com o cinema de terror, nas fortes cenas envolvendo um corvo. Aproxima-se de um conto impressionista nas cenas de madrugada, passeando pelo cenário de neve falsa; e sugere um mergulho metalinguístico na magia do cinema, capaz de provocar um efeito magnético através de cenários pintados e uma luz superexposta. Infelizmente, nenhum destes caminhos é aprofundado. A explosiva Cristina e a ingênua Jeanne se atraem num jogo de sadomasoquismo que parece convir a ambas, mas que tampouco é levado às últimas consequências pela direção. Há inúmeros fios de narrativa, jamais aproveitados.

A direção prefere investir todo o seu esforço na ambientação baseada na neve, na montanha infinita, no castelo real onde vive a atriz. Trata-se de um filme plasticamente opressor, com muitas poses e uma composição de asfixiante nível de controle por parte da mise en scène. No entanto, resta pouco humanismo por baixo dos arquétipos de Lolita e Norma Desmond, ou Christine contra Carlota. Elas correspondem a imaginários de feminilidade, nunca a figuras providas de subjetividades delimitadas.

Às atrizes, cabe corresponder ao jogo de personagens interpretando personagens. Marion Cotillard encarna a figura potencialmente maléfica (ou apenas vaidosa e egocêntrica?), que finge desmontar suas máscaras para a garotinha apaixonada. Já Clara Pacini arregala os grandes olhos pretos, preserva a postura e o corte de cabelo infantis, ilustrando a ingenue. Por isso, quando a sexualidade enfim explode em cena (de maneira bastante referencial, para um projeto tão propenso às metáforas), o instante possui um estranho caráter de abuso.

No final, La Tour de Glace (no original) arrasta-se entre sugestões que nunca deseja concretizar (as drogas consumidas por Cristina, por exemplo) e um perigo que jamais se converte em algo realmente potente. Soa como um extenso e monótono desfile de moda, uma arte conceitual para a narrativa que nunca se inicia de fato. Carece de verve, tensão e coragem para converter sugestões tão violentas (o pressuposto do sacrifício) em algo mais marcante do que uma propaganda de perfume com a temática do inverno. Falta elaborar o conteúdo sob a embalagem brilhosa.

The Ice Tower (2025)
5
Nota 5/10

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