O documentário tem sido apresentado ao público enquanto obra coletiva, elaborada por um grupo de palestinos e israelenses, oferecendo um ponto de vista conciliador a respeito da guerra e da crise humanitária no Oriente Médio. A proposta seria tentadora: o encontro de lados considerados opostos, através de uma obra de arte, simbolizaria um raro esforço conciliador. Por este prisma, No Other Land carregaria um valor extrafílmico, enquanto representação poética de viabilidade da paz. A obra tem sido valorizada, em consequência, por sua própria existência.
Ora, a realidade não é exatamente esta. Embora haja, de fato, um ativista palestino (Basel Adra) e um jornalista israelense (Yuval Abraham) juntos na direção, ambos combatem a invasão dos colonos e do exército de Israel na região de Masafer Yatta, atacada há décadas, no intuito de impedir a proliferação de aldeias árabes. Eles oferecem um único ponto de vista: Basel defende a permanência de sua família na terra que sempre pertenceu aos antepassados, enquanto Yuval ataca o militarismo de sua própria nação.
A título de comparação, e guardadas as devidas proporções, a iniciativa se assemelharia a um brasileiro denunciando o bolsonarismo em culturas democráticas estrangeiras — um esforço válido e importante, mas não necessariamente um sinal de confluência entre opostos. O projeto visa precisamente demonstrar a impossibilidade prática de acordo político entre os governos israelense e palestino. Acredita, em contrapartida, que o humanismo exista em cidadãos de ambos os lados — não por acaso, dois jovens, aludindo a uma possibilidade de futuro acolhedor às diferenças.
Os melhores momentos decorrem não dos ataques filmados ao vivo, mas dos instantes pré e pós-crise. No entanto, a linguagem se aproxima perigosamente do telejornalismo.
Em outras palavras, os cidadãos destas localidades podem se enxergar uns nos outros, ao contrário das nações às quais pertencem. A presença de Yuval na nação vizinha, comunicando-se em árabe fluente, desperta uma parcela de admiração, e outra de desconfiança nos camponeses. Como ele seria capaz de ajudá-los, já que são seus amigos e primos que destroem as casas do vilarejo? Como ele poderia entender a dor dos colegas, se possui visto para se deslocar livremente através do território, enquanto Basel fica preso a esta região? O questionamento a respeito da empatia, num mundo tão cínico e polarizado, constitui um dos pontos positivos da obra.
Por isso, os melhores momentos decorrem não dos ataques filmados ao vivo, mas dos instantes pré e pós-crise. Diante dos escombros de sua casa, Basel discute o futuro com o amigo. Questiona a viabilidade de se casar e ter filhos, em meio ao contexto adverso. Indaga se deveria prosseguir com o ativismo, ou fazer uma pausa após a prisão arbitrária de seu pai. A reflexão a respeito da política e de suas estratégias permite enxergar a humanidade destas pessoas. Basel adora Yuval, embora deteste aquilo que ele representa — a intromissão israelense em suas terras. Este, por sua vez, escuta as provocações com polidez e paciência. Afinal, estima que os palestinos têm razão em suas formulações.
No entanto, No Other Land se equilibra tanto no humanismo cotidiano quanto nos instantes de urgência. Os diretores captam as invasões e os gritos de clemência ou indignação in loco, com a câmera tremida. Registram em tempo real o disparo contra o primo, que se torna paraplégico, além da tentativa de assassinato contra o irmão. Aproximam-se dos soldados e questionam a legitimidade de tanta destruição, escutando variações da resposta padrão: “Esta é a lei”, “Estou cumprindo ordens”. Acompanham as casas sendo demolidas, os tanques se aproximando.
Em comparação com tantos documentários que discutem fatos a posteriori, denunciando crimes e abusos do passado, este filme testemunha os atos enquanto acontecem. Isso transmite a impressão justificada de sinceridade e de coragem (os cinegrafistas arriscam suas vidas em cada abordagem). Em um mundo onde somos constantemente bombardeados por notícias falsas e imagens de inteligência artificial, tal comprovação insiste ao espectador: “Tudo isso é verdadeiro, está realmente acontecendo, do jeitinho que eu mostro. Confie em mim”. A oferta é sedutora.
No entanto, a linguagem se aproxima perigosamente do telejornalismo nestes instantes de câmera tremida, gritos e apreensão da “vida palestina como ela é”. A presunção de objetividade soa incompatível com a arte, e também com o ponto de vista assumidamente parcial que ele possui (com todo o direito de sê-lo). Trata-se de uma obra pró-Palestina, denunciando os inúmeros crimes que continuam a ser cometidos por Israel. No entanto, sob a alegação de que “as pessoas precisam saber”, e de “quanto mais a mensagem for espalhada, melhor as nossas chances de sobrevivência”, esconde-se um discurso utilitarista e pedagógico que não compete exatamente ao cinema.
Por mais chocantes ou comoventes que sejam os registros, eles não se diferem em nada de uma reportagem padrão, que veríamos após o anúncio de “Plantão” na Rede Globo. A obra se apequena quando coloca a mensagem acima do conteúdo, ou quando estima que os fins justificam os meios. Ela se apropria da câmera e do som enquanto veículos suplementares para multiplicar uma mensagem (paz na Palestina, fim das ocupações). O grito funcionaria igualmente na rádio, no podcast, nas redes sociais. A mensagem se torna o meio.
Felizmente, os criadores alternam a catarse com momentos mais introspectivos, equilibrando a discussão cerebral com apelos de ordem emocional (a mãe pedindo que Deus leve seu filho tetraplégico, o carneirinho entre os escombros, o pombo sobrevivente a uma demolição). No Other Land possui ritmo fluido e precioso tratamento de som, apesar da precariedade de recursos ao redor. Ele nunca se contenta com a imagem amadora, pelo contrário, demonstra cuidado de composição, e refinamento de luz, enquadramento, edição. Reconhece-se de imediato um trabalho profissional, competente, do tipo que o Oscar adora recompensar.
Assim, os questionamentos diante de uma iniciativa tão polida e popular (o filme venceu prêmios de público no CPH:DOX, Visions du Réel e IndieLisboa) não residem em seu posicionamento ético, nem na qualidade da realização. Eles decorrem da tentativa, impossível e utópica, de eliminar o abismo existente entre o real e sua representação. Apesar da insistência das imagens, nunca vemos o real, mas uma versão dele. Caso a obra se assumisse enquanto construção e reflexão, seria mais interessante do que a insistência em se passar por uma comprovação de fatos — algo que o cinema é incapaz de fornecer, e que nem sequer constitui sua função, muito menos a potência.