Greice (Amandyra) procura um meio de se refrescar num dia de calor. Vai até a casa de Alfonso (Mauro Soares) e afirma estar procurando a locação para um videoclipe. No entanto, a solicitação constitui mero pretexto para utilizar a piscina avistada anteriormente pelo Google Maps. Mais tarde, ela viaja para o Ceará, onde nasceu, embora declare à mãe que continua vivendo em Portugal. Passa os dias fechada num quarto de hotel, onde inventa a existência de reuniões de trabalho online.
A lista de fabulações da heroína poderia continuar, às dezenas. Em seu terceiro longa-metragem, Leonardo Mouramateus imagina uma mulher-ficção, eterna personagem de si própria. A jovem inventa, acredita nas próprias invenções, e então cria novas mentiras para acobertar as incongruências da versão anterior. O autor se interessa menos pela verdade por trás das máscaras do que pela capacidade frenética da imigrante em criar, moldando a realidade aos seus desejos.
Para isso, Greice depende da boa vontade de amigos advogados, da prima, do atendente gentil de um hotel, da amiga em Portugal. Através de manipulações e abusos de confiança, o cineasta acredita estar desenhando a trajetória de uma figura fascinante, divertida, ainda que moralmente questionável. A protagonista pode ser considerada encantadora por sua malícia, ou então condenável pelo modo tóxico como se relaciona com um homem mais pobre em Fortaleza — a gosto do espectador. No que diz respeito aos criadores, à adesão à conduta da garota será total.
Greice transmite a curiosa sensação de ser, ao mesmo tempo, bastante acessível, pela facilidade de identificação com os personagens, e um tanto hermético, devido à recusa em adotar os principais códigos da comédia de costumes.
Nas salas de cinema, o público ria bastante em virtude de um humor decorrente do desconforto, reforçado por pequenas gags de roteiro e mise en scène — a insistência no nome Paulo de Paula, a barulho da sola de borracha sobre o chão, a coleção de cardápios de restaurante, as idas e vindas para buscar cerveja no hotel. O autor possui um timing muito particular para a comicidade, rindo de minúsculos absurdos cotidianos, sem a necessidade de sublinhá-los, nem explicá-los. A vida estaria repleta de pequenas magias sem sentido, que Mouramateus ama filmar.
Seria esta uma forma exemplar de comédia popular inteligente, contrária a tantos longas-metragens em moldes televisivos, baseados na ridicularização dos pobres e no retorno à lógica conservadora rumo à conclusão? Greice transmite a curiosa sensação de ser, ao mesmo tempo, bastante acessível, pela facilidade de identificação com os personagens, e um tanto hermético, devido à recusa em adotar os principais códigos da comédia de costumes.
Isso porque o cineasta e roteirista privilegia uma narrativa-fluxo, bastante extensa, e avessa a uma estrutura convencional. Não existe um conflito único a ser explorado e resolvido na conclusão. Pelo contrário, a jornada se pauta por pequenas esquetes livres, que se recombinam e retornam sem uma relação de causa e consequência (vide a sequência do passinho, os flashbacks do quadro queimado, as intromissões de clipes da artista pop). O roteiro parece conceber seus personagens, e então se questionar: e se depois eles fizessem isso? E então fizessem aquilo? E se fossem para outra cidade?, sem pensar nestes pontos enquanto passagens necessárias para se encaminhar a um fim específico.
Em consequência, os segmentos soarão mais ou menos bem-sucedidos, relevantes ou coerentes no interior da narrativa dispersa. O imbróglio administrativo na faculdade parece mais plausível (e possivelmente decorrente de experiências pessoais de Mouramateus) do que a incursão profissional inverossímil num café (abandonado sem justificativa pela trama) e enquanto assistente de Cléa. Afinal, raramente vejamos a jovem desempenhando qualquer função concreta junto à popstar. As interações com a melhor amiga transbordam de espontaneidade, enquanto o flerte com Alfonso, transformado rapidamente em namoro, se torna mais difícil de acreditar.
Parte considerável das qualidades da comédia se encontram na excelente atuação de Amandyra no papel principal. Ela poderia transformar a estudante em uma figura cínica, dissimulada, mas parece deixar em aberto a possível autoconsciência de Greice a respeito de suas atitudes. A destreza com diálogos se prova excepcional — ela parece acreditar de fato no que conta. Sua composição sem vaidades, numa entrega lúdica e quase infantil de corpo e expressões, permite atingir um grau de espontaneidade, e uma qualidade de crônica, incomuns na produção recente.
A narrativa mergulha, portanto, na possibilidade de se focar em figuras atípicas, que destoam do mundo convencional ao redor. Isábel Zuaa recebe a divertida oportunidade de encarnar a diva pop, volátil e gentil, enquanto Dipas interpreta com invejável destreza o recepcionista dotado de ampla autonomia num trabalho precarizado. Já o colega advogado, vivido por Lucas Galvino, ilustra o desejo de uma sexualidade ampla apesar das convenções sociais tragicômicas. Todas estas figuras vivem outras realidades, performando para se adequarem aos códigos esperados deles. A fuga da realidade, aqui, ocorre na chave da autoficção.
Por fim, Greice satisfaz graças à capacidade orgânica de navegar entre o cinema popular e o cinema dito “de arte”, ou ainda entre as linguagens convencionais (há traços de telenovela e telefilme, algo nada depreciativo neste caso) e aquelas mais arriscadas. Mouramateus segue explorando o terreno árido do “cinema do meio”, capaz de unir crítica e público, de fazer rir e provocar pela linguagem, simultaneamente. Não é uma tarefa nada fácil. Por trás dos sorrisos, existe uma busca conceitual importante em iniciativas como esta.