A premissa de Imaginário: Brinquedo Diabólico possui forte potencial. A ideia de um amigo invisível carrega uma aparência tão natural (afinal, muitas crianças têm colegas imaginários) quanto assustadora (por nos permitir ver os pequenos conversando sozinhos). Ela soa como uma ajuda, por auxiliar a pequena Alice (Pyper Braun) a superar a morte da mãe, ou como um perigo, por lhe dar ordens perversas, incitando a menina a se machucar. Caminhamos no limite entre o suporte terapêutico e o distúrbio mental.
Outros filmes de terror produzidos pela Blumhouse representaram o trauma feminino pela metáfora de um monstro. O ótimo Boogeyman: Sem Medo É Real (2023) imaginava uma criatura atraída especificamente pela dor de suas vítimas, enquanto O Homem Invisível (2020) transformava a violência doméstica no receio de que o companheiro abusivo pudesse perseguir a protagonista em qualquer lugar, mesmo sem ser visto. Nossos medos se transformam em criaturas capazes de nos devorar, caso não superemos as dores.
No entanto, o longa-metragem de 2024 possui uma compreensão limitadíssima da psicologia e dos temas centrais inerentes à trama, a exemplo do luto, a imaginação infantil, a identificação, a projeção, o retorno do recalcado, etc. Inicialmente, promove uma confusão entre amigo imaginário e bicho de pelúcia. Como o objeto físico, segurado por uma garotinha, pode ser confundido com uma criança invisível? O imbróglio será justificado adiante, porém se sustenta de modo nonsense durante tempo excessivo no longa-metragem.
Os criadores nunca sabem se investem em algo sinistro e soturno, ou numa jornada infantilizada de amor familiar. Aproximam-se constantemente da paródia de horror, embora não a adotem.
Além disso, o diretor Jeff Wadlow jamais delimita seu conceito de horror. Filmes sobre bonecos malignos podem explorar o mal acontecendo em torno de um boneco inerte (Annabelle), supor que o boneco possa andar e matar pessoas (Chucky, M3gan), ou que não seja realmente um brinquedo (Brahms em Boneco do Mal), além de muitas outras configurações. Aqui, Chauncey aparenta ser inerte a princípio, mas depois vira o pescoço (ou seja, ele é capaz de se mover). Ele precisa ser carregado, mas depois desaparece e surge, sozinho, em outro cômodo. Adiante, transforma-se numa criatura gigantesca.
Os criadores adotam qualquer estratégia que lhes pareça satisfatória para criar tensão (compreendida aqui enquanto susto) em alguma cena específica. Por isso, os personagens, espaços e conflitos se contradizem na cena seguinte, ao passo que símbolos importante são descartados ou subutilizados no decorrer da trama. O cineasta aplica as estratégias mais banais do medo clássico, sem qualquer ambição de brincar com expectativas ou manipulá-las de maneira inovadora via linguagem cinematográfica.
Espere, portanto, uma infinidade de jump scares através de criaturas embaixo da cama, vultos atrás do protagonista no corredor, porões que nunca se iluminam. Uma única cena interessante, em termos estéticos, decorre da sessão de terapia entre Alice e a psicóloga Dr. Soto (Veronica Falcón), quando um jogo de plano e contraplano nos revela algo que não tínhamos pensado ver, de acordo com a escolha de ângulos da personagem-diretora (a profissional filma suas sessões). Caso Wadlow utilizasse recursos semelhantes no restante da obra, obteria um efeito muito mais instigante do que uma enésima saturação de ruídos crescendo até o susto.
O roteiro possui as características comuns aos projetos em dificuldade, do tipo que a indústria trabalha durante anos; engaveta; retoma; modifica. No final, acaba realizando este monstro de Frankenstein a contragosto, graças ao baixo orçamento exigido. Ninguém parece acreditar a fundo na premissa da madrasta rejeitada (DeWanda Wise), movida por trauma no passado e marcada pela queimadura no braço, ao lado da enteada que ostenta exatamente as mesmas características (incluindo a queimadura). Algumas cenas se arrastam, outras são curtíssimas; já o clímax envolvendo uma casa mal-assombrada imaginária lança o longa-metragem em uma produção totalmente diferente. (O próprio Mansão Mal-Assombrada, da Disney, chegava mais longe a partir de um conceito semelhante).
Os criadores nunca sabem se investem em algo sinistro e soturno, ou numa jornada infantilizada de amor familiar. Aproximam-se constantemente da paródia de horror, embora não a adotem. Hesitam entre aprofundar suas metáforas ao limite do ridículo (a mulher que vive de desenhar aranhas, mas tem pesadelos com aranhas mortais) ou deixá-la na superfície (caso do próprio Chauncey). Ora aposta em efeitos analógicos próximos do trash (os olhos pretos grudados ao rosto por maquiagem de baixa qualidade), ora concebe as tais aranhas ultracomputadorizadas. Às vezes prefere o ponto de vista de Jessica, às vezes, o de Alice. Em algumas ocasiões, abandona a perspectiva de ambas.
Imaginário: Brinquedo Diabólico ainda aposta em estereótipos nocivos do cinema de terror, sobretudo no que diz respeito ao gaslighting feminino. O pai Max (Tom Payne) possui função quase nula na trama, representando a serenidade e a razão. Já as mulheres se mostram hormonais, imprevisíveis, paranoicas, histéricas. Gloria (Betty Buckley) consiste na senhora-bruxa-oráculo, brotando literalmente de qualquer lugar para fornecer explicações didáticas ligadas a maldições antigas; enquanto a terapeuta aparece no instante em que a trama precisa de uma explicação externa. Wadlow e seus co-roteiristas se mostram incapazes de fazer a trama rocambolesca avançar sem ajudas externas, artificiais e abruptas.
O final decepciona justamente pela ausência de criatividade em um filme com Imaginário no título. Aqui, nem a imaginação, no sentido de fabulação, nem as imagens, no sentido de construção estética, possuem a mínima coerência. Basta ver, no terço final, a utilização inconsistente de alicates, pedaços de pau, lustres, ou no próprio monstro maligno que fica parado, esperando as vítimas fugirem. O desfecho abre brechas para uma (improvável) continuação, frustrando novamente os princípios lógicos estabelecidos pelo filme — o personagem jamais poderia agir daquela maneira, de acordo com as regras que a narrativa acaba de estabelecer.
Logo, atinge-se um nível de terror B, mal costurado por um roteiro brainstorming que raramente corresponde às produções polidas da Blumhouse. A produtora sabe apostar em iniciativas realmente radicais, quando lhe convém (Mergulho Profundo) ou sofisticadas, com maior potencial de público (O Telefone Preto), porém aqui se perde ao apostar em um autor que continua demonstrando, filme após filme, sua dificuldade de manter uma linha coesa a partir da premissa adotada.