Como Matar a Besta (2021)

A excitação do desconhecido

Título original (ano)
Matar a la Bestia (2021)
país
Argentina, Brasil, Chile
gênero
Drama, Suspense, Fantasia
duração
79 minutos
direção
Agustina San Martín
elenco
Tamara Rocca, Ana Brun, João Miguel, Sabrina Grinschpun, Juliette Micolta
visto em
Cinemas

O primeiro elemento de destaque em Como Matar a Besta (2021) diz respeito à potente ambientação. A cena de abertura se passa à noite, com a lua cheia dominando o céu, além da espessa camada de névoa cobrindo a colina onde se encontra uma cabana isolada. Trata-se do cenário típico dos filmes de terror, onde adolescentes hormonais costumam se tornar vítimas de um psicopata ou entidade paranormal.

No entanto, os seres humanos demoram a aparecer nas imagens. Antes disso, haverá ruídos sombrios, trilha sonora etérea e sensual, além de uma gravação em off, na secretária eletrônica, por parte da irmã Emilia (Tamara Rocca), comunicando a decisão de visitar o irmão na fronteira entre o Brasil e a Argentina após a morte da mãe de ambos. Ela justifica o deslocamento: “Depois de tudo o que aconteceu com você, achei melhor ir até aí”. Ora, o que aconteceu ao rapaz? De que maneira a mãe faleceu, e que relação ela nutria com os familiares?

A cineasta Agustina San Martín prioriza o mistério. Ela trabalha com três eixos invisíveis que movem trama: o irmão jamais encontrado pela forasteira; a mãe ausente em fotografias ou retratos, e sobretudo a besta do título, criatura mística que teria provocado mortes em série na região. Como se pode esperar, estes elementos estarão intimamente interligados, e a autora gosta de pensar que uma figura possa corresponder à outra, ou se substituir a ela.

O discurso opera, portanto, na chave da representação pela ausência: ele prefere sugerir elementos a representá-los diante das câmeras. Os criadores estimam que o espectador possui sua bagagem pessoal de medos, traumas familiares e desejos, sendo capaz de suprir as inúmeras lacunas por conta própria via projeção pessoal. Em consequência, cada cena introduz novas incógnitas sem esclarecer as anteriores. Procura-se o prazer de se perder, ao invés de se encontrar.

Este espaço onírico pode encantar espectadores abertos ao registro impressionista, ou frustrar outros que aguardariam um mínimo esclarecimento a partir da forte premissa inicial. É evidente que a obra prefere criar estímulos a desenvolvê-los, ou mesmo atá-los de maneira coesa rumo ao final. Em consequência, o desfecho se limitará a uma suspensão sem conclusão definitiva: chegado o clímax, o percurso apenas se encerra. Surpreende a escolha por um percurso contrário aos principais prazeres do cinema clássico-narrativo — uma jornada anti-convenções por excelência.

Este espaço onírico pode encantar espectadores abertos ao registro impressionista, ou frustrar outros que aguardariam um mínimo esclarecimento a partir da forte premissa inicial.

Por um lado, este investimento no tempo e no espaço porta seus frutos. Como Matar a Besta atinge sem dificuldade a atmosfera lânguida e erótica tão desejada pela criadora, a partir de simples planos fixos e longos, em conjunção com espaços vazios sobrepostos a vozes em off. As frutas mofando sobre as mesas, o suor na pele dos poucos ocupantes da pousada e os encontros no ambiente pantanoso transmitem o sentimento excitante e apavorante do desconhecido. Conforme avança na busca pelo irmão que não deseja ser encontrado, Emilia se confronta aos perigos possivelmente letais, mas que lhe provocam um gozo inevitável. Há muitas pequenas-mortes em jogo neste caso.

Por outro lado, estes pequenos instantes de sensualidade constituem fins em si próprios, e nunca fazem a narrativa avançar, nem aprofundam as personalidades em jogo. As iconografias se tornam vazias, retóricas: a heroína cobre o rosto com plástico-bolha pelo prazer de fazê-lo (e porque a imagem fica plasticamente atraente no enquadramento escolhido); acaricia as pernas do sujeito que a transporta de motocicleta sem real interesse nele; e encara longamente o jovem religioso numa troca inerte. Há muito mais metáforas do que chaves de leitura oferecidas ao espectador.

Deste modo, a narrativa se sucede sem necessariamente se aprofundar: as cenas não constituem causa ou consequência uma da outra, e durante parte considerável deste processo, tanto a sobrinha Emilia quanto a tia Inés (Ana Brun) perambulam pela casa deserta desprovidas de objetivos ou motivações precisos. As interações amorosas da jovem com meninas e meninos ocorre de maneira descompromissada, sem real investimento libidinoso, e livre de consequências. A narrativa sustenta uma aparência blasé pertinente à juventude pós-moderna, porém incômoda para um cinema incapaz de distanciamento crítico. Os poucos acontecimentos se assemelham a peças de um quebra-cabeça que jamais forma uma imagem completa.

A montagem, em particular, teima em encontrar uma costura para tantas cenas interrompidas antes de sua conclusão natural, ou suspensas sem relação orgânica com a cena seguinte. As sequências de grupos, a exemplo dos jovens na tenda, soam artificiais em termos de enquadramento e composição: Agustina San Martín trabalha com os atores parados dos pontos exatos do quadro, posando às necessidades da rigorosa direção de fotografia, ao invés de permitir algum respiro e espontaneidade no procedimento. 

Deste modo, cria imagens instigantes no interior de uma narrativa pouco memorável. Resta a curiosa impressão de que a diretora possui mais imagens a mostrar do que reflexões a oferecer. Em paralelo, este cinema guarda a sensação, positiva ou negativa, de se prender demais à linhagem do cinema latino-americano jovem, coletivo, focado em classes desfavorecidas ocupando ambientes quentes, pantanosos e sensuais. 

O Pântano (2001), Abrir Portas e Janelas (2011), Tarde para Morrer Jovem (2018), Los Tiburones (2019) e Manto de Gemas (2022), entre outros, compõem o imaginário de sexualidade intimamente presa ao prazer e receio da morte. Neles, testar os limites da adolescência equivalente a entrar de maneira traumática na fase adulta. Para isso, as mortes de animais e as figuras de bichos predadores servem de metáfora evidente, porém cada vez menos inventiva conforme estes filmes se sucedem nos cinemas. É preciso ultrapassar estas metáforas e buscar novas iconografias, novos símbolos e metáforas, capazes de transmitir uma angústia da década de 2020, muito diferente daquela de vinte anos atrás, tão fortemente retratada por Lucrecia Martel. 

Como Matar a Besta (2021)
6
Nota 6/10

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