A princípio, Until Dawn: Noite de Terror impressiona pela quantidade de subgêneros do terror combinados numa única trama. Trata-se de uma variação da premissa envolvendo jovens presos numa cabana na floresta, sendo atacados por bandidos — portanto, o filme de invasão doméstica (home invasion), além dos projetos a respeito de forças inexplicáveis da natureza. Flerta-se com o slasher a partir das sucessivas mortes dos amigos, por meio de objetos cortantes (facas, machados, picaretas), e da escolha de uma final girl, Clover (Ella Rubin).
Além disso, ele funciona enquanto trama de monstros; conto de aparições sobrenaturais; fábula de cientistas geniais-malucos e uma ficção científica centrada em loopings espaço-temporais (os protagonistas são condenados a viver a mesma noite, repetidas vezes). Pode ser descrito, igualmente, como uma experiência análoga ao escape room, onde os participantes são convidados a desvendar pistas espalhadas pelos cômodos, visando a fuga. Caso morram, não há problema: o jogo reinicia no dia seguinte. A morte se torna inconsequente, banal — um fracasso temporário, ao invés de uma fatalidade. Seus membros foram dilacerados por um inimigo, ou o corpo explodiu após a ingestão de um líquido estranho? Sem problema. Retorne à vida e tente de novo.
A ideia de continuar tentando remete ao jogo no qual é inspirado. O projeto deriva do game de sucesso, inserindo-se na aposta do mercado cinematográfico em faturar a partir de marcas consagradas pelos consoles — Playstation, no caso. Transpõe-se o conceito de jogabilidade ao pressuposto das tentativas reiteradas, tal qual ocorreria na narrativa de origem. Embora o cinema proporcione uma experiência praticamente oposta à interatividade dos games (o espectador não determina os rumos dos personagens quando se senta na sala escura), o roteiro busca uma maneira de aproximá-lo do raciocínio da mídia alheia.
Uma narrativa tão coesa quanto arbitrária. Sandberg efetua um horror teen à moda antiga, onde os heróis se reduzem a vítimas diante de agressores vilanescos.
A desimportância da vida justifica o modesto investimento na construção psicológica dos personagens, ou mesmo no comportamento mágico-científico deste universo. Há um mundo onde a chuva nunca chega; existe uma casa da qual os personagens não conseguem fugir; e eles recuperam consciência e integridade física algumas horas mais tarde. É preciso aceitar este ponto de partida fantástico sem questionamentos — ele apenas existe. Quanto aos heróis, serão limitados a descrições mínimas: a garota com dons psíquicos, o namorado egoísta, o jovem que busca reconquistar o coração de Clover, etc. Tamanho desapego permite o distanciamento quando morrem de maneira cruel diante de nossos olhos. Tanto faz, nós mal os conhecemos mesmo. No dia seguinte, estarão de volta.
É uma pena que Until Dawn não promova alguma forma de aprendizado através deste círculo letal. Eles são atacados e sucumbem, porém, apostam em planos equivalentes na investida seguinte. Nunca aprendem nada relevante a respeito da geografia da casa, dos inimigos, ou das brechas no sistema, que os permitam fugir. O eventual êxito da escapatória se deverá à insistência, não à inteligência. Nem mesmo as informações decorrem de uma investigação apurada dos jovens. Os dados são fornecidos ao acaso, através de fitas VHS, artigos de jornal e um microfone, através do qual o inimigo explica tudo aquilo que eles (e o espectador) precisam saber. Sandberg não atribui nenhuma grande qualidade aos protagonistas. (Quer algo mais democrático do que a crença no acaso, em detrimento da meritocracia?).
Resta uma narrativa tão coesa e concisa quanto arbitrária. Por um lado, ela se restringe ao único conflito, dispensando tramas paralelas e conexões com o mundo ao redor. Ninguém virá buscá-los, de modo que os jogadores precisarão vencer conforme as regras estipuladas pelo jogo. Esqueça a polícia, os amigos ou vizinhos chegando para resgatá-los em modo deus ex machina. Por outro lado, permite que as agressões se desenvolvam sem gradação aparente, nem lógica envolvendo o modus operandi das mortes. Ora eles são perseguidos por uma criatura mascarada. Ora explodem após provarem a água da torneira. Inicialmente, sugere-se que cada retorno à vida deixaria marcas profundas nos sobreviventes, que reclamam de dor e apontam a pele marcada pelos golpes da véspera. Entretanto, depois da terceira morte, o recurso é abandonado pela maquiagem e pelos atores.
A propósito de atuações, Until Dawn: Noite de Terror não apresenta performances marcantes, seja pela superficialidade dos personagens, seja pelo comprometimento somente mediano dos intérpretes. Ella Rubin, em particular, deveria expressar o trauma pela irmã morta, além da dor profunda de uma armadilha dilacerando a sua perna. Após poucos segundos de choque, a garota se mostra inexpressiva novamente. Em virtude do imperativo da sobrevivência, os viajantes ganham pouca oportunidade de manifestar ambiguidades — eles estão ocupados em correr, pular, matar, gritar. Chega a surpreender a presença de um ator experiente como Peter Stormare entre os novatos. Ele encarna uma figura que, nas mãos de um roteiro mais ambicioso, poderia se converter num adversário perverso e perturbador.
Mesmo assim, em sua modesta proposta, o saldo se mostra positivo. Nenhum produtor, diretor ou ator envolvido na empreitada acredita estar criando uma obra-prima. No momento de tantas experiências de terror elevadas por uma mise en scène rebuscada e autoral (vide o horror financiado pela A24), com pretensões psicológicas e sociais profundas (as obras de Ryan Coogler, Zöe Kravitz e Jordan Peele), Sandberg efetua um horror teen à moda antiga. Aqui, os heróis se reduzem a vítimas diante de agressores vilanescos, porque assim deseja este tabuleiro. Eles dizem pouquíssimo a respeito de sua geração, da sociedade em que se inserem, de seu gênero ou raça. Limitam-se a arquétipos (a mocinha, o pretendente, o vilão maluco, e assim por diante), ao invés de figuras tridimensionais. Quando a história se encerra, eles terão deixado marcas singelas no espectador — assim como, muito provavelmente, seus criadores o conceberam.