O documentário parte de um elemento poucas vezes retratado enquanto parte da história e cultura negra brasileiras: os bailes soul no Rio de Janeiro, nos anos 1970 e 1980, quando as canções de James Brown e outros ídolos norte-americanos influenciavam os cariocas. Para além do samba, o Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda foi conhecido também como “templo do soul”, onde jovens se conheciam, dançavam, paqueravam e reafirmavam o orgulho de sua negritude.
Este é um dos aspectos mais importantes do filme dirigido por Emílio Domingos: o papel destes eventos musicais enquanto empoderamento black. Através destes encontros, os adolescentes reafirmavam a beleza e o valor de suas roupas, seu cabelo, sua pele, sua maneira de ser em sociedade. “A estética do negro de comunidade assusta a sociedade”, lembra um entrevistado. Ali, no entanto, podiam se divertir entre si, tendo reconhecimento pela mesma estética rejeitada nos centros brancos.
Black Rio! Black Power! garante que o racismo e a discriminação sejam discutidos de maneira frontal, porém nada espetacularizada. Nenhum participante dos antigos bailes se mostra comovido ou enraivecido ao relembrar a opressão policial, por exemplo. Possuem distanciamento suficiente para relatar episódios de perseguição com a calma desafetada de quem já superou o caso. O preconceito se converte em tema importante, porém nunca ameaça roubar o protagonismo das falas.
Talvez o filme se dedique demais a comentar os bailes, ao invés de retratá-los. É sintomático que haja poucos registros disponíveis a respeito de um movimento cultural tão forte: à revelia, o projeto representa o apagamento histórico dos negros do país.
Pelo contrário, a obra privilegia o fervor dos bailes e reuniões. Os olhos dos entrevistados se iluminam ao relembrarem as músicas, as roupas, os beijos trocados no salão. Combatem o equívoco de que seriam contrários ao samba, ou excessivamente influenciados pelos norte-americanos, graças à paixão pela música estrangeira. Valorizam a importância de se apropriarem de signos fortes da cultura negra internacional, adaptando-os à realidade local. Ora, como lembram os participantes, as pautas por igualdade de direitos estavam muito mais desenvolvidas no norte do globo, razão pela qual serviam de exemplo para nós.
Para um documentário baseado na estrutura convencional dos talking heads, ou seja, as “cabeças falantes”, a obra demonstra precioso cuidado com a elaboração estética. Domingos trabalha com cores fortes e queimadas, além de um granulado que remete à película antiga, e um cenário criado especialmente para as filmagens — as gigantescas caixas de som posicionadas no Grêmio Rocha Miranda. Dissocia-se ao máximo o som da imagem referente, permitindo às vozes proporem uma reflexão ampla e etérea, para além das experiências pessoais de cada personagem. Os entrevistados se tornam pensadores desta época, para além de meros testemunhos munidos de lembranças íntimas.
Em contrapartida, a opção de dispor todos os entrevistados no mesmo local, falando em um único ângulo cada, limita a experiência visual. Passados alguns minutos, o filme repete suas imagens e pontos de vista: veremos os mesmos rostos, em posições idênticas, sobre o fundo repetido das caixas brancas. Posto que os criadores dispõem de poucas imagens de arquivo, até as fotografias em preto e branco, de baixa definição, aparentam se repetir em sua granulação próxima do abstrato.
Isso significa que o dinamismo depende excessivamente das falas dos participantes, em detrimento da direção. O cineasta possui algumas ideias promissoras, a exemplo da decisão de exibir aos senhores e senhoras maduros uma reportagem preconceituosa de décadas atrás, em relação aos bailes soul. No entanto, extrai pouca repercussão ou carga dramática deste dispositivo — a maioria das pessoas apenas dá de ombros diante da fala de terceiros. A tentativa de introduzir elementos de provocação, ou de aumentar a discussão, produz resultados modestos.
O mesmo vale para a proposta de dança aos convidados. Solicitados a dançarem na cena final, como faziam antigamente, metade abraça a tarefa com gosto, embora a outra metade soe desconfortável com o pedido. A montagem aparenta estar mais preocupada em representá-los todos do que em selecionar apenas os personagens que se prestem ao jogo. Em paralelo, a presença limitada de mulheres (somente duas) em relação aos homens também poderia ser questionada, em um filme que se propõe a observar o fenômeno de antigamente por um olhar contemporâneo.
Black Rio! Black Power! se encerra com uma pergunta quase óbvia a cada entrevistado: qual seria o legado dos bailes? Eles respondem com frases a respeito do empoderamento negro, da importância de se enxergarem uns nos outros, de se sentirem bem entre jovens negros da mesma comunidade. Sugerem que estes eventos surtiram efeitos para muito além de sua época, marcando definitivamente os adultos que vieram a se tornar.
Talvez o filme se dedique demais a comentar os bailes, ao invés de retratá-los; a discutir o empoderamento no lugar de recuperá-lo em imagens. Há muito mais a escutar do que a ver neste projeto — sinal não da falta de interesse de seu criador, mas da ausência de materiais, sobretudo relacionados à cultura negra brasileira. É sintomático que haja poucos registros disponíveis a respeito de um movimento cultural tão forte: à revelia, o projeto representa o apagamento histórico dos negros do país. Neste sentido, o documentário cumpre seu papel de resgate e reafirmação em tempos de disputa de narrativas.