É muito fácil se identificar com os personagens deste documentário. O casal formado por Cris Martins e Albert Ventura representa um ideal do brasileiro médio, sorridente apesar das dificuldades, e sempre disposto a dar um jeito para seguir em frente. Embora o espectador dificilmente pertença à mesma classe social dos protagonistas — considerando o preço dos ingressos de cinema e o frequentador do circuito comercial —, ele pode enxergar nesta família, pertencente a uma comunidade pernambucana, a figura do homem (ou mulher) cordial.
Enquanto constroem novos cômodos na parte superior de casa, eles descobrem uma quarta gravidez, que fugia aos planos da dupla. Cris confessa, num momento posterior, ter chorado, se ferido, e cogitado o aborto junto ao marido. Entretanto, os cineastas Victória Álvares e Quentin Delaroche evitam qualquer representação de uma crise ou uma exposição frontal da miséria, da dor, da dificuldade. Preferem se focar nas risadas e brincadeiras com a mãe, com os filhos, ao longo de ensaios fotográficos e videográficos.
Isso porque Cris e Albert encontram uma solução à falta de trabalho formal na profissão novíssima de produtores de conteúdo. Seguem à risca os predicados de uma plataforma de vídeos rápidos, que exige a publicação frequente para recompensas que giram entre 450 e 600 reais. Posto que a mulher tem três filhos para criar, e o marido está preparando a expansão da casa, a possibilidade de ganhar dinheiro sem sair de casa soa tentadora. Convertem-se, então, em influenciadores.
Os autores trazem, por meio de uma estética leve, questionamentos políticos fundamentais. Esta arte cúmplice encontra na camaradagem a sua força e sua limitação.
Tijolo por Tijolo combina a imagem e a autoimagem, ou seja, a captação dos cineastas profissionais com aquela fornecida pelos personagens amadores. Cris também cozinha, dá aulas de maquiagem, de zumba, e promove encontros para discutir pautas feministas. Ela deseja ser vista, e está acostumada com o dispositivo de gravação colado ao seu corpo. Não se incomoda com a nudez, nem com as câmeras (mais de uma) registrando seu parto em detalhes.
Na nova era digital, tornamo-nos criadores e criaturas, cineastas e atores de nossas próprias ficções. O documentário nunca problematiza estes temas, nem mesmo os aprofunda. É possível contestar este olhar bastante otimista e condescendente ao trabalho precarizado em plataformas de conteúdo, assim como a condescendência em relação à autoexposição infantil. Alguns dos momentos mais ternos e divertidos provêm justamente das filmagens pessoais do pequeno Caique, seguindo os passos dos pais, com o celular na mão.
Isso ocorre porque os cineastas nunca se afastam de seus personagens para emitirem opiniões próprias acerca dos fenômenos sociais retratados. É claro que defendem a autonomia feminina, atestada na luta de Cris pela laqueadura via serviço público, e que estimulam o debate sobre o aprimoramento dos serviços de saúde. Em paralelo, apoiam a ajuda humanitária desta família aos desabrigados por uma enchente na região, e se mostram solidários às discussões de Cris com outras mulheres, no intuito de empoderá-las.
Em contrapartida, a dupla jamais questiona a construção da imagem de si, ou dos limites à privacidade. Onde a cumplicidade cede espaço ao voyeurismo, ou à espetacularização da vida íntima? Seria na câmera que observa a mulher dormindo em sua cama, aproximando o enquadramento do rosto? Nas imagens de nudez, enquanto ela experimenta um produto de beleza, ou na utilização acrítica da autoimagem infantil? Compreendemos aquilo que Álvares e Delaroche pensam a respeito de seus personagens, mas o que pensam a respeito da imagem produzida por eles, ou com eles?
Na ausência de tais reflexões, resta uma conexão bastante direta com sentimentos e sensações. A montagem apresenta a trajetória do casal por meio de uma sucessão de fotografias pessoais, enquanto insere na trilha sonora a versão em forró de música pop americana e francesa, e aproveita os vídeos mais engraçados de Cris, revelando aos espectadores sua arroba caso desejem se tornar seguidores. Os cineastas jogam junto, na condição de parceiros, ao invés de observarem os familiares enquanto objetos de estudos, ou sintomas de um fenômeno social mais amplo.
Na sala de cinema, os espectadores riam diante da espontaneidade dos personagens, claramente muito íntimos dos diretores. Cris, Albert e os filhos provocam Quentin, e citam Victória nos diálogos. Brincam com a galinha que entra no quarto, com a dificuldade de carregar a esposa escada acima, com a curiosidade dos irmãos em relação à garotinha recém-nascida. Este é um universo lúdico, repleto de espontaneidades captadas de maneira atenta e generosa pelos autores — a generosidade sendo compreendida, neste caso, enquanto avessa à intelectualização do processo. Os personagens tornam-se ponto de partida e finalidade da obra.
Uma passagem curta, porém importante, merece questionamento. A cena dos alagamentos em Pernambuco é apresentada de modo a sugerir que a casa de Cris tenha sido alvo desta destruição. Afinal, até então, todas as imagens diziam respeito à família da protagonista, e quando a catástrofe irrompe em imagens, pressupõe-se que a mulher esteja entre as vítimas. Segundos depois, a montagem revela que isso ocorreu a outras pessoas, e o imóvel da personagem permanece intacto. A brincadeira com este suspense (que levou a muitas reações de espanto e comoção na sala escura do Olhar de Cinema) soa eticamente contestável.
Mesmo assim, isso não retira o valor de um documentário popular, capaz de dialogar com a linguagem das redes sociais sem tentar reproduzi-la de maneira acrítica. Os autores trazem, por meio de uma estética leve, questionamentos políticos fundamentais acerca do racismo ambiental, do machismo estrutural e das desigualdades sistêmicas. Para o bem ou para o mal, evitam incomodar, perturbar, provocar, despertar cóleras ou indignações. Esta arte cúmplice encontra na camaradagem a sua força e sua limitação.