A noite de abertura do 31º Festival de Cinema de Vitória trouxe a 13ª edição da Mostra Foco Capixaba, importante seção destinada a encontrar novas vozes do curta-metragem local, expressa sobretudo por artistas jovens, ainda em formação.
Em comum, os quatro títulos exibidos ao público procuram uma forma de sair dos grandes centros urbanos e explorar subjetividades distantes da norma. Isso significa se voltar, em termos de narrativa, às comunidades ribeirinhas e quilombolas e, em termos de linguagem, ao cinema de animação, assim como às formas mais livres de documentário.
Dentro do Teatro do Sesc Glória, os espectadores aplaudiam efusivamente, sinal de uma comunicação muito eficiente com o público — fato nada desprezível para trabalhos de baixo orçamento, e com limitações de produção. Embora as obras fossem marcadas por certo didatismo ou ingenuidade (todos os filmes se encerram com explicações pedagógicas, sobretudo em voz off, como se os criadores ainda não confiassem no potencial de suas imagens e sons), demonstram o potencial de quatro cineastas ainda pouco conhecidos em circuito nacional.
O T-Rex e a Pedra Lascada, de Luã Ériclis, abriu a mostra com uma conjunção entre o cinema infantil e uma narrativa fabular-mitológica. O autor utiliza os membros de sua própria família numa exploração bastante competente do cinema fantástico. Com exceção de uma ou outra redundância, faz bom uso da maquiagem e dos recursos abertamente amadores para dialogar com um cinema mais próximo do público. Uma obra caseira, no bom sentido do termo. Este foi o melhor curta-metragem da noite.
Já Fala, Vô! constitui uma animação surpreendentemente eficaz para os recursos limitadíssimos de que dispunha Felipe Risallah, estudante de cinema. Ele explora os laços de afeto com o avô, falecido durante a pandemia de Covid-19. Se a explicação final incomoda um pouco, as cenas do garoto levitando no espaço e outras liberdades típicas das ferramentas animadas elevam o resultado. Fica a curiosidade para aquilo que o jovem cineasta pode criar, uma vez dispondo dos recursos, tempo e equipe necessários.
Mulheres Maratimbas se volta à apresentação de Porto Grande, região em Guarapari, pouco conhecida até pelos capixabas. A diretora Thais Helena Leite se volta a esta vila de pescadoras, fundada por uma mulher. Apesar de o título sugerir um retrato das senhoras idosas da região, o foco se perde entre o uso das areias para a fabricação da bomba atômica, e a superexposição da própria cineasta. Ela controla o filme via narrativa em off, falando excessivamente, além de se colocar nos enquadramentos durante as entrevistas, e de posar para fotos com as personagens. Converte-se, assim, na real protagonista de sua obra.
Mas talvez o principal incômodo tenha vindo de O Caboclo do Sapê. Munido de nobres intenções — apresentar o trabalho e as ideias do Caboclo Sapezeiro em seu quilombo —, representa o único caso da noite em que o baixo orçamento resulta em escolhas muito fracas de som, imagem, e narrativa. A montagem frenética, suprimindo cada respiro do personagem entre frases, se mostra mais apropriada às redes sociais do que à linguagem cinematográfica. Já as captações do protagonista se provam vacilantes em termos de enquadramento, de foco, de luz. Um cinema de guerrilha não precisa equivaler ao descaso com o rigor na construção audiovisual.
De qualquer modo, é louvável que o Festival de Vitória possa começar com uma noite 100% capixaba, o que também incluiu a exibição do longa-metragem Presença, de Erly Vieira Jr, e uma homenagem à atriz local Suely Bispo. Poucos eventos nacionais se dedicam à produção de seus estados com tamanho vigor, valorizando as vozes novas numa sessão de abertura ao invés de privilegiarem os nomes mais midiáticos de outras regiões do Brasil.