A noite de 9 de novembro trouxe filmes bastante fortes ao Bonito Cine Sur — Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Ao final desta sessão mais longa e provocadora do que de costume, os espectadores se encaravam pelos corredores, com olhos arregalados. “Tenso, não?”. “Nossa, nem fala”.
O principal motivo do choque veio do potente A Bruxa de Hitler. O filme argentino dirigido por Virna Molina e Ernesto Ardito coloca duas famílias nazistas convivendo numa propriedade confortável, e fugindo da responsabilização por seus atos durante a guerra. Por trás da aparência de “instituições funcionando normalmente”, o choque entre ambos os núcleos resulta num espetáculo forte de assassinatos, estupro, incesto, pedofilia e suicídio. Leia a nossa crítica.
Felizmente, os diretores manipulam de maneira muito hábil a textura da imagem, as ferramentas do cinema fantástico e eventuais imagens históricas introduzidas nesta fábula. A narrativa labiríntica incomoda sem jamais recorrer ao sensacionalismo fácil, pelo contrário — os autores encontram um meio-termo muito interessante entre a obra clássico-narrativa e o cinema experimental.
A noção de um perigo que se aproxima da Argentina, revestido de um verniz democrático, também efetua uma conexão direta com a presença de Javier Milei no segundo turno das eleições presidenciais argentinas. O candidato de extrema-direita, apoiado por Jair Bolsonaro, promete, entre outros, fechar o INCAA — equivalente nacional da Ancine —, em represália aos artistas. Em outras palavras, um horror que os brasileiros conhecem muito bem.
O curta-metragem escolhido para acompanhar A Bruxa de Hitler não contribuiu a aliviar o peso da noite, pelo contrário. O boliviano Pedra Dura, de Rommel Villa, segue a aproximação violenta entre um padre e o coroinha. Após flagrar o adolescente se masturbando, o homem adulto o convida para a sua casa, onde abusa sexualmente do garoto com aparente deficiência cognitiva. As reais intenções do padre se tornam evidentes desde o princípio, cabendo ao espectador apenas aguardar a concretização macabra do abuso anunciado.
O filme adota algumas precauções essenciais, como preservar o ponto de vista do menino e terminar a jornada junto a ele. Além disso, efetua um salto no tempo, durante a noite, visando ocultar a extensão da violência praticada pelo padre. No entanto, pode soar expositivo em suas intenções e discurso. Enquanto o longa-metragem argentino visava representar o horror das instituições falidas por meio de metáforas, o curta boliviano prefere apresentá-las de maneira realista, na chave da denúncia. Mira em especial na constatação de um grave problema social.
A mostra competitiva sul-americana se encerra nesta sexta-feira, 10 de novembro, com a exibição do curta-metragem chileno Estrelas do Deserto e do longa-metragem brasileiro Mais Pesado É o Céu.