Dying — A Última Sinfonia (2024)

"Nem todo mundo tem o talento de ser feliz"

título original (ano)
Sterben (2024)
país
Alemanha
gênero
Drama
duração
180 minutos
direção
Matthias Glasner
elenco
Lars Eidinger, Corinna Harfouch, Lilith Stangenberg, Ronald Zehrfeld, Robert Gwisdek, Anna Bederke, Hans-Uwe Bauer, Saskia Rosendahl
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

O drama se abre com uma mulher idosa sentada no chão, manchada pelos próprios excrementos. O marido está vagando em algum lugar da vizinhança, sem calças. Ele tem Parkinson, e perde com frequência a referência espacial. Ela também possui algumas doenças que serão reveladas adiante. Para além de uma compreensão existencialista deste tema (do tipo “todos morreremos eventualmente”, “a vida pode acabar a qualquer minuto”, etc.), ambos estão, de fato, próximos de morrer. Nenhum tipo de tratamento médico permite pensar que suas condições serão revertidas.

No entanto, os filhos adultos deste casal estão preocupados demais com seus próprios ciclos de vida e morte. Tom Lunies (Lars Eidinger), condutor numa orquestra jovem, nutre sentimentos ambíguos pelo bebê recém-nascido da ex-namorada. Isso se deve ao fato que, quando estavam juntos, a mulher chegou a engravidar, mas ambos optaram por um aborto. Já Ellen Lunies (Lilith Stangenberg) leva uma vida desregrada, entregue ao álcool e aos romances furtivos com desconhecidos. Inconscientemente, ela testa os limites de sua existência.

O diretor Matthias Glasner demonstra verdadeira fascinação pelas distintas maneiras de lidar com a finitude. Para isso, inclui na narrativa de 180 minutos um vasto panorama de símbolos de perda real ou simbólica. Há mais de um enterro durante a trama, em paralelo à peça musical intitulada “Morrer” (que dá nome ao título). Além disso, surgem casos de suicídio cogitados ou concretizados, acidentes de carro e doenças diversas. Em contrapartida, são incorporados bebês, novos amores e oportunidades profissionais para simbolizar um ciclo ininterrupto: para cada essência terminada, outra há de aparecer.

Matthias Glasner demonstra verdadeira fascinação pelas distintas maneiras de lidar com a finitude, incluindo um vasto panorama de símbolos de perda real ou simbólica.

A perspectiva natural da existência abre brechas à leveza e ao humor. (Caso contrário, talvez fosse insuportável aturar um teor tão fúnebre). Glasner ri dos nossos tabus, dos procedimentos funerários e da dificuldade de simplesmente evocar o tema com familiares e amigos. Segmentos no consultório do dentista, nos fundos de um bar e na estrada rumo à floresta são propícios às gargalhadas. O cineasta constrói tensão constante, porém sabe quando liberá-la, equilibrando a experiência ao espectador.

Talvez tamanho “alívio” permita, aos olhos do criador, filmar uma morte ao vivo, quando o espectador é colocado na posição de único testemunho dos últimos suspiros de um personagem, em situação lamentável. Seria voyeurismo, perversidade, fetiche mórbido? Por que captar o corpo atingindo o chão, e arrumar o enquadramento para melhor acomodar o corpo à imagem? Por outro lado, por que não fazê-lo, posto que a ideia da direção seria precisamente tratar o tema da morte com frontalidade, sem escondê-lo, nem demonstrar receio de ferir sensibilidades? O procedimento deve despertar alguns questionamentos de ordem ética e/ou moral. (De qualquer modo, outra morte importante ocorrerá atrás de portas fechadas, sem convite ao testemunho).

A busca pela franqueza desperta alguns instantes de catarse profunda, que serão interpretados como expurgo potente ou representação de mau gosto, dependendo da perspectiva do público. De qualquer modo, o encontro entre o filho Tom e a mãe Lissy (Corinna Harfouch) após um velório gera uma longa sequência de diálogo incrivelmente perturbador, como raramente se vê no cinema. Nessa hora, os espectadores riam em sons abafados, como se não devem se divertir com confissões tão sérias e absurdas ao mesmo tempo. 

Glassner gosta de testar limites de sua proposta, nem que para isso precise recorrer a conveniências desgastadas do melodrama: os encontros por acaso na rua; a notícia de uma gravidez logo após a morte; o sonho de “morrer em cena” para o artista depressivo. Ao longo de seus episódios (divididos, inicialmente, pelos nomes dos personagens, e depois em temas como “Vida” e “Amor”), multiplica reviravoltas e golpes do acaso. Estes quiproquós ajudam, em partes, a aprofundar o estudo de formas de luto, porém reforçam o aspecto novelesco e artificial do andamento.

Neste sentido, Dying: A Última Sinfonia demonstra dificuldade de se concluir. A impressão tem se multiplicado nos filmes do Festival de Berlim. Obras como Another End, A Different Man e La Cocina se apaixonam tanto pelo potencial dramático dos conflitos (o prazer de ver os personagens se amando, brigando, chorando) que, passada resolução dos dilemas, ainda incluem uma, duas, três sequências para aproveitar o potencial dramático destas figuras de ficção. 

Os diretores, neste caso, filmam como se o cinema fosse um luxo ao qual não terão acesso novamente tão cedo. Por isso, aproveitam para incluir o máximo de desejos e invenções possíveis. Como faz falta a figura de um produtor capaz de podar excessos, devaneios e vaidades de direção em nome de maior expressividade das imagens e comunicação com o espectador! Afinal, conforme estas obras se estendem para além de seus objetivos, acabam se enfraquecendo. Quanto mais mostram, menos impactam. 

Ressalvas à parte, o longa-metragem se revela um caso sólido de melodrama convencional, literalmente ajudado pela música (a orquestra conduzida por Tom desempenha papel central na narrativa). Não reinventa nenhum procedimento, nem aposta em invencionices de câmera, ou vaidades da direção — Glasner se mostra mais faminto com o volume narrativo do que com a composição de imagens, ou a direção de atores. Ele parece conceber mais possibilidades de ações do que formas de concretizá-las em imagens.

Felizmente, conta com atores excepcionais, capazes de transitar com desenvoltura entre o trágico e o humorístico, às vezes na mesma cena (caso de Lars Eidinger), ou de exagerar na comicidade quando solicitado (Lilith Stangenberg). No entanto, no comportamento passivo-agressivo da mãe, Corinna Harfouch rouba o foco em cada uma de suas aparições, criticando com insistência o filho cuja presença diz alegrá-la a cada visita. 

No final, a narrativa possui amores e desamores, brigas e reconciliações, gestações e falecimentos suficientes para agradar os fãs do cinema clássico-narrativo. Tudo isso é desempenhado com competência por uma equipe tão excessiva quanto consciente de seus excessos. No Festival de Berlim, sempre cobrado para valorizar obras populares e reconhecer o valor do cinema nacional, Dying pode constituir uma bela aposta para os prêmios principais da 74ª edição.

Dying — A Última Sinfonia (2024)
8
Nota 8/10

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