Em dois projetos de ficção, a diretora e roteirista Chris Alcazar pesquisou a vida de garotas de programa no Rio de Janeiro. Como resultado desta interação, decidiu consagrar um documentário à Vila Mimosa, famoso centro de prostituição carioca, deixando que as mulheres falem por si mesmas. Como entraram neste ramo de atividade? Gostam do que fazem? Quais são os planos para o futuro? Como lidam com o preconceito, as violências, a maternidade, os relacionamentos amorosos?
Em termos de estrutura, Quando Vira a Esquina adota uma dinâmica simples e convencional. Dez personagens concedem entrevistas à cineasta, em segmentos autônomos e dissociados. Uma vez que cada mulher conclui sua história, passa-se à narrativa adiante, sem que as tramas se comuniquem para além da justaposição. Somente no encerramento, flashes dispersos compõem um mosaico que, para o espectador, reproduz a experiência de folhar um álbum de retratos.
Nota-se a preocupação mínima, porém evidente, de manter certa diversidade de experiências, ainda que muitas características se reproduzam entre as protagonistas. Existem tanto mulheres bem jovens quanto um pouco mais experientes (além de uma prostituta idosa, figura de exceção), brancas e negras, de origem familiar estável, ou abandonadas por pais e avós. Em comum, todas têm filhos, o que justifica a permanência nesta atividade. Manifestam a descrença em relacionamentos amorosos (nenhuma delas ainda se encontra com os pais das crianças), de modo que o afeto se desloca unilateralmente aos pequenos.
O documentário pode ser lido enquanto crônica da sobrevivência de mulheres num país misógino. Para além da questão sexual e mercantil, trata-se de protagonistas discutindo seu poder diante de homens.
As falas repetem histórias de estupro e incesto em família, seja com pais, padrastos, tios e avós. Por isso, a decisão de partir dos lares abusivos e reiniciar a vida na Vila Mimosa carrega certo caráter de orgulho, demonstrando que conseguiram se reerguer sozinhas. Hoje, têm dinheiro suficiente, e autonomia para trabalharem quando querem. Algumas ainda se sentem mais belas e desejadas por conquistarem os olhares masculinos. Mesmo os testemunhos de prostitutas que sonham em abandonar a profissão ainda transparecem a felicidade da conquista de sua independência.
Assim, o documentário pode ser lido enquanto crônica da sobrevivência de mulheres num país misógino. Para além da questão sexual e mercantil, trata-se de protagonistas discutindo seu poder diante de homens que representam clientes ou maridos; abusadores nocivos ou namorados gentis. A profissão e o histórico familiar responde diretamente ao relacionamento com eles, os homens ausentes nas imagens. Com exceção de alguns figurantes em comércios locais, o olhar se concentra unicamente nas mulheres, que dominam a narrativa e o ponto de vista. A única versão que importa à diretora provém das garotas de programa.
Entretanto, lamenta-se que a autora não aprofunde ou expanda seu pressuposto inicial. As falas unitárias possuem qualidades notáveis em seu despojamento e confiança. No entanto, novas camadas poderiam ser extraídas, em imagens e sons, caso as mulheres conversassem umas com as outras, ou se a câmera acompanhasse a rotina de algumas delas, desde a manhã até à noite. Ficamos limitados à confissão em voz indireta, narrando acontecimentos que não vemos representados em imagens. Os testemunhos nunca evocam fatos ao vivo, apenas reflexões a posteriori.
Assim, o resultado carece de textura e fricção, algo que a montagem, tão eficaz quanto comportada, não consegue oferecer. As personagens apresentam mínimas divergências entre si: uma delas descreve a Vila Mimosa como “uma utopia maravilhosa”, enquanto, para outra, “este lugar é um peso”. Uma personagem afirma que seu gênero lhe confere poder, enquanto a garota seguinte preferia ter nascido homem, porque a sobrevivência seria mais fácil. Ora, imagine então as conversas que elas teriam, caso se sentassem frente a frente numa mesa de bar.
Alcazar possui cuidado com estas pessoas, evitando expô-las para além de sua autorização. Algumas protagonistas não permitem a filmagem de seus rostos, por terem outras ocupações fora da prostituição. Nunca se busca filmar o sexo, nem entrar em detalhes da interação entre quatro paredes. Relatos de clientes abusivos ou violentos estão distantes da obra que procura dissociar esta profissão do crime, do submundo e de qualquer imaginário de sordidez. A cineasta tampouco idealiza a função enquanto atividade libertadora às protagonistas.
Por isso, a estética caminha numa linha intermediária, entre o humor oferecido pelas próprias personagens e o peso de uma rotina exaustiva, entre o aspecto moral, grave, e a visão de um emprego qualquer. Dissocia-se o som da imagem em diversos episódios, de modo que a voz condutora das mulheres se case com trechos amplos do bairro, das ruas, das construções decadentes. Produz-se, deste modo, certa atmosfera etérea, de sonho. Quando Vira a Esquina se equilibra entre vidas possíveis e vidas sonhadas — não por acaso, se conclui com a única personagem que chora, e verbaliza explicitamente o desejo de sair dali.
A cineasta busca uma saída otimista, que se encontraria no abandono da prostituição — isso após passar mais de uma hora descrevendo a atividade enquanto viável e digna de orgulho. Nota-se a dificuldade de tomar um partido firme por um lado ou por outro, determinando um ponto de vista potente acerca da realidade encontrada. Se as dez personagens sustentam perspectivas fortes e descomplexadas, o próprio filme se mostra menos assertivo. Mesmo assim, prova-se bem-sucedido na discussão seu tema para além dos conservadorismos, da religião, dos tabus. Graças à simplicidade e frontalidade destas conversas, adota uma postura respeitável.