Batguano Returns — Roben na Estrada (2025)

O real atropelou a ficção

título original (ano)
Batguano Returns — Roben na Estrada (2025)
país
Brasil
gênero
Comédia, Drama
duração
87 minutos
direção
Tavinho Teixeira, Frederico Benevides
elenco
Tavinho Teixeira, Everaldo Pontes, Carmen Teixeira, José Carlos Teixeira
visto em
28ª Mostra de Tiradentes (2025)

Em Batguano (2014), Batma (Everaldo Pontes) e Roben (o diretor Tavinho Teixeira) se deparavam com uma pandemia mundial. O casal fugia rumo a novos planetas, enquanto enfrentava dilemas de um relacionamento desgastado. A comédia independente transbordava de empolgação, graças às piadas metalinguísticas com o cinema caseiro de super-heróis. Em paralelo, abria espaço para a intimidade e para o sexo (explícito, inclusive). Em outras palavras, um filme que abraçava o gozo e o prazer. Para a dupla, a estrada soava como um universo de possibilidades.

Onze anos se passaram e, neste período, uma pandemia chegou, de fato, ao mundo inteiro. Levou consigo o pai e a mãe do cineasta, ambos idosos, esperando pela vacinação que o então presidente, Jair Bolsonaro, boicotou o quanto pôde. Agora, movido pela tristeza e pela indignação, o diretor retoma os personagens de antigamente, numa trama que imagina o “Ano da peste nº 11”, quando ainda se luta contra o vírus. Apesar de metáforas iniciais, o roteiro logo aponta o dedo aos culpados: Jair Bolsonaro, sua fala sobre a “gripezinha”, a turma da “rachadinha”, etc.

Nos palcos, enquanto apresentava o filme na Mostra de Tiradentes, Teixeira mencionou abertamente a perda dos pais, manifestando sua indignação por estas e tantas outras vidas que poderiam ser poupadas. Ele abre o projeto com sua própria imagem dirigindo, ao lado dos pais idosos. Duas pessoas no banco de trás têm o rosto desfocado digitalmente. O filme começa com uma espécie de homenagem, incluindo materiais reais, que a maioria dos dramas reservaria ao final da narrativa. Insiste, assim, que nossa leitura das aventuras de Roben seja condicionada ao recorte íntimo de um criador em luto.

A pandemia real foi grave demais para que a pandemia da ficção científica ainda servisse como mote para entretenimento. Batguano Returns — Roben na Estrada nunca se assume enquanto drama autobiográfico, e tampouco funciona na vertente da comédia.

O problema se encontra na maneira como os acontecimentos trágicos dialogam com o projeto de Batguano. Apesar da coincidência improvável da trama sobre uma pandemia, a aventura original constituía uma celebração do cinema, um pastiche dos super-heróis, uma ilustração descomplexada da homossexualidade, uma abertura generosa e solar ao resto do mundo. Esta configuração resulta pouco apropriada para a sequência proposta — quase o seu avesso, na verdade. O autor, em codireção com Frederico Benevides, praticamente retira Batma de cena, tomando a jornada somente para si. Chora diversas vezes em cena, supostamente devido à ruptura com o namorado, embora esteja versando lágrimas pelos pais ausentes.

Em outra cena, Teixeira interpreta a própria mãe, deitada na cama com o pai idoso, decidindo se devem ou não assistir ao filme em que o filho pratica uma felação explícita no companheiro. Decidem que sim. A homenagem é sincera e comovente, e ninguém contestaria o direito, ou o desejo, do autor em ficcionalizar suas dores através de um projeto cinematográfico. (Aliás, pelo menos metade dos longas-metragens exibidos no evento mineiro corresponde a iniciativas terapêuticas para seus criadores, que expõem suas dores em ficções e performances experimentais).

No entanto, Batguano Returns — Roben na Estrada nunca se assume enquanto drama autobiográfico de expiação, e tampouco funciona na vertente da comédia. A longa narração inicial, criando um pretexto extenso e confuso para afastar Batma (o herói teria se vendido às Big Techs, desmaterializando o próprio corpo) praticamente retira Everaldo Pontes do roteiro, eliminando a dinâmica que constituía a marca da obra original. Os dois ainda conversam por meio de tecnologias de inteligência artificial, embora o resultado se aproxime das limitações do cinema pandêmico, limitando o número de atores e as interações, substituindo-os por conversas em off.

O mesmo vale para o único instante de erotismo da sequência: durante o flerte com um caminhoneiro, Roben sugere o sexo com o conhecido, embora desista das negociações. O interlocutor nem sequer tem um rosto. Enquanto isso, multiplicam-se as longas cenas do carro dirigindo na estrada, em silêncio, ou então do personagem borrifando água numa planta, e chorando em frente ao telefone celular. O uso do aparelho para a captação de parte considerável das imagens reforça a impressão de um filme de pandemia, apesar de ter sido realizado após o período de reclusão, quando os editais e mecanismos de fomento já tinham retornado.

Batguano Returns deixa, portanto, um gosto amargo. Investe em tiradas cômicas que nunca pretende desenvolver de fato, enquanto multiplica os acenos reais à tragédia que não ousa reconstituir enquanto tal. Não convence nem no humor, nem no drama familiar e autobiográfico. Em especial, perde a fantasia e o encanto ao se aproximar de maneira referencial de um road movie tradicional de luto e reparação. “Você sabe que somos uma invenção dos estúdios, né?”, relembra Roben ao ex-namorado. Nem mesmo as piscadelas à cultura pop surtem algum efeito.

É possível que a vivência pesarosa do diretor tenha sido forçosamente encaixada num projeto que não a comportava, partindo de um conceito incompatível com os sentimentos e emoções que pretendia veicular. A menção direta a Bolsonaro e aos acontecimentos políticos apenas comprova que Batguano, o querido e afetuoso filme de onze anos atrás, serviu de mero ponto de partida, do qual o autor se distancia assim que pode. Ao espectador, não se oferece a possibilidade de nem nos identificar plenamente com o drama protagonista (oficialmente lamentando a ruptura amorosa), nem rir com o discreto humor que jamais acredita no próprio texto. 

A pandemia real foi grave demais para que a pandemia da ficção científica ainda servisse como mote para entretenimento. De certo modo, parte considerável do cinema contemporâneo pós-traumático consiste na tentativa de delimitar o quanto precisamos nos aproximar de fatos, nomes e situações verídicas para dialogar com os traumas recentes, e o quanto seria benéfico nos afastar ao máximo do real para melhor abarcar a sua importância. Nesta crise da representação, Batguano Returns — Roben na Estrada ao menos se torna um exemplo sintomática deste desconforto, e de nossa dificuldade em remediar a ferida ainda não cicatrizada.

Batguano Returns — Roben na Estrada (2025)
4
Nota 4/10

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